Lei do Petróleo assegura titularidade da lavra a concessionários

por Antônio Luís de Miranda Ferreira

A propriedade, pelas empresas concessionárias, do petróleo e do gás natural por elas produzidos nas áreas de concessão, conforme o previsto no artigo 26 da Lei nº 9.478/97, a chamada Lei do Petróleo, não é incompatível com o monopólio da União estabelecido no artigo 177 da Constituição Federal, como, equivocadamente, vêm entendendo alguns.

Não é incompatível hoje, como também não o era no passado, quando a execução do monopólio estatal competia exclusivamente à Petrobrás. E se, porventura, o fosse, a incompatibilidade não decorreria da Lei do Petróleo e já existiria há mais de 50 anos.

Com efeito, o monopólio da União sobre a pesquisa e a lavra de petróleo foi instituído pela Lei 2.004, de 3 de outubro de 1953 e elevado a norma constitucional na Carta de 1967, assim se mantendo na Constituição de 1988.

Nos termos daquela Lei, o monopólio da União seria exercido por meio do extinto Conselho Nacional do Petróleo, como órgão de orientação e fiscalização e através de uma sociedade por ações a ser especialmente constituída, a Petrobrás, como órgão de execução.

A Petrobrás foi constituída em abril de 1954, tendo por objeto social as atividades definidas na Lei 2.004/53, ou sejam, a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte do petróleo proveniente de poço ou de xisto, bem como de seus derivados.

Em face da composição de seu capital, a Petrobrás é uma sociedade de economia mista e, por explorar atividade econômica de produção de bens e serviços, está sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas, na forma do artigo 173 da Constituição Federal, regendo-se pela Lei das Sociedades Anônimas e demais normas legais aplicáveis.

Nessa capacidade, a Petrobrás vem exercendo, plenamente, desde a sua constituição, as atividades constantes do seu objeto social, pesquisando, lavrando, refinando e comercializando petróleo, seus derivados e gás natural.

Seja para refinar ou para comercializar o petróleo que produz, ou para processar e vender o gás natural que extrai, a Petrobrás sempre teve, como qualquer outra empresa petrolífera, a titularidade e a disposição de tais produtos, fato este absolutamente essencial às suas atividades e jamais disputado como ilegal ou inconstitucional. Os lucros gerados com tais atividades foram e continuam sendo distribuídos aos acionistas privados da empresa, cujos papéis gozam de grande prestígio no mercado.

Não pode prosperar, assim, a tese de que a Petrobrás, quando executora exclusiva do monopólio estatal e por ser controlada pela União Federal, detinha, em nome desta, a propriedade do petróleo e do gás natural extraídos. Isto jamais ocorreu ou sequer foi cogitado, pois a Lei 2.004/53, ao determinar a criação de uma sociedade por ações para executar o monopólio, regida pelo direito privado, autorizou-a a comercializar o produto da lavra em nome próprio, conferindo-lhe titularidade e personalidade empresarial para tanto.

Essa situação não se alterou com o advento da Emenda Constitucional nº 9/95, nem com a posterior entrada em vigor da Lei do Petróleo.

A Emenda nº 9 manteve o regime de monopólio, mas introduziu modificações fundamentais na sua execução. Ao dar nova redação ao § 1º do artigo 177, o legislador constitucional cuidou, a um só tempo, de eliminar a proibição para a assinatura dos chamados contratos de risco e de retirar a exclusividade atribuída à Petrobrás pela Lei 2.004/53, permitindo que outras empresas, estatais e privadas, também pudessem realizar as atividades submetidas ao monopólio, mediante a celebração de contratos com a União.

O objetivo da Emenda não foi, assim, como pretendem alguns, o de simplesmente voltar a possibilitar a assinatura de contratos de serviço ou de risco. Para tanto, bastaria a simples revogação do parágrafo ou a sua reestruturação.

A real intenção do legislador foi a de buscar alternativas legais para atender à crescente demanda por petróleo e gás natural no país, incentivando a pesquisa e a lavra de tais produtos. E o fez flexibilizando a execução do monopólio para permitir o concurso de capitais privados e a concorrência de outras empresas com a Petrobrás. Assim, se desejava fomentar a competição em prol do desenvolvimento da indústria e do país, não poderia o legislador ter cogitado, em nenhum momento, de demitir a Petrobrás e suas concorrentes da titularidade do produto das lavras que empreendessem, inviabilizando a sua comercialização e o modelo competitivo vislumbrado.

Se, de alguma forma, quisesse restringir a titularidade, tê-lo-ia declarado expressamente, como o fez em 1988, quando, ao proibir a celebração de contratos de risco, vedou a concessão de qualquer tipo de participação, em espécie ou em valor, na exploração de jazidas de petróleo e gás natural.

A Emenda Constitucional nº 9, ao remover tais restrições e ao introduzir um novo regime jurídico para a execução do monopólio, deu, na verdade, claro comando ao legislador ordinário para dispor sobre as condições de contratação, pela União, de empresas estatais e privadas para a realização das atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural, desautorizando a imposição de qualquer limitação à propriedade e titularidade de tais produtos, após extraídos.

A Lei do Petróleo, que foi exaustivamente discutida e legitimamente aprovada pelo Congresso Nacional, tratou da matéria de forma adequada e em estrita observância ao novo comando constitucional, instituindo um regime contratual de concessão no qual a soberania, a propriedade e o controle das jazidas de petróleo e gás natural pela União Federal, essência do monopólio instituído, permanecem preservadas, ao passo que a titularidade do produto da lavra é assegurada aos concessionários, à Petrobrás inclusive, para viabilizar e promover o desenvolvimento do setor e a concorrência pretendida.

Negar-se essa realidade sob o argumento de que tal titularidade é inconstitucional, por incompatível com o regime de monopólio e de que a propriedade do produto da lavra pelas empresas concessionárias, entre elas a Petrobrás, significa a entrega dos recursos naturais do país à especulação e ao lucro de tais empresas, isso em um segmento em que o risco do negócio é real e pode ser medido em dezenas ou centenas de milhões de dólares, é um atentado à inteligência nacional, um retrocesso à abertura pretendida pelo legislador constitucional e uma afronta ao Congresso Nacional.

Espera-se, portanto, que a pretensa inconstitucionalidade seja repelida o mais rapidamente possível pelo Supremo Tribunal Federal, para se evitar maiores danos à indústria e à credibilidade do país, que já realizou, com pleno sucesso e com substancial atração de investimentos privados, seis rodadas de licitação sob a égide da Lei do Petróleo.

Antônio Luís de Miranda Ferreira é sócio de Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados

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