Procuradores da República serão chamados de promotores

por Janice Agostinho Barreto Ascari

Na tarde do último dia 6 de abril, inesperadamente e sem nenhuma consulta ao Ministério Público Federal e ao Procurador-Geral da República, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal acolheu proposta do Senador Demóstenes Torres (PFL-GO) para uniformizar a denominação dos integrantes do Ministério Público em todos os escalões, para que todos sejam denominados “promotores”, extinguindo com isso o nome de “Procurador da República”.

Disse o parlamentar ao Jornal do Senado que essa é uma reivindicação de toda a categoria (qual categoria? perguntemos ao nobre Senador Demóstenes Torres, pois os principais interessados e únicos prejudicados – os Procuradores da República – não foram consultados). Com a mudança, o nome de Procurador-Geral da República passará a ser Promotor-Geral da República. Não se especificou como ficarão as denominações dos cargos nos Ministérios Públicos Estaduais, do Trabalho e Militar.

O relator da reforma do Judiciário, Senador José Jorge (PFL-PE), foi inteiramente favorável à alteração. Contudo, incoerentemente, posicionou-se contra outro destaque do mesmo Senador Demóstenes que tornaria obrigatória a unificação da denominação de “Juiz” para toda a magistratura, extinguindo as denominações “Ministro” e “Desembargador”. Ainda segundo o Jornal do Senado, os senhores Senadores ponderaram que o momento não recomenda a mudança de denominações e o Senador Demóstenes Torres prontamente retirou a proposta. O “momento”, então, recomenda que se retire dos Procuradores da República a sua identidade, a começar pela denominação do cargo?

Na paralela, o Senador Romero Jucá (PMDB-RR), vice-líder do governo, declarou que pretende apresentar projeto de emenda para permitir que o Senado possa processar e julgar Procuradores da República em casos de crime de responsabilidade. O fato de o Procurador-Geral da República ter enviado ao Supremo Tribunal Federal, no dia anterior, manifestação requerendo a instauração de inquérito policial para apurar indícios da participação do Senador Jucá no desvio de R$ 20 milhões de verbas públicas é apenas coincidência.

A nomenclatura do cargo de Procurador da República vem desde a Constituição Republicana de 1891. Ser Procurador da República significa ter procuração da República, vale dizer, ser mandatário da sociedade e do Estado de Direito. É assim que nos identificamos e é assim que a sociedade brasileira nos identifica. A nação está habituada ao termo “procurador” e identifica-o com o Ministério Público, principalmente após a Constituição Federal de 1988. A alegada confusão entre “promotor” e “procurador” esconderia o verdadeiro propósito, o de enfraquecer os membros do Ministério Público da União, mas muito especialmente os do MP Federal?

Quero crer que não, assim como não deve haver interesses escusos em retirar os poderes investigatórios do Ministério Público, na promulgação da Lei da Mordaça, na ampliação do foro especial por prerrogativa de função (não só para ex-ocupantes de cargos públicos mas também expandindo-o para diversas modalidades de ações judiciais), na perda do cargo por decisão administrativa do Conselho incumbido do controle externo ou no julgamento dos membros do MP (só o Federal) pelo Senado.

Minha convicção pessoal é a de que, se em alguma medida, membros do Ministério Público Brasileiro erram ou extrapolam, a Corregedoria-Geral do MP é o foro adequado para essa apuração e decisão, devendo ser revigorada e fortalecida. O sistema jurídico brasileiro já dispõe de todos os instrumentos legais necessários para coibir abusos. Deve-se sempre ter em mente quem são os envolvidos, quais as infrações éticas, administrativas ou penais cometidas e o grau de gravidade.

É preciso não esquecer, também, do trabalho realizado pelo Ministério Público Federal, desde os grandes centros até em rincões deste país onde a luz elétrica nem chega. Longe da mídia, mas perto do povo e da justiça. Só para exemplificar, menciono os trabalhos realizados na área da saúde, meio ambiente, junto às populações indígenas, contra o trabalho escravo, contra a prostituição infantil, bem como as ameaças que recebemos por nossa atuação em investigações e processos criminais, especialmente as que envolvem o crime organizado.

Acima de tudo, deve-se impedir que situações específicas sejam aproveitadas como combustível para diminuir a dignidade e a seriedade do Ministério Público e para o amesquinhamento da nossa República, da qual seremos, sempre e com muito orgulho, Procuradores.

Janice Agostinho Barreto Ascari é procuradora-chefe da Procuradoria da República no Estado de São Paulo.

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