Por Eduardo Garcia de Lima e Leandro Garcia de Lima
A cena sempre foi comum: decretada a falência de uma empresa, o processo judicial arrastava-se por anos e anos, enquanto o patrimônio da empresa falida se arruinava gradativamente, exposto ao tempo e à falta de conservação; o seu ponto comercial desaparecia; os trabalhadores perdiam seus empregos e não recebiam o pagamento de seus direitos; o Estado não recebia os tributos que lhe eram devidos; e os demais credores também não recebiam seus créditos.
Assim, nesse processo de falência, não perdia só o investidor, (sócio ou acionista da empresa falida), mas também os trabalhadores, o Estado, os demais credores, enfim, toda a sociedade. A falência de uma empresa, portanto, se transformava em um acontecimento trágico para a comunidade. Por isso, os juízes, na interpretação da lei, sempre preferiram evitar a decretação da falência de uma empresa, visando a impedir esse evidente prejuízo social.
Mas evitar a falência de uma empresa, se de um lado atendia aos interesses sociais, de outro privilegiava alguns maus empresários que, impunemente, insistiam em não cumprir pontualmente suas obrigações, aumentando a insegurança dos negócios e, em conseqüência, prejudicando o mercado. Agora, a Lei nº 11.101/05, conhecida como a nova lei de falência, sancionada em fevereiro e com vigência prevista para o mês de junho deste ano, pode significar uma grande oportunidade de modificação desse quadro.
Entre várias alterações previstas na nova lei, a primeira delas, que merece destaque, é a que acaba com a concordata, cujo instituto é substituído pela Recuperação Judicial. E a diferença marcante entre esses dois institutos consiste basicamente no fato de que a concordata era um “favor legal”, uma vez que bastava ao devedor preencher determinados requisitos da lei para que lhe fosse concedida a moratória. Os credores, na concordata, sempre tiveram uma posição de sujeição, posto que praticamente não lhes era permitido se opor à concessão do favor legal, salvo em hipóteses muito remotas, como a comprovação de fraude cometida pelo devedor.
Na Recuperação Judicial, porém, a posição dos credores passa a ser muito mais ativa, pois depende deles a aprovação do Plano de Recuperação Judicial da empresa. Ao devedor caberá demonstrar aos seus credores a possibilidade concreta de sua recuperação econômica, sendo que os credores poderão, em assembléia, alterar ou rejeitar o plano. Em caso de rejeição, será decretada a falência do devedor.
E é na falência que reside, talvez, a maior e a mais importante modificação da lei. A falência, que na prática nunca interessou a ninguém, agora pode se transformar num instrumento de interesse público, com a manutenção de empregos e a efetiva recuperação da empresa. Isso porque a nova lei autoriza a venda quase que imediata dos bens de uma empresa falida. É o que a lei chama de “realização do ativo”.
Vendidos os bens, através de leilão ou de propostas fechadas, o valor pago será depositado em juízo, em favor da massa falida, para pagamento dos credores, segundo a classificação de seus créditos. E o que é mais interessante ainda: na falência, enquanto os débitos permanecerão sob a responsabilidade da massa falida, o comprador dos bens não assumirá qualquer ônus, inclusive de dívidas trabalhistas e tributárias.
Por isso, em que pesem as muitas críticas à nova lei, como os privilégios dos bancos e a limitação dos créditos dos empregados a 150 salários mínimos, a boa nova é que o comprador de bens de uma empresa falida ou em recuperação judicial não assume mais qualquer débito trabalhista ou tributário. Antes, comprar uma empresa em situação falimentar não interessava a ninguém, porque o comprador assumia as dívidas.
Agora, porém, a aquisição de uma empresa num processo falimentar ou num processo de recuperação judicial passa a ser um negócio muito mais seguro, porque o comprador paga um determinado preço sem o risco de assumir qualquer dívida antiga. E a venda da empresa, que antes era feita somente no final do processo de falência, agora será feita no início do processo, sem que ocorra a perda do valor econômico do estabelecimento empresarial.
Em face dessas alterações, a falência poderá ser um instrumento efetivo de recuperação da empresa, entendida como a atividade organizada, incluindo o seu patrimônio, que produz bens ou serviços. Note-se bem: a recuperação, na falência, é da empresa, e não do devedor. A falência poderá representar a oportunidade de afastamento de um empresário incompetente ou infeliz do mercado, que não tenha tido sucesso na recuperação judicial, transferindo seu patrimônio para outro, em tese mais capaz, que fará novos investimentos e que poderá melhor administrar a empresa, mantendo empregos, gerando renda, pagando tributos e produzindo bens ou serviços.
A falência, portanto, continuará sendo trágica para o proprietário da empresa, mas poderá ser benéfica para a sociedade, passando a atender não só aos interesses dos credores, como também ao primordial interesse público.
Revista Consultor Jurídico, 13 de Abril de 2005