Inquérito Judicial: Procedimento Contraditório ou Inquisitivo?

Fábio Ramazzini Bechara*

A natureza jurídica do inquérito judicial em matéria de crime falimentar constitui uma das questões de maior relevância no estudo da matéria. Tais discussões são decorrentes da previsão em lei da intimação do falido para oferecer contestação no curso do inquérito judicial. Parte da doutrina sustenta que este dispositivo torna o inquérito judicial um procedimento contraditório. Essa tese é ainda reforçada pela alegação de que todo e qualquer procedimento que se desenvolve perante o juiz é eminentemente contraditório.

Uma segunda corrente defende a inexistência de contraditório no inquérito judicial, na medida em que se trata de procedimento de natureza inquisitiva, que tão-somente se desenvolve perante o juízo universal da falência, e cuja finalidade é a apuração de eventuais crimes falimentares. O inquérito judicial não constitui fase preliminar obrigatória para a propositura da ação penal falimentar, ao contrário, tal como o inquérito policial, mostra-se totalmente dispensável.

O processamento do inquérito judicial perante o juízo universal da falência é uma forma de se concentrar todos os assuntos de interesse da massa falida num único órgão judiciário, inclusive, as eventuais repercussões de ordem criminal, justamente com o propósito de permitir uma melhor e mais ampla identificação da situação do falido, antes e depois da quebra, de modo a individualizar a sua responsabilidade, evitando, até mesmo, eventuais decisões conflitantes e incoerentes entre si.

Esta peculiaridade, todavia, não retira do inquérito judicial a natureza inquisitiva, seja porque não há nenhuma imputação formal ao investigado, seja porque o inquérito judicial não constitui o único meio dos crimes falimentares serem apurados. Além do mais, assim como ocorre no inquérito policial e em outros procedimentos análogos, eventuais vícios não contaminam a ação penal, exceto algumas hipóteses excepcionais, por exemplo, a prova obtida por meio ilícito que serve de base para a ação penal.

Dizer que o inquérito judicial é inquisitivo significa, em outras palavras, afirmar que a aplicação de determinada sanção em outrem ou o reconhecimento puro e simples de uma dada situação não integra o objeto central e imediato do procedimento, ao contrário, sua finalidade se restringe à informação, e, in casu, à apuração de um fato e à coleta de material probatório. O processo, diferentemente do procedimento, repudia a forma inquisitiva, justamente por força da incidência do princípio do devido processo legal, que contempla, dentre outras disposições, a manifestação do contraditório e da ampla defesa. Logo, o inquérito judicial não assume a condição de processo, mas de procedimento somente, ostentando, assim, o caráter inquisitivo e meramente informativo, não se podendo falar em incidência do contraditório e da ampla defesa.

Nesse sentido pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 82.222-SP, relatora Ministra Ellen Gracie, j. em 17.9.2002:

Iniciado o julgamento de habeas corpus em que se alega violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pela circunstância de que o paciente fora intimado para os fins do art. 106 da Lei de Falências em momento posterior ao oferecimento da denúncia por crime falimentar, razão porque perdera a oportunidade de contestar as argüições contidas no inquérito judicial (Decreto-lei 7.661/45, art. 106: ‘Nos 5 (cinco) dias seguintes, poderá o falido contestar as argüições contidas nos autos do inquérito e requerer o que entender conveniente’). A Ministra Ellen Gracie, relatora, proferiu voto no sentido de indeferir o writ, por entender que, sendo o inquérito judicial para a apuração de crime falimentar peça de natureza meramente informativa, eventual falha procedimental, como a falta de intimação do falido para os fins do art. 106, não teria o poder de contaminar a ação penal.

Dessa forma, conclui-se que a intimação do falido para apresentação de contestação no inquérito judicial não torna o procedimento contraditório.

*Promotor de Justiça,
Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus (FDDJ)
e Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal do Complexo Jurídico Damásio de Jesus.

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