Alternativa para que credores recebam seus precatórios

por Flávio José de Souza Brando

Persiste o drama brasileiro crônico do calote pelo Poder Público das dívidas judiciais públicas (os chamados precatórios).

Chama a atenção de qualquer analista, preliminarmente, o fato de que inexiste qualquer levantamento atualizado do estoque de dívida, ao mesmo tempo que esforços legislativos conflitantes (no bojo da reforma tributária, reforma do judiciário, p.ex.) são feitos caoticamente e a toque de caixa para “tocar” o tema quem sabe para a eternidade.

Não se conhece na literatura econômica do mundo uma solução para um estoque bilionário de dívida sem que se conheça seu valor exato, detalhes, natureza alimentar ou não. Mas, enfim, é o que está se tentando fazer hoje: soluções legislativas para o desconhecido.

Sem diagnóstico preciso, não há terapêutica que funcione. Este desconhecido calote bilionário está cuidadosamente escondido embaixo do tapete ou no armário das contas públicas, pois se os banqueiros ou instituições como Banco Mundial e BID descobrirem o que está acontecendo, de repente podem se negar a desembolsar novas quantias.

Realmente, se o Banco Mundial e o BID, e mesmo bancos privados, não emprestam um centavo se houver problemas potenciais com meio ambiente, indígenas, etc, o que dizer de centenas de milhares de “aculturados” que sofrem violência contra seus direitos humanos de receber créditos há muito julgados pelo Poder Judiciário!

A maior parte das soluções práticas estudadas hoje incursiona por moratória, securitização dos títulos para pagamento de impostos, leilões públicos e assim por diante. Idéias com mérito e que devem continuar a ser estudadas.

Existe, porém, uma outra alternativa.

O Secretário dos Negócios Jurídicos de uma das mais importantes cidades do país informou recentemente que, teoricamente, não teria problemas para pagar seu estoque de dívidas judiciais passivas (precatórios), pois sua dívida ativa era o dobro.

Ele, conceitualmente sabe: o estoque de dívidas públicas ATIVAS poderia ser utilizado num encontro de contas com as PASSIVAS.

Diagnóstico (com todos os pecados da generalização): os entes públicos não conseguem cobrar e, também por isto, não pagam suas dívidas.

Surge a pergunta: por quê não substituir o agente cobrador e pagador, leiloando o direito de cobrar, vinculado à obrigação de pagar?

Imaginem o que aconteceria se um Banco do Brasil, Bradesco ou Itaú do mercado comprasse (evidentemente com um desconto, pela assunção do risco e sua margem de lucro) a totalidade da dívida ativa da prefeitura de São Paulo (IPTU, ISS, etc), e, ao mesmo tempo, assumisse a obrigação de pagar os precatórios.

Antes de mais nada, coitados dos devedores da prefeitura.

Mas, ah, diriam, é impossível pagar o estoque de precatórios acumulado, pois os juros elevaram o total a algo impagável.

Muito bem, já existe moratória para os precatórios não-alimentares (desapropriações, etc.) por 10 anos e se vier uma moratória para os alimentares, existiria parcelamento por alguns anos, e isto poderia ser “descontado” voluntariamente pelos credores junto aos Bancos, que estariam administrando em paralelo um fluxo positivo de recebimento de dívida ativa.

Prejuízo nominal para os credores? Certamente, mas os que não aceitassem um desconto, poderiam receber durante alguns anos, ao invés da situação paranóica de hoje, onde o devedor (Poder Público) esconde suas contas e não paga ninguém, e os credores reclamam de tudo sem nenhuma chance de sucesso.

Os romanos, no velho Império, já faziam algo parecido com sucesso. Não estaríamos inventando nada.

Quem serão os opositores prováveis desta idéia: defensores da cobrança e pagamento de dívida pública direta e exclusivamente pelo Poder Público (não funciona hoje, como é público, sem trocadilho, e notório) e inimigos do grande capital, os bancos, que “mais uma vez ganhariam fortunas a custa do povo”…

Mais: puristas respeitáveis do Direito, que diriam (com toda razão teórica) que isto é inconstitucional, pois viola direitos adquiridos, coisa julgada.

Perfeito, mas emendas obscenamente inconstitucionais têm sido aprovadas regularmente pelo Congresso, sempre para favorecer o calote, e, paradoxalmente, enquanto a discussão conseqüente se arrasta por anos no Supremo Tribunal, os credores não-alimentares têm recebido em alguns Estados e prefeituras.

A blindagem constitucional integral dos precatórios alimentares não tem pago aluguel, médico, cheque especial e prestação da casa própria.

Solução polêmica, sim, mas é melhor os credores perderem algo e receber parte de seus créditos, do que o cenário de pântano atual, no qual somente a burocracia se alimenta.

Boa gestão, responsabilidade fiscal são conceitos que independem de ideologia.

Calote nunca mais deve ser o grito de guerra do MSJ – Movimento dos Sem Justiça.

É preciso agir antes que os legítimos credores passem a ocupar Fóruns e “exigir” providências do Poder Público.

Flávio José de Souza Brando é advogado e presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP e da Max Ambiental S.A

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