"Sem Judiciário que faça justiça não há estado de direito"

por Joaquim Manhães Moreira

Três episódios recentes deveriam fazer com que os setores responsáveis da sociedade brasileira passassem a se preocupar de forma mais efetiva com o futuro do nosso Poder Judiciário.

O primeiro desses episódios consiste na inclusão da chamada “súmula vinculante” na reforma judiciária. De acordo com esse instituto, uma decisão do Supremo Tribunal Federal vinculará obrigatoriamente todos os demais tribunais e juízes. Mas, isso em um país no qual os ministros do STF são nomeados pelos presidentes da República, dentre os grupos de amigos e simpatizantes do seu governo e até mesmo de servidores, como é o caso do Advogado Geral da União.

No caso de nomeação do Advogado Geral da União ou de Procuradores da República, que isenção ou imparcialidade podem ser esperadas de pessoas que antes de tomarem posse como magistrados defendiam o Governo?

O segundo episódio refere-se ao “lobby” do Poder Executivo sobre o STF para que aceite a incidência das contribuições previdenciárias sobre os rendimentos dos inativos.

O terceiro episódio referiu-se ao chamado “crédito-prêmio do IPI” devido aos exportadores, que mereceu ampla campanha contra o seu reconhecimento, inclusive na imprensa. Finalmente, a turma responsável pelo julgamento no STJ capitulou às chamadas “razões de estado” refletidas nas finanças públicas e decidiu contra os contribuintes. Para conseguir tal decisão, o “lobby” foi de tal ordem que até o quarto poder da Nação, o “Jornal Nacional”, da Rede Globo, também se manifestou contra os direitos dos exportadores.

Nenhum argumento técnico foi erigido, mas apenas as “razões de estado” foram consideradas, ou seja, o impacto no orçamento público.

Sabe-se que quando o Judiciário aceita as “razões de estado”, o estado de direito corre perigo. Não são necessárias grandes explicações para se provar isso. Os atuais próceres governistas e membros do governo certamente se lembrarão de que no regime militar a principal razão de estado era a “segurança nacional”, e em função dela o Executivo violava os direitos e garantias constitucionais, exceto quando obstado pelo Judiciário.

A situação atual é semelhante à daquela época. As diferenças residem nos temas. Naqueles tempos se discutia prisão e tortura. Hoje se discute expropriação da propriedade privada através de tributos indevidos e inconstitucionais.

O caso do crédito-prêmio do IPI é emblemático, porque ele foi instituído em 1969 pelo Decreto-Lei 491 para compensar os exportadores de produtos industrializados pelos tributos pagos internamente no país.

Tais produtos, quando destinados à exportação, em suas saídas das fábricas para os portos e aeroportos são isentos dos tributos. Ocorre que em toda a cadeia produtiva havia e há outros tributos e contribuições incidentes sobre as matérias primas, partes, peças, componentes e sobre a mão de obra.

Naquela época, o País reconheceu que era impossível ao exportador brasileiro embutir tais tributos nos preços de exportação e mesmo assim apresentar cotações competitivas no mercado internacional. Idealizou-se então o crédito em questão, como forma de compensação.

No final de 1979 um Decreto-Lei outorgou ao Ministro da Fazenda a delegação para fazer o que quisesse com o referido crédito. O ilustre ocupante daquela pasta houve por bem extinguir o crédito. Posteriormente, o antigo Tribunal Federal de Recursos reconheceu a inconstitucionalidade da delegação feita ao Ministro, declarando-a inexistente no mundo jurídico.

O Governo chegou a editar outros Decretos-Leis que não operaram qualquer mudança nessa realidade. O fato é que, pela inexistência de modificação na ordem jurídica, o Decreto-Lei 491 continua em vigor, tendo sido inclusive recepcionado pela Constituição de 1988.

Por conta dessa exoneração tributária às exportações, os exportadores brasileiros de produtos industrializados têm oferecido preços menores ao mercado internacional contando com tal reembolso. Mas agora, na hora de obter o ressarcimento dessas verbas, vêem-se impedidos por uma decisão da Justiça, que leva em conta as razões de estado e a habilidade do governo para proceder ao chamado “controle social da comunicação”, tão comum na extinta (antes de ser falida) União Soviética.

Sem um Judiciário que faça justiça não há estado de direito e não há direito. Sem direito não há sociedade.

Qual será o futuro da Justiça Brasileira, que tem no momento uma bancada governista no STF constituída de não menos que 5 (cinco) Ministros, um antigo Advogado Geral da União e outros quatro nomeados pelo atual Presidente da República?

Será que alguma ação contra o Governo terá chance de se sair vencedora? O bom senso diz que isso será muito difícil, senão impossível. Some-se a isso a súmula vinculante e se poderá antever o resultado final.

É preciso mudar radicalmente a Justiça. Somente com membros dos tribunais superiores eleitos livremente pelo povo se poderá aspirar viver em um estado democrático de direito.

Joaquim Manhães Moreira é advogado especializado em Direito Tributário e Societário e sócio de Manhães Moreira Advogados Associados.

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