por Antônio Ferreira Couto Filho
A Saúde agoniza no Brasil, mas a esperança é a última que morre. Em 1999, portanto há pouco mais de cinco anos, escrevíamos um artigo, intitulado O Ovo da Serpente, cujo conteúdo tinha a proposta de alertar a sociedade brasileira em geral para os riscos de se copiar o modelo norte-americano, no que pertine ao estabelecimento da iníqua “indústria do dano”.
Na ocasião, sinalizamos que médicos e hospitais, públicos e privados, estariam à mercê de uma avalanche de processos judiciais, dizimando a relação médico-paciente e desnudando a ineficácia do Direito Constitucional como garantidor da saúde de todos os cidadãos. Lamentavelmente, nossa previsão se concretizou, o caos está estabelecido e o ovo da serpente eclode na caixa de Pandora.
Somos o 124º lugar em qualidade de saúde segundo o ranking da OMS. O numerário que usamos anualmente para fazer face às despesas públicas com saúde não estão comprometidos com nenhum dado de realidade e constata-se o mais absoluto primor de desfaçatez. Segundo estatísticas da Abramge/Fenaseg, são gastos 31 bilhões de reais para cuidar de 35 milhões de segurados, enquanto todo o SUS para suprir o direito à saúde de mais de 145 milhões de brasileiros gasta quase a mesma quantia.
Fácil concluir que o assunto não se prende a esse ou aquele governo ou mesmo partidos políticos, a questão é muito mais grave. Durante décadas, não cumprimos o mandamento constitucional na direção de prover a saúde da população brasileira, e por total falta de eticidade, nós, os brasileiros, fingimos que esse lugar de 124º nos cabe.
Dentro desse universo, outras questões se mostram complexas e de difícil normatização, como é o recente caso dos reajustes em planos de saúde. O governo tenta regular o mercado através de intervenções no domínio econômico, desagradando a gregos e troianos, unicamente pelo hiato de regras éticas e que fogem dos casuísmos e paternalismos a que estamos habituados. Por um lado, as seguradoras de saúde precisam cumprir seus anseios sociais e realizarem seus lucros com o menor custo. De outro, os indivíduos devem pagar um justo preço por um serviço de qualidade, exatamente por ser no campo da saúde suplementar.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, “casuísta e paternalista por excelência”, defendido, entendido e exaltado por todos nós enquanto consumidores e subsumidos ao poderio econômico, quando aplicado na relação médico-paciente tem se mostrado excessivamente rigoroso e provocado a “indústria do dano”, segundo os dados estatísticos do magistrado Miguel Kfouri Neto, na obra Culpa Médica e Ônus da Prova – editora RT, onde afirma que 80% das ações promovidas contra médicos são julgadas improcedentes.
Destarte, questões outras, como tabelas defasadas de honorários médicos, credenciamentos e descredenciamentos de médicos junto aos planos de saúde, melhor distribuição de médicos no interior do país, entre tantas outras, constituem a Caixa de Pandora. E nenhum mal nos tornará inteiramente desgraçados uma vez que a jóia mais preciosa está mantida dentro desta caixa e sobreviveu a curiosidade de Pandora, qual seja a esperança.
O início da constituição de uma Comissão mista dentro da Frente Parlamentar de Saúde, formada por médicos, advogados e parlamentares, se faz necessária para parametrar e definitivamente estabelecer lugar de destaque para o seguimento Saúde através do pretendido Código Nacional de Saúde.
Antônio Ferreira Couto Filho é advogado e presidente da Comissão de Biodireito do Instituto de Advogados Brasileiros.É também autor do livro Instituições de Direito Médico.