por Wilton Luis da Silva Gomes e Flávio Crocce Caetano
A Portaria Intersecretarial nº 01/2005 da Prefeitura Municipal de São Paulo, que parcelou até 2012 o pagamento de dívidas acima de R$ 100 mil, encontra-se eivada de ilegalidades. A polêmica Portaria Intersecretarial da gestão José Serra, publicada no dia 25 de fevereiro último, é passível de questionamento judicial.
Sem sombra de dúvidas, de forma absolutamente arbitrária e sem amparo no direito vigente, a gestão municipal, através de singela Portaria, decretou verdadeira e autêntica moratória aos credores da Prefeitura de São Paulo.
A violação aos princípios estatuídos pela Lei de Responsabilidade Fiscal é patente.
Com base na Lei de Responsabilidade Fiscal, não pode a Prefeitura transformar uma dívida de curto prazo (dívida flutuante) em dívida de longo prazo (dívida consolidada ou fundada), sem que haja convenção formal entre as partes.
Tal procedimento tem sido, constantemente, rechaçado pelos Tribunais de Contas Estaduais, como se pode observar do excerto abaixo:
“A possibilidade de transformação de dívida flutuante, de exigibilidade de curto prazo,(…), em dívida consolidada, de longo prazo, em nosso entendimento encontra-se vedada pela LRF” (Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Informação n.º 047/2001).
Para que este ato fosse permitido, seria necessário que a Prefeitura de São Paulo celebrasse acordos com seus credores — que possuem créditos acima do patamar em questão — sobre o parcelamento da dívida inscrita até 2012.
Este tem sido o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, com destaque para o trecho de voto da lavra do eminente Conselheiro RENATO MARTINS COSTA:
“…não há como transformar em dívida fundada os valores legalmente inscritos naquela conta. Somente em se constituindo uma nova relação obrigacional, bilateral e autorizada por lei, é que a configuração pretendida no Decreto poderia se aperfeiçoar. Ainda assim, deve existir dotação orçamentária. Exemplo disso seria os casos em que a Administração acorda com o credor o parcelamento da dívida inscrita correspondente no exercício em que será cumprida a obrigação de pagar” (Consulta 016367/026/01).
A título de ilustração, é comum a mencionada ocorrência quando há o parcelamento de dívidas previdenciárias perante o Instituto Nacional de Seguridade Social. Como se sabe, nestes casos, este órgão federal — credor — ratifica o parcelamento da dívida Municipal, o que não ocorreu na situação ora analisada.
Ao revés, em nítido descompasso com a orientação vigente nas Cortes de Contas Estaduais, na Portaria ora analisada, a Prefeitura de São Paulo decreta a moratória e, a partir daí, conclama os credores para uma futura negociação (art.3o.), submetendo-os a situação de inegável inferioridade.
Não obstante esta impropriedade, a atual gestão municipal também está vinculada à Lei de Diretrizes Orçamentárias do corrente exercício financeiro a qual dispõe, em seu art. 35 – repetindo a redação do artigo 9.º da LRF – que, diante da impossibilidade financeira de se atingir as metas orçamentárias, deverá a entidade promover a limitação de empenhos e movimentação financeira; ou seja, o ente público deverá reduzir gastos.
Importante mencionar, ainda, que esta limitação não recairá sobre os dispêndios anteriores ao momento de verificação daquela impossibilidade financeira e, sim, sobre os posteriores.
Em linhas gerais, a LDO determina que a Prefeitura de São Paulo não poderia parcelar os débitos anteriores, inclusive de gestão antecessora, mas sim, deixar de contrair novas obrigações, mediante a suspensão de pedidos de recebimento de mercadorias, de prestação de serviços a serem entregues ou prestados no decorrer deste exercício financeiro de 2005, até o reequilíbrio das contas públicas.
Como se isso não bastasse, a malfadada Portaria Intersecretarial ofende expressamente o disposto no art. 5º da Lei de Licitações, o qual determina que os pagamentos dos débitos contratuais devem respeitar a ordem cronológica de apresentação das faturas dos credores da Prefeitura de São Paulo.
Ademais, a Portaria ora em debate, por fim, afronta o Princípio da Legalidade da Administração Pública que, de modo geral, preconiza que nenhum ato administrativo será realizado sem o devido alicerce normativo legal.
Este ato, além de violar inúmeros artigos e princípios financeiros, é completamente desprovido de sustentação jurídica, melhor dizendo, não há nenhuma norma legal que permita o parcelamento de obrigações unilateralmente, sem a concordância expressa do credor.
Ao expedir a mencionada Portaria, a Prefeitura de São Paulo, sem respaldo legal, viola direito líquido e certo dos credores de receber os valores devidos pelos serviços a ela prestados. Assim, o ato ser questionado judicialmente, sem prejuízo de eventuais sanções aplicáveis aos agentes públicos.
Wilton Luis da Silva Gomes é advogado e presidente do Centro de Estudos de Direito Público — CEDP
Flávio Crocce Caetano é advogado, mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e professor de Direito Administrativo da PUC-SP.