Justiça deve repudiar indústria de crimes da relação de consumo

por Fernando Trizolini

Com a publicação da lei que define os chamados crimes contra as relações de consumo o setor produtivo tem sofrido abusos indiscriminados pelo Poder Público, dos quais decorrem alguns efeitos práticos na seara penal, em especial pela instauração de inquéritos policiais para responsabilizar criminalmente os representantes legais de empresas reconhecidamente idôneas.

Tais abusos, em alguns casos, são gerados pela má interpretação do conceito de produtos impróprios ao consumo, identificado pela autoridade policial por meio da leitura do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (1).

Ocorre que o referido artigo, além de fornecer apenas o conceito de produto impróprio para fins de responsabilidade civil, identifica de forma vaga e imprecisa as hipóteses para a caracterização da impropriedade do produto, o que causa ofensa direta ao princípio da reserva legal, tornando, por conseqüência, sem efeito a aplicação da norma penal.

Assim, diante da gama imensa de hipóteses para responsabilizar criminalmente o empresário, qualquer reclamação do consumidor, por mais banal que seja, tem sido motivo para lavratura de boletim de ocorrência e instauração de inquérito policial.

A postura da Justiça Pública em identificar como crime toda e qualquer situação de vício de qualidade do produto mostra-se absolutamente temerária para o empresariado, expondo os seus representantes a situações de grave constrangimento e gerando sérias implicações à sua imagem e credibilidade no mercado.

Sabe-se que a intenção do legislador ao criar a figura dos crimes de consumo foi a de punir exclusivamente condutas que, efetiva ou potencialmente, pudessem colocar a saúde ou segurança do consumidor em situações de risco, posto que é este o bem jurídico protegido pela norma penal.

Assim, a instauração desenfreada de inquéritos policiais em situações nas quais não há dano efetivo ou potencial à saúde e segurança do consumidor é, no mínimo, questionável, devendo ser imediatamente repudiada na Justiça através das medidas criminais cabíveis.

Nota de rodapé

(1) Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 6° São impróprios ao uso e consumo:

I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

Fernando Trizolini é advogado do escritório Manhães Moreira Advogados Associados

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