José Olavo Bueno dos Passos
O assunto é a criminalidade. E não poderia ser outro?
Tenho lido jornais, assistido programas de televisão, ouvido rádio. Tenho, também, meu trabalho profissional, afinal, sou um Promotor de Justiça com atribuições em uma Promotoria Criminal, mais especificamente, com atuação na execução penal e no Tribunal do Júri. O que leio, vejo e ouço me leva a uma única e inarredável conclusão: estamos diante do limiar do caos!
Vê-se o surgimento de teorias, alegações não empíricas de situações eivadas por critérios utópicos, desprovidos de praticidade de lógica fático-racional no tangente ao assunto. Temos até um candidato a cargo eletivo, nas eleições vindouras, 06 de outubro de 2002, falando em construir uma penitenciária no meio da floresta amazônica. Verdadeiro absurdo! O que seria isso, conduta decorrente do desespero? Talvez.
O medo campeia. Há pouco, prolatei palestra em bairro de Pelotas, onde o assunto era a segurança pública. Pessoas de bem, honestas, trabalhadoras, vitimadas por condutas criminosas, pedindo socorro, orientação, ajuda as autoridades públicas, ao Estado organizado, a quem classificam de omisso, ausente, que nada procede no afã de coibir o agir maléfico de quem desrespeita a lei, a liberdade, a vida de seus semelhantes.
Dentro desse prisma, nascem idéias descabidas, afastadas de qualquer critério lógico-racional, moral, religioso, como a legalização da pena de morte, a prisão perpétua, a volta das penas corporais, o desarmamento da população de bem (do bandido não, pois esse não compra armas com registro, nem faz curso preparatório para aprender a atirar, nem está preocupado em obter autorização legal para portá-las), enfim, institutos que, segundo seus defensores, levariam a um efetivo combate da criminalidade, diminuindo-a, reduzindo-a. Grande erro.
A verdade é outra. Coloquemos o assunto em dois campos de atuação.
O primeiro deles, a que classificaremos de vanguarda, neste momento social, tem caráter primordial, impondo-nos a necessidade imediata de uma solução de impacto, um combate frontal, forte, real ao crime organizado e aquele que não o seja, mas é crime. Imperativo que o Estado se organize e parta para agires de cunho repressivo. Não há mais tempo para soluções paliativas.
É preciso que os órgãos policiais se estruturem aparelhados, troquem informações, sejam treinados, aumentem seus efetivos, recebam apoio, para que possam partir para o enfrentamento legal daqueles que estão a lesar os cidadãos, o Estado, descumprir as leis, impindo a ausência de fé ao homem de bem.
Não é possível que se veja tramitar no Congresso Nacional um projeto de Reforma do Código de Processo Penal trazendo mais regalias, além das que já existem, em prol de criminosos, autores de praticas delituosas penais. Incabível aceitar que não se possa decretar a prisão preventiva de quem está a periclitar à ordem pública (o que acontecerá se passar a reforma antes mencionada!). Onde estamos? No paraíso das condutas criminais? Não é isso que a sociedade brasileira está a clamar.
As leis penais precisam sofrer agravamento, lamentável conclusão que os fatos estão a me levar.
Não sou e nunca fui um extremista em convicções de direito penal. Pelo contrário. Entendo que o sistema prisional progressivo é crucial na prática ressocializatória do condenado à pena privativa da liberdade. Tenho que o apoio ao egresso é básica para a cosecução de tal fim. Afinal é o que se quer, ou seja, possibilitar meios para que aquele que errou não mais erre. Que o bem vença o mal, em suma.
Mas isso não é solução imediata e sim mediata. E não há mais tempo para o porvir, o dever ser. A sociedade clama pelo hoje, pelo que é.
Falar-se em reformas sociais, em acesso à saúde, ao trabalho, ao estudo, é belo, é lógico, é o ideal. Isso, no entanto, é a retaguarda , proceder a ser executado em um segundo momento, após uma operação primeira, qual seja, aquela que chamamos de impacto, a quem vem na vanguarda.
O tratamento penal, a ser praticado dentro do sistema prisional, cerca-se de dois procederes básicos: a educação e o trabalho. Os resultados obtidos, sabe-se, são contundentemente positivos. O faz o Estado, atualmente? Não. O que se vê dentro das casas prisionais são trabalhos que podemos classificar de artesanais nesse prisma. Não há um agir organizado, pensado, preparado, seqüencial. Não há uma preparação escalonada do preso para sua volta ao mundo livre. Com isso temos os altos índices de reincidência visualizados nas estatísticas oficiais.
O certo é de que nada adianta o enfrentamento do agir criminoso sem um trabalho recuperatório paralelo, a ser procedido em um segundo plano de atuação. Certo, também, é que isso não é o principal, neste momento social de conturbação, no tangente ao recrudescimento da criminalidade, que estamos a viver.
Lendo o jornal, no momento em que escrevo este artigo, constato que um jovem, no limiar da vida adulta, foi assassinado brutalmente na noite que passou, fato acontecido em área central de Pelotas. Não faz muito que o Tribunal do Júri julgou o padrasto e a mãe de Bruno, uma criança de quatro anos, torturada e morta em verdadeiro ato de selvageria. As práticas de volência física contra crianças e mulheres aumentaram em 30% em nossa cidade. Ocorrem estupros, assaltos, agressões físicas, atentados violentos ao pudor e outros crimes com graves ameaças e violências físicas intensas, em todas as comunidades sociais brasileiras, mas não só lá, também aqui, ao nosso lado, não esqueçamos, pois também estamos expostos a esses procederes maléficos, como nossos filhos e demais entes queridos estão. É hora de falarmos, é hora de exigirmos de quem de direito, das autoridades constituídas, condutas efetivas de coibição da criminalidade, e não de vermos calados mais leis, mais normas, mais benesses a criminosos, organizados ou não, como se está perpetrar com as reformas penais em andamento no Congresso Nacional.
O Brasil soube aterrorizado do assassinato da jovem Tainá. Verdadeiro descalabro do agir humano. Mas fatos como esse dão-se em números, podemos dizer, elevados, aqui mesmo em Pelotas, senão mais graves como o já referido caso do menino Bruno. Posso citar outro, sem pensar muito, o caso da jovem Eloisa, levada a morte por desnutrição pelos próprios pais, que a surravam constantemente, impedindo-na de comer e brincar, obrigando-na a trabalhar, como verdadeira escrava, lavando, passando, cozinhando, dia após dia, hora após hora. Tinha ela apenas nove anos de idade quando morreu.
Eram os pais de Eloisa doentes? Não. Eram, na verdade, maus, bandidos cruéis. Estão presos, cumprindo pena, imposta pela sociedade de Pelotas, pelo Tribunal do Júri, com acerto.
Muitos elogiaram o chamado programa “Tolerância Zero”, baseado na teoria da “Janela dos Vidros Quebrados”, imposto em Nova York, que fez diminuir a criminalidade descer em níveis aceitáveis na grande metrópole americana, sustentando sua aplicabilidade por aqui. Há até cidades brasileiras que contrataram Giuliani como consultor, na área da segurança, a partir de 2003, como informou revista de grande circulação nacional. Ora, até é possível que se aceite o aludido programa, no entanto, sozinho, não surtirá efeitos, pois se houve o efetivo combate ao crime, a diminuição das práticas criminosas, por si só, através da solução de impacto de que falamos anteriormente, sem a complementação necessária daquilo que classificamos de condutas de retaguarda, os índices de criminalidade logo voltarão a subir. Fiquemos com programas adequados a nossa realidade social, não precisamos copiar nada de ninguém, pois o que serve para um pode não servir para outro. Chega de plágios e de soluções teóricas sem base fática, social, real. É hora de agir com acerto e concretude.
Não esquecemos de nossa parcela de culpa pelo momento social que estamos a viver no que se refere a segurança pública. Colhemos o que plantamos! O que podemos fazer? Apenas manifestar nossa indignação, cobrar das autoridades públicas, demonstrar que não aceitamos mais explicações jogadas ao vento e que queremos: um agir efetivo, forte e concreto contra a criminalidade; a produção de uma legislação penal e processual penal forte e real, que se oponha claramente as práticas delitivas; a aplicação de verbas no aparelhamento dos órgãos de segurança e nos órgão periciais; a construção de mais casas prisionais; o implantanção efetiva do tratamento penal aos atentados e apoio aos seus familiares; o concreto apoio ao egresso do sistema prisional; enfim a existência clara de práticas de segurança pública.
Nunca podemos esquecer, no entanto, somos homens de bem e, como homens de bem não praticamos o mal, não realizamos condutas que concebemos ilícitas, delituosas, cumprimos a lei pois a ela estamos subsumidos. A nossa força é a nossa voz, diz o ditado. Podemos alargar esse entendimento, a nossa força é a nossa opinião. Expressemos aquilo que estamos a buscar. Digamos, por exemplo: queremos segurança pública, pois sem ela não há possibilidade se trabalhar, de se estudar, de se ir ao médico, ao posto de saúde, ao hospital, ou seja, sem segurança pública, dever do Estado (em seu conceito amplo, e não apenas como Estado-Membro da União), não há como alcançar-se os outros direitos básicos do cidadão contemplados pela Carta Magna que tanto elogiamos.
José Olavo Bueno dos Passos
Promotor de Justiça – Professor Universitário