José Carlos Teixeira Giorgis *
A mudança de um paradigma legal em determinado ramo jurídico nem sempre reflete ou revoga dispositivo abrigado em outro campo em que o instituto também seja cuidado, gerando-se algumas perplexidades que terminam por ser solvidas no âmbito jurisprudencial.
O casamento emancipa, mas isto não significa que a jovem mulher consorciada, que tenha dezessete anos, possa desde logo oferecer a queixa-crime por adultério contra seu marido quando descubra a infidelidade ainda no curso daquela faixa etária, pois deve aguardar os dezoito anos para manejar a ação penal, de natureza personalíssima (CP, artigo 240, par.2º;CPP, artigo 30).
Uma das controvérsias instigadas pela edição do novo Código Civil foi a redução da maioridade, agora em dezoito anos (Código Civil, artigo 5º), quando correlacionada com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que afirma ser compulsória a liberação do menor infrator internado aos vinte e um anos (ECA, artigo 126, par.5º): tal faz supor que ao chegar àquela idade civil, o infante privado de sua liberdade deva ser logo afastado da instituição onde recolhido.
A questão bateu às portas dos tribunais e mereceu consideração dos comentadores, principalmente daqueles preocupados com eventual ofensa aos direitos humanos, sempre pródigos em descobrir janelas para por na rua os autores de ilícitos penais.
É verdade que a lei menorista fazia coincidir os limites máximos de idade de vinte e um anos com a legislação civil existente, mas o patamar não se debruçava na incapacidade relativa, mas em motivos de prevenção, tanto quanto ao agente como ainda com potenciais infratores.
Assim, o fundamento de se manter o adolescente cumprindo as medidas protetivas, nada tem com sua eventual incapacidade civil, mas a necessidade de recuperá-lo para a reinserção social, assim como desestimular prováveis seguidores daquela senda que se vêm intimidados pelo exemplo do jovem sancionado.
Daí ditar-se que a maioridade civil não gera a extinção do processo de apuração dos atos infracionais ou das medidas socioeducativas aplicadas, uma vez que o paciente responde pelos atos infracionais praticados até que complete vinte e um anos de idade, já que entendimento diverso conduziria à nefasta impunidade, pois restariam desprovidos de sanção os autores de atos infracionais cometidos às vésperas de implementar os dezoito anos (TJRS, Sétima Câmara Cível, HC 70005971767, rel.Des.Luiz Felipe Brasil Santos, julgado em 02.04.03).
Ainda o mesmo se diga quanto aos efeitos da regra civil no Código Penal, pois muitos predicavam que os processos criminais, em andamento ou findos, deveriam ser extintos por perda de objeto da atividade estatal pelo atingimento da idade emprestada do novo Código.
Aqui também não houve a cessação da pretensão punitiva, devendo o Estado continuar em suas ações judiciais para cumprir as penas impostas, ainda em respeito à prevenção geral e especial.
Alguma dúvida paira quanto ao processo penal, pois muitas atividades ali descritas, como a necessidade de curador para menor de vinte e um anos, a dupla titularidade na ação de iniciativa privada ou na ação subordinada à representação, têm como linha de retórica, consoantes os eruditos, a relativa incapacidade da pessoa para os atos de vida civil e também de procedimentos criminais, o que faz induzir que, agora, tais atos devam ser exercidos de forma livre pelo acusado.
Contudo, a extensão não se pode levar ao Estatuto da Criança e do Adolescente, nem aos parâmetros de responsabilidade penal.
*Desembargador, TJ/RS.
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