A Exploração Direta e Pessoal como Condição Essencial para os Benefícios Estabelecidos no Estatuto da Terra
Dalmiro Teixeira Neto*
A matéria ora enfocada é objeto de poucas e contraditórias manifestações de nossa jurisprudência pátria, mas de grande valia para a prática da exploração rural, especialmente nos contratos agrários de arrendamento e parceria (contratos nominados) do Decreto 59.566/66.
Entendendo que, por força dos dispositivos legais que regulam a exploração agrária como condição para o gozo dos benefícios do Estatuto da Terra, cujos artigos abaixo transcrevemos, somente serão beneficiários aqueles que explorarem de forma direta e pessoal o imóvel, ora entendido que tal condição não é indispensável.
Vejamos os artigos do Estatuto da Terra que regulam a matéria sub judice, consoante o Decreto n. 59.566/66, antes de adentrarmos na questão propriamente dita.
“Art. 38- A exploração da terra, nas formas e tipos regulamentados por este Decreto, somente é considerado como adequada a permitir ao arrendatário e ao parceiro outorgado gozar dos benefícios aqui estabelecidos, quando for realizada de maneira:
II- direta e pessoal, nos termos do art. 8º deste Regulamento, entendido ao conceito do parceiro-outorgado;”
“Art. 8º- para os fins do decreto no art. 13, V, da Lei nº 4.947, de 1966, entende-se por cultivo direto e pessoal, a exploração direta na qual proprietário, arrendatário ou parceiro, e seu conjunto familiar, residindo no imóvel e vivendo em mútua dependência, utilizam assalariados em número que não ultrapassa o número de membros ativos daquele conjunto.
Parágrafo Único- denomina-se cultivador direto e pessoal aquele que exerce atividade de exploração na forma deste artigo”.
E na Lei nº 4947/66, deparamo-nos com o seguinte dispositivo:
“Art. 13- Os contratos agrários regulam-se pelos princípios gerais que regem os contratos de direito comum, no que concerne ao acordo de vontade e ao objeto, observados os seguintes preceitos de Direito Agrário: (…)
V- proteção social e econômica aos arrendatários cultivadores diretos e pessoais”.
Conforme os dispositivos supra-citados, fica claro que o Estatuto da Terra tenta alocar que somente o cultivador direto e pessoal tem direito a ser inserido nos benefícios que estas leis dão. Esta idéia surgiu para defender os produtores hipossuficientes, tentando igualar os desiguais. Também nos parece que este instituto foi inserido para estimular a fixação do homem na terra, sua função é social, visam desestimular o êxodo rural.
Pouco se acha na doutrina sobre este assunto, o maior apoio é da jurisprudência que é dividida, sendo que a maioria indica que este artigo não é aplicado.
Alencar Mello Proença, professor de Direito Agrário e atual Reitor da Universidade Católica de Pelotas, estudioso e profundo conhecedor da matéria, leciona que a maioria dos Tribunais ignora o art. 38 mas, sempre que este é trazido à tona no processo por uma das partes, ele é aplicado.
No Conesul, o Brasil foi o único país que se referiu na legislação à figura do cultivador direto e pessoal, como condição essencial para valer-se dos benefícios e vantagens estabelecidos no Estatuto da Terra.
Na Itália, concede-se ao “cultivatore diretto”, alguns benefícios, entre eles o da renovação tácita dos contratos de arrendamento (Lei 203, de1992).
Os que defendem a aplicação do art. 38 da referida lei, acreditam que este visa, teleologicamente, proteger os que vivem da terra e nela “trabalham”. Segundo estes, eles são pressionados pelo poderio econômico e necessitam do auxílio do Estado.
Na Apelação Cível nº 30553, Belo Horizonte, que tinha como relator o Juiz Cunha Campos, que cita Humberto Theodoro Júnior afirma: “Não basta investir capital na exploração da terra. Para gozar dos excepcionais favores do “Estatuto”, indispensável é que o parceiro seja, na efetiva expressão da palavra, um lavrador…”. E, ainda: “Sem se identificar com a gleba, nela residindo, a relação jurídica escapa ao alcance da legislação especial, ficando o parceiro sujeito às regras ordinárias do Código Civil ( art. 92, parágrafo 9º, da Lei 4504)”.(Revista Brasileira de Direito Processual, Volume 2, p. 156 e ss.).
Alencar Mello Proença, argumenta que a figura do cultivador direto e pessoal deve ser adotada pelos legisladores dos outros países do Mercosul, visando limitar os benefícios da lei, “sobretudo aqueles que visam proteger a chamada parte econômica débil” (*).
Conclui o professor que: “Em tal conceito, deveriam estar presentes alguns elementos fundamentais, pelo menos: exploração com trabalho próprio e da família, em uma força de trabalho que constitua, pelo menos, um terço (ou cinqüenta por cento) da necessidade normal da atividade; em cumprimento das normas de preservação ambiental e das normas relativas aos contratos de trabalho” (**).
Porém, não nos parece coerente que estes dispositivos sejam aplicados pelo Judiciário, porque a realidade das relações rurais hoje são diferentes de quando o legislador fez a Lei (1966). Atualmente, é muito difícil produzir com recursos próprios, a atividade rural já não é “atraente” economicamente como o era em 1966. Por isso, entendemos que é válido para o setor primário que as pessoas tenham outra atividade e com esses recursos invistam no campo, sendo da mesma forma protegidos. Por um lado, se estes não exploram com sua família, não moram no campo, outras famílias terão que produzir para estas (gerando empregos); e, conseqüentemente, bom para o setor primário, bom para o empregado rural. Seguindo este raciocínio, bem coloca o ilustre Desembargador Henrique Dorfmund no Recurso Extraordinário nº76.177, (f.123-4):
“…Para merecer proteção do Estatuto da Terra e respectivo Regulamento, não é necessário que o arrendatário cultive a área arrendada direta e pessoalmente. Este Estatuto não se confunde com o do Trabalhador Rural. Aqui neste último, a preocupação de assistir e proteger o homem do campo. Lá, no Estatuto da Terra, a preocupação maior é proteger aqueles que, no seu trabalho, direto ou indireto, tornam a terra produtiva e dela extraem riqueza. Aliás, digno de louvores é capitalista que, ao invés de dedicar-se ao jogo de Bolsa ou à agiotagem clandestina ou oficializada, mobiliza homens e recursos para desenvolver a mais urgente e necessária atividade, que é a ligada à exploração da terra…”
Também deve ser levado em consideração que quanto mais acessível for a legislação e seu entendimento, mais ciência terão as partes do que contratam.
A “confusão” gerada em função destes artigos cria uma grande instabilidade nos Contratos Agrários, pois se existem várias posições do Judiciário, não é possível as partes contratarem com clareza e estabilidade.
Já que existem discussões para os que foram mencionados serem modernizados, acredito que deveriam ser revogados, criando, assim, uma relação estável e definida nos Contratos Agrários, padronizando, desse modo, a construção jurisprudencial. Só assim, o produtor rural (direto ou indireto, pessoal ou não) terá mais segurança para produzir e investir no setor primário, tão sacrificado na atualidade, como é de conhecimento da sociedade.
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(*) In: “Direito Agrário no Mercosul”, p. 225.
(**) Idem, Ibidem.
*Advogado e Especialista em Gestão de Reforma Agrária e Assentamento pela UFLA-MG.