Marcelo Rocha
Ainda sob os fogos da festejada Lei do Pregão, de número 10.520/2002, que institui o Pregão no âmbito da Administração Pública brasileira, vale questionar seus reais benefícios para a sociedade brasileira, a partir de um caso real.
Em fevereiro deste ano, um de nossos ministérios promoveu Pregão, no valor estimado de R$ 10 milhões, com o fim de selecionar empresa para a prestação de serviços de organização de eventos.
A seleção do fornecedor que atenderia a tal fim deu-se em razão da menor taxa da administração proposta, a ser aplicada aos serviços de seus subcontratados, utilizados na prestação dos serviços aprovados pelo Ministério, após a avaliação de três orçamentos dos subcontratados indicados pelo contratado.
Com inicial surpresa, as pregoantes constataram que o edital do citado Pregão admitia taxas de administração negativas, e o questionaram, sem êxito. Com posterior assombro, verificaram que a ganhadora do certame, após a fase de oferta de lances, inerente ao Pregão, assinou um contrato com a Administração, no qual se comprometia a receber uma taxa de administração não apenas negativa, mas negativa em 15,5%.
Respondendo a recurso administrativo das pregoantes, a Comissão de Licitação alegou que a licitante vencedora possuía área própria para a realização dos eventos em Brasília, podendo, em razão disso, praticar taxa negativa. Tal alegação pareceu bastante exótica para as pregoantes, pois apenas dois, dos doze eventos previstos, seriam realizados em Brasília. Além disso, todos os demais serviços necessários à realização dos eventos seriam inevitavelmente subcontratados pela licitante vencedora, como é comum ao mercado de organização de eventos.
Uma proposta dessa natureza, com remuneração através de taxa de administração negativa, infelizmente enseja hipóteses inequivocamente lesivas à Administração, merecendo pronta correção, quais sejam:
1. Eventual conluio entre a contratada e seus subcontratados para superfaturar serviços e ser remunerada por meio de tal superfaturamento;
2. Possível sonegação;
3. Grande probabilidade de inexecução das obrigações previstas no edital.
A partir do exemplo apresentado, resta claro que o Pregão, já adotado no âmbito da Administração Pública Federal por meio de medida provisória, tem se mostrado uma forma de contratação pública, vez que não se trata de uma modalidade, aparentemente eficaz no que tange à celeridade e à economicidade. De outra parte, porém, ao inverter as fases da contratação, classificando as ofertas por lances para só então habilitar o vencedor do Pregão, claramente acaba por propiciar decisões de compra exclusivamente com base no menor preço, contaminando a fase da habilitação em razão da vantajosidade de uma oferta já conhecida e colocando em risco a qualidade do fornecimento. Além disso, a Lei promulgada claramente restringe, e muito, o direito de recurso dos pregoantes, ao prevê-lo apenas ao final do Pregão, após o anúncio do ganhador. Ora, parece lógico supor que tais recursos serão rechaçados, como no caso exposto, restando ao interessado buscar, no judiciário, a tutela a seu direito. Os defensores do Pregão alegam que há um indústria de liminares nas licitações, tornando morosas as contratações públicas. Esquecem-se, entretanto, de mencionar a indústria de ilegalidades que as motiva e que, ainda bem, encontra a oposição do judiciário, como é natural ao Estado de Direito.
Marcelo Rocha – Diretor de Relações Institucionais da Novabase do Brasil
( marcelo.rocha@novabase.com.br ) – Julho/2002