Palocci renega de maneira radical seu passado trotskista

por Grijalbo Fernandes Coutinho

Perto do 64º aniversário de assassinato do líder bolchevique Leon Trotsky, as teses do comandante do exército vermelho russo continuam a provocar intensos debates no mundo inteiro. Ora recaem sobre a utilidade atual da revolução permanente, ora confirmam a capacidade de profecia política do “Velho”, ao ter propugnado pelo aniquilamento das burocracias stalinistas nos estados operários, sob pena de ceder-se espaço à contra-revolução capitalista.

Há também uma verdadeira guerra entre as diversas correntes que se identificam como trotskistas, quase sempre com a acusação mútua de capitulação e de desrespeito aos princípios do “programa de transição” e às teorias lançadas nas inúmeras obras do fantástico escritor e orador.

A força do pensamento de Trostky é capaz de marcar para sempre quem, seja qual for o momento ou a razão, abraçou as bandeiras da IV Internacional. É difícil encontrar ex-militante — mesmo que tenha feito opção posterior pela fácil e sedutora vida pequeno-burguesa — arrependido de ter integrado as fileiras do trotskismo ou insensível ao ponto de não continuar admirando sua trajetória de revolucionário, teórico e prático. A imortalidade se afere também na ligação que se faz entre o passado trotskista e as ações adotadas no presente.

Ainda que com notório viés humorístico, a imprensa tem anotado que, pela primeira vez e apenas no Brasil, Trotsky venceu Stálin. O ex-trotskista Antônio Palocci, ministro da Fazenda, tem levado a melhor na disputa política com o stalinista José Dirceu, ministro Chefe da Casa Civil.

Sem espaço agora para provar o contrário, apenas registro que vários foram os momentos em que o Profeta venceu o Cozinheiro de pratos picantes, descrição última dada por Lênin. A luta mesquinha intercapitalista ora travada representa a antítese da teoria elaborada por Trotsky.

Mesmo levando ao pé da letra a correta acepção de Marx, no sentido de que “a única classe verdadeiramente revolucionária é a operária”, pela própria necessidade de assim ser, é infeliz ironia do destino constatar que um ex-trotskista comporta-se, no governo Lula, como o mais fiel representante do grande capital, nacional e internacional, sempre advogando idéias contrárias aos interesses dos trabalhadores, sendo, por isso mesmo, bajulado pelo mundo financeiro.

O ministro Palocci tem defendido a “modernização” das relações de trabalho, a implantação da Alca, o arrocho salarial para os empregados da iniciativa privada e servidores públicos, o fim do regime público de previdência, a instituição dos fundos de pensão, as taxas exorbitantes de juros, a ausência de correção da tabela do imposto de renda e a eterna proteção aos mercados e aos seus agentes.

Se ele fosse trotskista, é evidente que não estaria, como também não aceitaria estar, sequer no terceiro escalão da equipe do Executivo. Mas, mesmo não o sendo, não precisava exagerar na cooptação, tarefa peculiar da deformação stalinista ao longo do século XX.

É dentro desse cenário que se insere a última iniciativa do ministro Palocci, ao defender e montar a estratégia de votação da nova lei de falências, objetivando, pois, dar tranqulilidade e mais garantias aos credores do sistema financeiro para receber os seus haveres, inclusive em detrimento dos créditos dos trabalhadores, cujo caráter preferencial pretende-se limitar.

A lógica de todo o projeto está centrada na preocupação do governo Lula em mostrar aos bancos e aos agentes financeiros que uma nova ordem será estabelecida a partir de então, relegando para plano secundário o destino das verbas dos empregados e da própria fazenda pública. A insensatez promovida pelos antigos socialistas inverte a lógica natural da relação capitalista ao transferir para os empregados a responsabilidade pelos eventuais prejuízos do negócio e da própria gestão fraudulenta.

Extremamente debilitados com o atual quadro de exclusão social que remete 40 milhões de pessoas para a informalidade trabalhista, os empregados brasileiros, que ainda não viram os resultados da saudável distribuição de lucros prevista na Constituição de 1988, passam, a partir da lei de proteção ao economicamente mais forte patrocinada pelo audacioso neoliberalismo petista a “sócios”, apenas nos insucessos das atividades empresariais.

Não deixa de ser uma vertente interessante da evolução das idéias por parte de quem não assinou a Carta de 1988 por considerá-la conservadora e patronal, mas 15 anos depois volta-se contra o que ali foi escrito em favor dos trabalhadores.

Talvez seja outro o rio e o homem que nele tomou banho, numa explicação dialética de como entregar-se ao poder econômico sem pudor. A Anamatra,devo destacar, tem sido insistente em pugnar por que seja imposto outro rumo à pretensão governamental.

Narra Isaac Deutscher, em “O Profeta Banido”, o ato covarde perpetrado pelo agente stalinista Ramón Mercader contra a vida de Leon Trotsky, insuficiente, porém, para apagar o legado revolucionário que deixou de forma definitiva para o mundo.

O ato de usar o quebrador de gelo ou a picareta desferida sobre o crânio do dirigente bolchevique não está a se repetir ou a machucar novamente a memória de Trotsky quando o ministro Palocci renega de maneira radical o seu passado trotskista, mas confirma que a capitulação burguesa imperialista muitas vezes não tem limites, nem preserva valores mínimos de conduta voltada para o social.

Repetindo o velho Trotsky, jamais devemos perder a esperança. “A vida é bela. Que futuras gerações a livrem de todo o mal.”

Grijalbo Fernandes Coutinho é juiz do trabalho em Brasília (DF) e presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra

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