O assédio moral na administração pública

Allaymer Ronaldo Bonesso

O assédio moral na administração pública

1- Conceito
2 – Caracterização
3 – A violência moral
4 – Hierarquia
5 – Danos materiais e morais

1 – Conceito

O assédio moral deve ser debatido dentro e fora da administração pública, pois é uma prática comum que produz enormes prejuízos tanto aos funcionários, que sofrem com o ato, quanto aos cofres públicos, que são obrigados a arcar com despesas inúteis.

Mas o que é o assédio moral? Quem pratica o assédio moral? Qual é a forma mais usual de assédio moral?

O assédio moral ou violência moral no exercício de uma função é fenômeno antigo que afeta diretamente toda estrutura de uma administração pública, em qualquer nível, federal, estadual, distrital ou municipal. Não importa o tamanho da administração pequena, média ou grande, a violência praticada contra o funcionário é conhecida mundialmente como assédio moral.

Assédio moral na Administração Pública é a prática em expor funcionários em situações humilhantes e constrangedoras, repetindo e prolongando as humilhações durante a jornada de trabalho e no exercício das funções que exerce.

O assédio moral mais comum ocorre nas relações hierárquicas onde predominam a conduta negativa e sem ética de um chefe dirigida a um ou mais subordinados.

O ato ou os atos praticados contra o funcionário desestabiliza a relação deste com o ambiente de trabalho e da própria organização. Muitos chegam a desistir do emprego, buscando alternativas de sobrevivência e longe do ex-chefe que o humilhou.

Os administradores públicos devem atentar-se para fatores que envolvem a Administração Pública direta e indireta, quanto ao assédio moral perpetrados contra funcionários por superiores hierárquicos. Superiores concursados ou não.

2 – Caracterização

A caracterização do assédio moral surge no desgaste das condições do ambiente do trabalho onde prevalecem as atitudes negativas e condutas degradantes dos chefes em relação aos subordinados. Tais atitudes acarretam prejuízos emocionais ao funcionário humilhado e que se traduz certamente em prejuízos materiais para a administração pública.

Quem lê estas linhas conhece alguém que foi humilhado no emprego que conquistou através de um concurso público ou mesmo foi contratado por tempo determinado em alguma administração.

E o que é humilhação?

Humilhar é rebaixar, oprimir, abater; é referir-se com menosprezo, tratar desdenhosamente, com soberba (Dicionário Aurélio Eletrônico); ou em conceitos mais abrangente: é um sentimento de ser ofendido, menosprezado, rebaixado, inferiorizado ou ultrajado por outro. É aquele o sentimento de que a pessoa pensa não ser ninguém, sem qualquer valor, traído, envergonhado, pois a humilhação causa dor, tristeza e sofrimento.

A humilhação repetitiva e de longa duração perpetrada contra um funcionário interfere em sua vida e compromete profundamente a sua dignidade. Em estudo recente comprovou-se que a humilhação constante a um funcionário compromete a sua saúde mental e física produzindo a evolução de incapacidade laborativa.

3 – A violência moral

O assédio moral pode ser praticado tanto por gestos, condutas abusivas, humilhações constantes, inferiorização, menosprezo ou desprezo, difamação, risos, piadas diretamente dirigida ao funcionário que pode possuir algum defeito, ignorar a presença, sugestão para que peça demissão, enfim, todo tipo de constrangimento que possa passar o funcionário.

Outro modo de assédio moral praticado por alguns dentro das administrações públicas, é a forma de exoneração de um funcionário estável. Demite-se sem o devido processo legal, somente a título de humilhá-lo perante os colegas de trabalho. Após longa discussão em um Mandado de Segurança o funcionário retorna pela ilegalidade no ato administrativo cometido da exoneração.

Tais atos reiterados devem ser coibidos pelo Judiciário com pesadas indenizações por danos morais e materiais contra administrações públicas, para que a prática de humilhações e conseqüentemente do assédio moral sejam fatos isolados e não fatos corriqueiros, como hoje.

Quer saber quem pratica assédio moral na administração pública de sua cidade? Basta procurar aqueles que humilham funcionários.

Evidente que o presente artigo não esgota o assunto, pois necessário debater ainda a indenização por assédio moral praticado dentro da Administração Pública e a forma de proibição pelo princípio da legalidade.

4 – Hierarquia

Deve-se propor um debate construtivo sobre o que mais afeta a violência moral dentro do funcionalismo público, pois necessário discorrer brevemente sobre o poder emanado da hierarquia funcional.

Hierarquia “é princípio da administração pública que distribui as funções dos seus órgãos, ordenando e revendo a atuação de seus agentes e ainda estabelece a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal” (Direito Administrativo Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, pág. 127, ed. 2003).

Portanto o funcionário subordinado somente tem tal condição em relação ao princípio orientador da hierarquia entre os órgãos e funções, não porque é agente de menor ou maior capacidade do que o funcionário numa função acima da sua. A distribuição dessa hierarquia é questão de organização da Administração Pública e também modo de operação dos atos, não divisão de castas de pessoas ou funções. Em administração pública o funcionário dos serviços gerais tem a mesma importância que um chefe de gabinete e, dentro de sua categoria, é igual hierarquicamente com outros. Suas funções são diferenciadas apenas por questão de organização, mas a importância é a mesma dentro do quadro do funcionalismo.

Desse modo um chefe de gabinete que comete assédio moral contra um funcionário de serviços gerais, por exemplo, deve responder pelo ato que praticar. Evidente que a responsabilidade será sempre da administração pública, pois responde por lesões morais a administração pública que não coibir atos de assédio moral contra qualquer um de seus agentes, no entanto, o agente responderá frente a Administração Pública em ação regressiva.

Não se pode admitir um funcionário de grau hierárquico maior prejudicar toda uma Administração, todo um bem elaborado sistema de controle do trabalho, por simplesmente querer humilhar subordinados.

Desse modo a hierarquia não significa superioridade de cargo ou pessoal, mas sim de função dentro da organização estatal.

5 – Punição

Como impedir os atos? Não vejo como impedir um agente público de praticar o assédio moral sem que haja uma severa punição funcional, com abertura de inquérito administrativo e processo administração com a conseqüente exoneração (ou simplesmente exoneração em caso de cargo em comissão).

A educação e o respeito ao cidadão devem ser os primeiros passos do funcionário público, inclusive obedecendo aos princípios insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal que são: princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Sendo que este último, o da eficiência, encampa o princípio do bom atendimento ao público, da educação ao lidar com o cidadão. Somos carentes na administração pública de um bom atendimento.

As administrações públicas devem providenciar o mais rápido possível, já para as próximas gestões, leis que coíbam o assédio moral, reduzindo o máximo possível qualquer prática que possa produzir prejuízos ao funcionário e também aos cofres públicos.

Com estas poucas linhas espero ter contribuído de alguma maneira para alertar sobre fatos ocorridos no setor público, pois não estão sendo encaradas pelas autoridades com a seriedade que deve ser, pois são atos que levam ao desespero famílias e famílias por ato abusivo cometido por superior hierárquico, que sabe da demora da justiça e da impunidade funcional. Assim ele transforma a vida dos funcionários um caos psicológico e traumas para toda vida, amparado pela inércia e desprezo das autoridades superiores a ele e do próprio judiciário.

Deve-se debater ainda a forma de indenizar as vítimas do assédio moral dentro da Administração Pública, pois no setor privado existem inúmeros entendimentos a respeito do assunto.

6 – Danos materiais e morais

O Assédio Moral, como já demonstrado, é prejudicial tanto para a saúde física e mental do funcionário público, como economicamente aos cofres públicos. O funcionário que sofre com atos do superior hierárquico pode ter crises de auto-estima gravíssimas. Com a gravidade ocasionada pelos atos praticados por funcionário contra outro, os prejuízos são irreversíveis se não reparado judicialmente. Prejuízos financeiro e moral.

A indenização material é fácil comprovar, pois pode ser aferida com simples cálculos matemáticos. A perda financeira pelo afastamento do funcionário de suas funções ou qualquer perda material, pode ser facilmente calculada para fins de indenização material.

Já o dano moral depende sempre do entendimento subjetivo do Magistrado que possui a questão em suas mãos. No entanto não poderá o Magistrado, ao seu livre pensamento, arbitrar quantia irrisória com a finalidade de reparar a dor moral, ou o sofrimento imposto pelos atos praticados. No caso deve pois medir, como se ele mesmo sofresse a dor moral, o valor de uma possível composição moral.

Chamo composição moral um valor voltado para o restabelecimento da dor moral, dor íntima valorizada pela moral do homem mediano, ou seja, sentimentos de humilhação, dor de sentir-se diferenciado dos colegas de trabalho, dor das muitas vezes que não se considerou humano pela influência negativa do superior que o rebaixa perante toda a sociedade.

É a dor que deve tentar ser medida em cada caso concreto e a cada um dos ofendidos. O Magistrado deve sentir o quanto foi nefasto, e se efetivamente foi nefasto, o ato praticado contra o funcionário através da oitiva das partes e de testemunhas, estabelecendo assim, como exercício mental com a sua experiência pessoal e com bom senso, um valor para a dor moral.

Pois bem, no direito privado é avançado o entendimento da indenização por danos morais àqueles que sofrem assédio moral no trabalho.

Pode-se citar, para melhor esclarecer, decisão recente do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, onde reconhece a violação à dignidade da pessoa humana pelo ato de assédio moral e conclui pelo cabimento da indenização por dano moral. Assim transcrevo partes da decisão para melhor orientar:

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima….(TRT – 17ª Região – RO 1315.2000.00.17.00.1 – Ac. 2276/2001 – Rel. Juíza Sônia das Dores Dionízio – 20/08/02, na Revista LTr 66-10/1237).

Como ainda não existe meios de aferição na composição dos danos morais o Magistrado, nos processos movidos contra a Administração Pública, visando compor o dano, deve aferir o valor da indenização pelos seguintes cálculos: o valor dos vencimentos (salários) do funcionário multiplicados por 12 e em seguida multiplicado pelo tempo de trabalho despendido para a administração pública. A fórmula seria assim considerada: V. X 12 X T.S. = resultado (vencimentos multiplicados por 12 cujo resultado será multiplicado pelo tempo de serviço que será igual o valor da recomposição moral).

A fórmula acima é a seguinte: vencimentos do funcionário público “é espécie de remuneração e corresponde à soma do vencimento e das vantagens pecuniárias, constituindo a retribuição pecuniária devida ao servidor pelo exercício do cargo público” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, pág. 453, ed. 2003); o valor dos vencimentos multiplicado pelo número de meses do ano trabalhado resolve o tormentoso problema para se chegar a um determinado múltiplo e o tempo de serviço despendido para a administração, sem que tenha havido faltas, demonstra a capacidade do funcionário em adaptar-se ao serviço público e à prestação de serviços para a coletividade. Portanto justo é multiplicação dos vencimentos pelo número de meses do ano e conseqüentemente pelo período de tempo trabalhado.

Não é uma fórmula absoluta ou mesmo inflexível, mas um parâmetro para se chegar a um valor imediato. Cada caso deve ser analisado de forma ampla e deve fazer valer os direitos feridos de uma forma que aplaque o sofrimento moral imposto por ato de superior hierárquico.

Da forma acima exposta os danos materiais, fáceis de ser apurados, serão calculados conforme as provas apresentadas nos autos por simples cálculo matemático e, por outro lado, evidenciado pelo bom senso e pela justa aplicação da lei, a composição por danos morais que deve ter como parâmetro aproximadamente o que acima foi exposto. É assim que penso.

Allaymer Ronaldo Bonesso é advogado em Andirá e Professor da Faculdade de Direito do Norte Pioneiro de Jacarezinho – Estado do Paraná.

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