João Bosco Barbosa Martins – 19/05/2002
“A óptica social está errada. A atitude da sociedade é burra, quando fecha os olhos para o criminoso de punhos de seda, cuja conduta tem um terrível subproduto, ainda insuficientemente avaliado. Subproduto consistente na contribuição para o agravamento das condições sócio-econômicas da maioria do povo, geradores principais das agressões urbanas. E, paradoxo dos paradoxos, algumas das vozes mais calorosas no combate à violência assustadora, mas nascida no submundo das metrópoles, certamente seriam caladas se fosse possível punir a grande e desumana violência dos criminosos de paletó e gravata. Isso porque algumas dessas vozes pertencem a eles. Essa é uma realidade que ainda não atingiu a consciência do povo”.
(Walter Ceneviva. O crime elegante).
Discorrer sobre a ética na Administração Pública como instrumento de responsabilidade social é o objetivo do presente artigo.
Inicia-se esse estudo com as palavras do Professor Titular da Faculdade de Direito de São Paulo Tércio Sampaio Ferraz Júnior que emite a opinião de que falar de uma ética da administração exige, inicialmente, uma delimitação da própria administração. No ocidente, como se sabe, a idéia de atribuir subjetividade a uma entidade abstrata chamada administração aparece apenas na experiência tardia do Direito Romano; ganha contornos, porém, na Idade Média, por força da atribuição de personalidade jurídica à gestão permanente dos patrimônios monacais (das abadias) e depois pela separação entre as corporações de ofício e a personalidade de seus membros. Daí seguiram-se duas tendências: nas ilhas britânicas, a personalização jurídica dos officia e o aparecimento da administração como conjunto de officia personalizados e marcados pelo ethos da eficiência e da legitimidade utilitária; no continente, a entificação da coletividade por meio de estatutos, donde a administração como abstração estatutária marcada pelo ethos da legalidade.
Ao se verificar a realidade atual de nosso país, constatamos que a corrupção administrativa tem corroído a credibilidade da Administração Pública. Cada vez mais se vê escândalos no país que mancha a imagem do serviço público e conseqüentemente do servidor público na verdadeira essência da palavra, àquele que se preocupa com o resgate de uma hipoteca social para com a coletividade que paga os seus salários.
O que se pretende, preliminarmente, demonstrar são comentários acerca do conceito de ética e moral e algumas considerações a respeito dos problemas éticos na sociedade.
A ética é uma espécie de teoria sobre a prática moral.
Para o Professor de Filosofia Alfredo de Oliveira Moraes o termo ética provém de outro, mais especificamente de ethos, o qual por sua vez corresponde, em nosso idioma, a uma transliteração dos dois vocábulos gregos, sejam: ethos com eta inicial cuja raiz semântica remete ao significado de morada do homem, sendo o ethos designativo da casa do homem, resumido na bela expressão – o homem habita sobre a terra acolhendo-se ao recesso seguro do ethos.
Na visão do teólogo Leonardo Boff “O centro do ethos é o bem (Platão), pois somente ele permite que alcancemos nosso fim, que consiste em sentirmo-nos em casa. E nos sentirmos bem em casa (temos um ethos, realizamos o fim almejado) quando criarmos mediações adequadas, como hábitos, certas normas e maneiras constantes de agir. Por elas, habitamos o mundo, que pode ser a casa concreta, ou o nosso nicho ecológico local, regional ou nossa casa maior, o planeta Terra”.
Ética é a ciência da moral .
A melhor definição que já li sobre ato ético foi dada por Sua Santidade o Dalai Lama , que diz que: “é aquele que não prejudica a experiência ou a expectativa de felicidade de outras pessoas”.
Robert Henry Srour ensina que a moral vem a ser um conjunto de valores e de regras de comportamento, um código de conduta que coletividades adotam, quer sejam uma nação, uma categoria social, uma comunidade religiosa ou uma organização. Enquanto a ética diz respeito à disciplina teórica, ao estudo sistemático, a moral correspondente às representações imaginárias que dizem aos agentes sociais o que se espera deles, quais comportamentos são bem-vindos e quais não. Em resumo, as pautas de ação ensinam o “o bem fazer” ou o “fazer virtuoso”, a melhor maneira de agir coletivamente; qualificam o bem e o mal, o permitido e o proibido, o certo e o errado, a virtude e o vício.
Para José Renato Nalini a ética é uma ciência, pois tem objeto próprio, leis próprias e método próprio. O objeto da ética é a moral. A moral é dos aspectos do comportamento humano. A expressão deriva da palavra romana mores, com o sentido de costumes, conjunto de normas adquiridas pelo hábito reiterado de sua prática.
A ética e a moral não devem ser confundidas. Segundo os estudiosos do assunto, a ética não cria a moral.
O Professor de ética Mário Alencastro assevera que toda moral supõe determinados princípios, normas ou regras de comportamento, não é a ética que os estabelece numa determinada comunidade. A ética depara com uma experiência histórico-social no terreno da moral, ou seja, com uma série de práticas morais já em vigor e, partindo delas, procura determinar a essência da moral, sua origem, as condições objetivas e subjetivas do ato moral, as fontes da avaliação moral, a natureza e a função dos juízos morais, os critérios de justificação destes juízos e o princípio que rege a mudança e a sucessão de diferentes sistemas morais.
“Os problemas éticos, ao contrário dos prático-morais são caracterizados pela sua generalidade. Por exemplo, se um indivíduo está diante de uma determinada situação, deverá resolvê-la por si mesmo, com a ajuda de uma norma que reconhece e aceita intimamente, pois o problema do que fazer numa dada situação é um problema prático-moral e não teórico-ético. Mas, quando estamos diante de uma situação, como, por exemplo, definir o conceito de Bem, já ultrapassamos os limites dos problemas morais e estamos num problema geral de caráter teórico, no campo de investigação da ética. Tanto assim, que diversas teorias éticas organizaram-se em torno da definição do que é Bem. Muitos filósofos acreditaram que, uma vez entendido o que é Bem, descobriríamos o que fazer diante das situações apresentadas pela vida. As respostas encontradas não são unânimes e as definições de Bem variam muito de um filósofo para outro. Para uns, Bem é o prazer, para outros é o útil e assim por diante”, conclui o pensamento o Professor Alencastro.
Bibliografia:
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Ética administrativa num país em desenvolvimento. http: //www.pge.sp.gov.br, 30/08/2001.
MORAES, Alfredo de Oliveira. Ética no serviço público. Pernambuco: Seminário de Probidade na Administração Fiscal, 2000, p. 1.
BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Brasília: Letra Viva, 2000, p. 34/35.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 328.
LAMA, Dalai. Uma ética para o novo milênio. Rio de Janeiro: Sextante, 2000, p. 58.
SROUR, Robert Henry. Ética empresarial: posturas responsáveis nos negócios, na política e nas relações pessoais. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 29.
NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. São Paulo: RT, 1999, p. 34.
ALENCASTRO, Mário. A importância da ética na formação dos recursos humanos. http://pessoal.onda.com.br/alencastro/texto_etica_rh.htm#2 ÉTICA, 03/03/2000.
JOÃO BOSCO BARBOSA MARTINS é Auditor-Fiscal da Receita Federal, parecerista do Escritório de Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal em Recife – PE e pós-graduando em Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Recife da UFPE.