Gilberto Marques Bruno
(I) Considerações Preliminares:
(PRIMEIRA PARTE)
Etimologicamente, a palavra Internet significa rede internacional de computadores, que por meio de diferentes tecnologias de comunicação e informática, permite a realização de atividades, tais como: correio eletrônico, grupos de discussão, computação de longa distância, transferência de arquivos e programas, lazer, compras, pesquisas e estudos, etc, sendo certo, que tais atividades são realizadas por meio dos provedores de acesso.
De outra parte, o world wide web, tem na base da sua constituição, a veiculação de uma elevada gama de informações e dados, através das chamadas homepages (páginas pessoais), websites e/ou portais, cujas construções e via de conseqüência disponibilizações estão intimamente ligadas aos fins colimados pelos seus autores.
O que vale dizer, as páginas pessoais, os websites e os portais, são elaborados de conformidade com os objetivos que norteiam os seus idealizadores, vinculando-se única e exclusivamente ao público-alvo que se pretende atingir. Assim, navegando pela rede mundial, o internauta encontra toda a sorte de informações sobre qualquer assunto, genérico ou específico, com facilidade e rapidez.
Porém, na medida em que as páginas pessoais, os websites e os portais são construídos, os elementos que os integram, são compostos de fotografias, desenhos, animações, textos informativos, pesquisas, trabalhos científicos e outros, que como já mencionado, traduzem a expressão direta dos objetivos dos seus autores.
Estas marcas distintivas, que tomam o caráter personalíssimo dos seus criadores, são conhecidas como os famosos endereços eletrônicos .
Assim, pode-se dizer que o endereço eletrônico é a maneira pela qual um site, seja este comercial ou não, se apresenta para fins de localização dentro da rede mundial de computadores. É através dele que o internauta consegue acessar os mais diferentes sites, portais e/ou homepages. Em outras palavras, ele tem a função precípua de materializar a conexão entre o usuário da Internet e o servidor responsável pelo alojamento do site.
A forma do endereço eletrônico, ou o nome pelo qual se apresenta na Internet deve observar os padrões estabelecidos pelo protocolo denominado DNS (domain name system), também conhecido por domínio, sendo tais requisitos estipulados, no Brasil, pelo Comitê Gestor Internet do Brasil. O artigo 2º do Anexo II à Resolução nº 001/98 estabelece:
…Art. 2º: O nome escolhido para registro deve ter:
I – comprimento mínimo de 2 caracteres e máximo de 26 caracteres;
II – uma combinação de letras e números, não podendo ser exclusivamente numérico. Como letras entende-se exclusivamente o conjunto de caracteres de a a z. O único caracter especial permitido além de letras e números é o hífen (-);
III – o nome escolhido pelo requerente para registro, sob determinado DPN, deve estar disponível para registro neste DPN, o que subentende que:
a) não tenha sido registrado ainda por nenhum requerente anterior neste DPN. Para esse critério é importante notar que o hífen não é considerado parte distintiva do nome…
b) não pode tipificar nome não registrável. Entende-se por nome não registrável, entre outros, palavras de baixo calão, os que pertençam a nomes reservados mantidos pelo CG e pela FAPESP com essa condição, por representarem conceitos predefinidos na rede Internet, os que possam induzir terceiros a erro, etc. …
Estes são os requisitos fundamentais para o registro do núcleo do endereço, ou seja, da palavra após o prefixo w.w.w.”. É certo que, além desse registro, é indispensável o registro do domínio de primeiro nível, conhecido por DPN, responsável por fazer referência à categoria em que está inserido o titular do domínio, ou seja, relaciona o núcleo do domínio à atividade exercida pelo seu titular. Tal procedimento de registro está consignado no Anexo II, parágrafo único, do artigo 2.º, da Resolução nº 001/98.
Além do registro do núcleo e do domínio de primeiro nível, todos os endereços registrados no Brasil possuem o sufixo .br”, pois este foi o reservado pela Internet Network Information Center, para nosso país.
A Internet Network Information Center foi criada em 1993 pela Fundação Nacional de Ciência Norte-Americana, tendo por objetivo principal o desenvolvimento tecnológico da Internet, não só no âmbito daquele país, mas mundialmente, apresentando-se, pois, como a entidade competente e responsável, para estabelecer e implementar os princípios gerais do registro de domínios.
No Brasil, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por força do artigo 1º e seguintes da Resolução nº 002/98, do Comitê Gestor, é a entidade responsável pela realização das atividades de registro de nomes de domínios, distribuição de endereços IPs e sua manutenção na rede eletrônica.
Antes de traçarmos algumas considerações quanto aos domínios de primeiro nível, que via de regra são utilizados para a identificação eletrônica, das homepages, websites e dos portais na grande rede, nos parece de fundamental importância, estabelecer os pontos distintivos entre o domínio, a marca e o nome empresarial, conforme abaixo se demonstrará:
(II) Distinções entre: DOMÍNIO X MARCA X NOME EMPRESARIAL:
Tenho que esses pontos são de fundamental importância no contexto da definição daquilo que deverá ser objeto de registro no âmbito do w.w.w., e mais, entendo que antes da adoção de tais posturas, necessário se faz, uma análise minuciosa da existência ou não de relação entre os institutos do direito comercial, conhecidos como domínio, marca e nome comercial.
Adentrando na seara dos institutos do Direito Mercantil, cumpre lembrar de algumas das definições acadêmicas extraídas dos ensinamentos do Prof.º Fábio Ulhoa Coelho, que em sua obra Manual de Direito Comercial, assim ensina:
a) estabelecimento comercial é o complexo de bens reunidos pelo comerciante para o desenvolvimento de sua atividade comercial; é composto por bens corpóreos – como as mercadorias, instalações, equipamentos, utensílios, veículos, etc. – e por bens incorpóreos – marcas, patentes, direitos, ponto comercial, etc.
b) marca é o designativo que identifica produtos e serviços. Não se confunde com outros designativos presentes na empresa, como o nome empresarial, que identifica o empresário ou o título de estabelecimento, que refere-se ao local do exercício da atividade econômica.
c) nome empresarial é aquele com que o comerciante se apresenta no comércio; o nome empresarial identifica o sujeito que exerce o comércio.
Assim, diante destes conceitos, entendo que o endereço eletrônico ou domínio, da mesma forma que a marca, é parte integrante do estabelecimento comercial, enquadrando-se perfeitamente na categoria de bens incorpóreos que o compõem.
Entretanto, existem diferenças jurídicas entre uma e outro. Enquanto à marca é aplicada a Lei nº 9279/96, responsável por regular os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial (LPI), ao domínio são aplicadas, principalmente, as Resoluções nº 01 e 02, de 15 de abril de 1998, do Comitê Gestor Internet Brasil.
A questão que gera mais dúvidas reside no espectro de abrangência do domínio ou endereço eletrônico, uma vez que aquele, nos possibilita o acesso às informações alojadas em um servidor, as quais, poderão estar intimamente ligadas a marca de um determinado produto ou mesmo ao título de um determinado estabelecimento de natureza mercantil. Em outras palavras, o núcleo do domínio poderá ser tanto quanto a marca, ou quanto ao título de um estabelecimento do comércio, o que será variável é a natureza e o objetivo da informação que se encontrar armazenada no servidor.
Pelo que, entendo que o domínio não é considerado o principal responsável, pela distinção do produto ou do serviço. Contudo, pelo fato de desempenhar função identificadora dentro da Internet, seu núcleo, sim, poderá estar relacionado à marca de um produto ou serviço, dependendo da natureza da informação alojada no site, e, assim, deverá obedecer aos preceitos da lei que regula os direitos e obrigações relativas à propriedade industrial, sob pena de ser praticado o crime de concorrência desleal.
Nesse esteio, quer me parecer então, que a natureza jurídica do endereço eletrônico se aproxima muito da natureza do nome empresarial, aquele com o qual o comerciante se apresenta no comércio. Daí entender que como definição, o endereço eletrônico é o meio pelo qual a clientela se relaciona com o estabelecimento, e também a maneira pela qual o estabelecimento é visto no ciberespaço. Pelo que, tenho que sua proteção, igualmente a do nome comercial, é de fundamental importância.
Portanto, pelo fato de o domínio estar intimamente ligado ao nome empresarial e ao título de estabelecimento comercial, seja este virtual ou não, aquele indivíduo que astuciosamente registra endereço eletrônico para confundir usuário ou consumidor, registrando como núcleo marca ou título de estabelecimento alheio, objetivando lesionar ou obter vantagens pecuniárias das empresas titulares das respectivas marcas e títulos, estará praticando o crime de concorrência desleal definido pelos artigos 195 e 209 da Lei de Propriedade Industrial (LPI), dizem os dispositivos legais:
…Art. 195: Comete crime de concorrência desleal quem: (…)
III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; (…)
V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; (…)
Pena – detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa
Art. 209: Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei tendentes a prejudicar a reputação ou negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviços, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.”…
E mais uma vez, tenho que é de bom tom, lembrar dos ensinamentos do Professor Fábio Ulhoa Coelho: a adoção de núcleo de endereço eletrônico que possa induzir o internauta em erro quanto à identidade do empresário titular do estabelecimento virtual configura o crime de concorrência desleal (LPI, art. 209). O prejudicado tem direito, além da indenização por perdas e danos, à prestação jurisdicional cautelar que autorize medidas registrárias e técnicas capazes de obstar a prática desleal”.
Além dos dispositivos legais referentes à concorrência desleal, cabe ressaltar que, se o usuário/consumidor, vier a sofrer efetivamente um dano, que lhe acarrete prejuízos, poderá socorrer-se das disposições de proteção previstas pelo Código de Defesa do Consumidor.
A regra contida no artigo 2º, alínea b, do Anexo I da Resolução nº 01/98 do CG, tem o objetivo justamente de impedir a pirataria cibernética, coibindo a má utilização de nomes ou marcas famosas dentro da rede, bem como a sua comercialização ilegal com o intuito de obtenção de lucro fácil, através da venda ou aluguel dos nomes de domínio, por preços altíssimos feitas para as próprias titulares dos nomes ou marcas envolvidos, que pretendem preservar sua boa reputação no mercado.
Em suma, nem os especuladores nem os aproveitadores de domínios da Internet possuem fundamentos que balizem sua pretensão de enriquecer ilicitamente sob o álibi da inexistência de normas relacionadas ao registro de domínios da Internet. Deve o endereço eletrônico pertencer ao respectivo detentor da marca, nome empresarial e título do estabelecimento comercial. Aliás, é de se frisar que o Poder Judiciário em nosso País tem adotado esta tendência como referencial em seus julgados.
(III) Conclusões:
Com base nas assertivas acima descritas, tenho como de fundamental importância que o endereço eletrônico, deve ser objeto de registro nos termos consubstanciados na Resolução n.º 01/98 do Comitê Gestor Internet Brasil, de sorte que o aludido registro, venha a se incorporar ao estabelecimento virtual”, adquirindo o mesmo valor da marca, do nome e do título do estabelecimento, evitando assim, que sejam propagadas condutas carentes de legalidade, emanadas dos ciber-piratas que visam apenas e tão somente, torná-los verdadeiros reféns da sua própria designação de atividade.
Convém salientar que o presente estudo não termina por aqui, dada a sua complexidade. Na seqüência, ainda tenho como de bom alvitre, traçar algumas considerações quanto os domínios de primeiro nível e a legislação brasileira, bem como o entendimento que vem sendo esposado pelos nossos tribunais, o que será objeto da segunda parte dos Aspectos Jurídicos sobre a Necessidade de Registro do Nome de Domínio no âmbito do World Wide Web (w.w.w).
Gilberto Marques Bruno é Advogado Tributarista e especialista em Direito Empresarial, Direito Público e Direito sobre Internet. Advogado sócio de MARQUES BRUNO Advogados Associados em São Paulo, ele foi Diretor da Quarta Turma do TRF- 3ª Região (SP). Pós-Graduado em Direito Empresarial e Direito Tributário pelo Centro de Estudos e Extensão Universitária das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU); Membro Efetivo da Comissão de Defesa do Consumidor da Secção de SP da OAB e Coordenador da Subcomissão de Serviços Públicos; Membro Colaborador da Comissão Especial de Informática Jurídica da Secção de SP da OAB; Membro da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico; Membro do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário; Membro do Instituto Jurídico da Associação Comercial de SP; Membro da Associação dos Advogados de SP; Professor do Curso de Pós-Graduação em E-Business do Instituto Brasileiro de Pesquisa em Informática da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É conferencista do Institute International Research do Brasil (IIR), possui inúmeros ensaios de direito tributário e direito sobre internet publicados em revistas especializadas nacionais e internacionais, websites especializados em direito tributário e direito sobre internet, tecnologia e segurança de informações nacionais e estrangeiros. Colabora com a Revista Electrónica de Derecho Informático – R.E.D.I. (América Latina e Espanha) gmbruno@aasp.org.br