A fiscalização da execução da suspensão condicional do processo

(*) Grecianny Carvalho Cordeiro

O sistema processual-penal brasileiro sempre teve como característica marcante o excesso de formalidades procedimentais – aplicadas inclusive para aqueles crimes e contravenções penais de menor repercussão social -, as quais contribuíam para aumentar o número de processos amontados nas prateleiras das secretarias de varas, e juntando-se esse fato à flagrante escassez de operadores do direito, tudo servia para dificultar o bom andamento da Justiça. E como não bastasse, grande parte dos crimes praticados, bem as contravenções penais, ficavam impunes, tendo em vista o fato de que a morosidade do Judiciário conduzia os processos para a prescrição, deixando sempre aquela sensação de descrédito na Justiça por parte da sociedade.

Por outro lado, a política criminal atual chegou a um consenso acerca do problema da execução das penas, concluindo que a prisão não atinge a sua função precípua, qual seja, a de ressocializar o indivíduo condenado, tornando-o novamente apto para reingressar à sociedade.

Foi diante de toda essa problemática que foi editada a Lei 9099/95, a qual, além de visar desobstruir uma Justiça sobrecarregada por infindáveis processos, deu tratamento diferenciado aos crimes considerados de menor potencial ofensivo, prevendo para os mesmos uma instrução criminal informal e desburocratizada.

Os institutos despenalizadores criados pela Lei 9099/95, tais como a composição civil, a representação nos crimes de lesões corporais leves ou culposas, a transação penal e a suspensão condicional do processo, indubitavelmente têm contribuído não só para o desafogamento da Justiça, mas também tem modificado a sua própria feição, uma vez que oferece ao infrator criminal de menor potencial ofensivo, benefícios consideráveis para que o mesmo o mesmo não volte a delinqüir.

A suspensão condicional do processo, prevista na Lei 9099/95, e aplicada aos infratores de delito a cuja pena mínima atribuída ao crime seja igual ou inferior a um ano, mediante o cumprimento de determinadas condições, tem produzido resultados bastante positivos, principalmente nas Comarcas pequenas do interior.

Todavia, levando-se em consideração a diferente realidade das Comarcas maiores e a da Capital, é preciso ressaltar que a suspensão condicional do processo pode vir a tornar-se um instituto despenalizador capaz de levar à impunidade dos criminosos e, conseqüentemente, à desmoralização da Justiça, tornando a Lei 9099/95 mais uma bela lei de letra morta.

Sob nossa ótica, o grande problema do instituto da suspensão condicional do processo está na fiscalização de sua execução. Ora, dos inúmeros processos que tramitam nas Comarcas maiores, principalmente a da Capital, como será fiscalizado o efetivo cumprimento do período de prova a que está sujeito o criminoso? É óbvio que a inexistência de tal fiscalização pode dar ensejo a que o criminoso infrinja várias das condições que lhe foram impostas (proibição de freqüentar determinados lugares, proibição de ausentar-se da Comarca onde reside sem autorização do juiz, etc) e ao final do período de prova, ver-se absolutamente livre.

A longo prazo, verificar-se-á que o indivíduo praticou um crime ou uma contravenção, não cumpriu as condições que lhe foram impostas e, ainda assim, nada lhe aconteceu, todavia, a vítima foi prejudicada, e a Justiça, por sua vez, desmoralizada.

Resta-nos induvidado que a suspensão condicional do processo baseia-se no senso de autodisciplina e responsabilidade do acusado, todavia, isso não nos dá nenhuma garantia absoluta ou sequer relativa, de que o mesmo irá cumprir todas as condições impostas sem a necessidade de qualquer fiscalização.

É diante dessa realidade, verificada nas Comarcas maiores e em especial na Comarca da Capital, que defendemos a criação de um órgão encarregado de fiscalizar o cumprimento das condições impostas ao indivíduo beneficiário da suspensão condicional do processo, ou quem sabe ainda, que nos próprios autos, sejam designadas pessoas idôneas pertencentes à comunidade do acusado, ou mesmo um funcionário especialmente destinado para fiscalizá-lo durante o período de prova.

É evidente que a necessidade da fiscalização a ser exercida por esse órgão ou essas pessoas somente será imprescindível naqueles casos em que as condições impostas não sejam a prestação de serviços à comunidade ou a prestação social alternativa, uma vez que nessas hipóteses, os próprios beneficiários poderão e deverão relatar nos autos acerca do efetivo cumprimento da pena por parte do acusado.

Portanto, deixar que o cumprimento da condições impostas pela suspensão condicional do processo fique tão somente à mercê da autodisciplina e do senso de responsabilidade do acusado, é algo no mínimo temerário, e sem dúvida alguma, capaz de condenar a Lei 9099/95 ao fracasso, sendo este, pois, um risco absolutamente desnecessário de se correr.

(*) A autora é Promotora de Justiça da Comarca de Jaguaretama e Mestranda em Direito Público pela UFC. grecy@for.sol.com.br

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