Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira
Promotor de Justiça/Promotor Eleitoral – MG
Professor de Direito Processual Penal 1 da FADOM(graduação) – Divinópolis/MG
Professor de Direito Eleitoral da FADOM(pós-graduação) – Divinópolis/MG
Professor de Pós-graduação(Direito Eleitoral) da Fundação Escola Superior do Ministério Público-Belo Horizonte
Professor/ Conferencista do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público-Belo Horizonte
Professor de Direito Eleitoral, Prática Forense, Estatuto da Criança e do Adolescente e Processo Penal do Curso Satelitário- Instituto de Ensino Luiz Flávio Gomes (IELF) – São Paulo/SP
Autor do livro Direito Eleitoral Brasileiro, 2ª edição, Del Rey, 2002
Autor do livro – Manual de Prática Forense, 1ª edição(no prelo), RT, SP, 2004
Autor do livro – Manual de Direito Penal Eleitoral & Processo Penal Eleitoral, 1ª edição, JUSPODIVM, Salvador/BA, 2004
A POLÊMICA EM TORNO DA
REDUÇÃO DO NÚMERO DE VEREADORES PELO STF
(RECURSO EXTRAORDINÁRIO 197.917/2004)
Sumário. 1. A decisão do STF sobre a redução de vereadores e a Resolução 21.702/04 do TSE. 2. Pode o TSE reduzir o número de vereadores do Brasil por uma Resolução Eleitoral ? 2.1 – Natureza jurídica da Resolução Eleitoral(ato normativo primário e ato normativo secundário). 2.2 – Cabe ADIN da Resolução do TSE ? 2.3 – O princípio do check and balance(freios e contrapesos) e a Resolução 21.702/04 do TSE. 2.4 –O Ministério Público como protetor do erário público. 3 – Conclusões
1. A decisão do STF sobre a redução de vereadores e a Resolução 21.702/04 do TSE;
No dia 24 de março, o Supremo Tribunal Federal definiu critérios para a definição do limite de vereadores, segundo o número de habitantes do municípios e conforme as três faixas populacionais definidas pelo artigo 29 da Constituição Federal. A decisão do Supremo foi tomada ao julgar inconstitucional dispositivo da Lei Orgânica do Município de Mira Estrela, São Paulo, que fixou em 11 o número de parlamentares da Câmara de Vereadores(Recurso Extraordinário 197.917/2004).
O Supremo adotou a fórmula segundo a qual os municípios têm direito a um vereador para cada 47.619 habitantes. No caso de Mira Estrela, que tem menos de 3 mil habitantes, o município se enquadra no mínimo constitucional de nove vereadores.
Com base nesta decisão, no dia 01º/04/2004, o Procurador-Geral Eleitoral, Exmo. Dr. Cláudio Lemos Fonteles, sugeriu ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Sepúlveda Pertence, a edição de ato normativo que estabeleça prazo razoável às Câmaras Municipais para adaptação das respectivas leis orgânicas, visando ao pronto atendimento dos parâmetros de fixação do número de vereadores. Preocupada com a proximidade das eleições, a Procuradoria Geral Eleitoral propôs que o TSE estabelecesse, de ofício, o número de vereadores de cada cidade.
Assim, no dia 02/04/2004, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, por unanimidade, ratificar o entendimento do Supremo Tribunal Federal no recurso extraordinário 197.917, interposto contra artigo da Lei Orgânica do município paulista de Mira Estrela, e estender para todo o País a determinação de que os municípios com menos de um milhão de habitantes terão de seguir a cota mínima de nove vereadores e a máxima de 21.
O texto da nova Resolução do TSE (Resolução 21.702/04), relatada pelo presidente da Corte, Ministro Sepúlveda Pertence, tem apenas cinco artigos.
O primeiro e mais importante estabelece que, nas eleições municipais deste ano, a fixação do número de vereadores a eleger observará os critérios declarados pelo STF no julgamento do RE 197.917. De acordo com a resolução, a população de cada município será a constante da estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada em 2003.
Os ministros do TSE declaram ainda que até 1º de junho de 2004 o Tribunal verificará a adequação da legislação de cada município ao disposto no artigo 1º e, em caso de omissão ou desconformidade, determinará o número de vereadores a eleger em outubro de 2004.
Ademais, no texto aprovado, os ministros salientam que, caso o Congresso Nacional aprove emenda constitucional alterando o artigo 29, conseqüentemente modificando os critérios referidos no artigo 1º da Resolução 21.702, o TSE “proverá a observância das novas regras”.
Na última semana de março de 2004, ao adiantar que o TSE deveria ratificar a interpretação do Supremo Tribunal Federal, o ministro Sepúlveda Pertence disse que a decisão do STF tinha sido importante, pois evitaria que a Justiça Eleitoral “dedicasse o próximo quadriênio para discutir se cada município teve mais ou menos vereadores do que deveria ter”.
Assim, as 5.561 Câmaras Municipais de todo o Brasil terão até 1º de junho de 2004 para adotar a posição do STF e TSE. O número de Cadeiras de todo o País cairá de 60.311 para 51.375, ou seja, um corte de 8.936 vereadores.
Em todo o País haverá redução, porém, em alguns lugares, como Teresina, o número permanecerá o mesmo. Por outro lado, 5 cidades brasileiras aumentarão o número de vereadores, como Belo Horizonte/MG(que subirá de 37 para 41 vereadores, sendo que o aumento dessas Cadeiras representará o custo de R$ 1,48 milhão por ano, somando-se subsídios, verba de gabinete e verba indenizatória), Salvador/BA(ganhará mais um vereador), Mesquita/RJ(ganhará mais um vereador), Sorocaba/SP(ganhará mais um vereador) e Indaiatuba/SP(ganhará mais um vereador).
Assim, teremos por Estado as seguintes reduções [1]:
Estado Redução
Acre 5
Alagoas 83
Amapá 16
Amazonas 44
Bahia 882
Ceará 799
Espírito Santo 261
Goiás 205
Maranhão 368
Mato Grosso 147
Mato Grosso do Sul 77
Minas Gerais 1289
Pará 207
Paraíba 467
Paraná 340
Pernambuco 249
Piauí 106
Rio de Janeiro 317
Rio Grande do Norte 126
Rio Grande do Sul 562
Rondônia 50
Roraima 20
Santa Catarina 320
São Paulo 1863
Sergipe 118
Tocantins 15
As tabelas constante da resolução aprovada pelo Tribunal Superior Eleitoral foram:
CÁLCULO(com base no artigo 29, inciso IV, da Carta Magna)
Nº de habitantes Nº de vereadores
até 47.619 9 vereadores
47.620 até 95.238 até 10 vereadores
95.239 até 142.857 [2] até 11 vereadores
142.858 até 190.476 até 12 vereadores
190.477 até 238.095 até 13 vereadores
238.096 até 285.714 até 14 vereadores
285.715 até 333.333 até 15 vereadores
333.334 até 380.952 até 16 vereadores
380.953 até 428.571 até 17 vereadores
428.572 até 476.190 até 18 vereadores
476.191 até 523.809 até 19 vereadores
523.810 até 571.428 até 20 vereadores
571.429 até 1.000.000 até 21 vereadores
CÁLCULO(com base no artigo 29, inciso IV, da Carta Magna)
Nº de habitantes Nº de vereadores
1.000.001 até 1.121.952 [3] 33 vereadores
1.121.953 até 1.243.903 [4] 34 vereadores
1.243.904 até 1.365.854 [5] 35 vereadores
1.365.855 até 1.487.805 36 vereadores
1.487.806 até 1.609.756 37 vereadores
1.609.757 até 1.731.707 38 vereadores
1.731.708 até 1.853.658 39 vereadores
1.853.659 até 1.975.609 40 vereadores
1.975.610 até 4.999.999 41 vereadores
CÁLCULO(com base no artigo 29, inciso IV, da Carta Magna)
Nº de habitantes Nº de vereadores
5.000.000 até 5.119.047 42 vereadores
5.119.048 até 5.238.094 [6] 43 vereadores
5.238.095 até 5.357.141 [7] 44 vereadores
75.357.142 até 5.476.188 45 vereadores
5.476.189 até 5.595.235 46 vereadores
5.595.236 até 5.714.282 47 vereadores
5.714.283 até 5.833.329 48 vereadores
5.833.330 até 5.952.376 49 vereadores
5.952.377 até 6.071.423 50 vereadores
6.071.424 até 6.190.470 51 vereadores
6.190.471 até 6.309.517 52 vereadores
6.309.518 até 6.428.564 53 vereadores
6.428.565 até 6.547.611 54 vereadores
Acima de 6.547.612 55 vereadores
2. Pode o TSE reduzir o número de vereadores do Brasil por uma Resolução Eleitoral ?
A questão nacional que se discute na atualidade é saber se poderia ou não o TSE, pela Resolução 21.702/04 reduzir o número de vereadores em todo o Brasil, independentemente desta redução pelas Câmaras de Vereadores.
O clima esquenta, pois a Vice-Presidente da União de Vereadores do Brasil e Presidente da União de Vereadores de Minas Gerais, Branca Castilho Souza Cunha, disse a imprensa que a decisão do STF e TSE é inconstitucional, porque não cabe ao Judiciário definir regras para o Legislativo, reclamando da mudança perto do período eleitoral:
“Acho lamentável que o Judiciário tenha se intrometido em uma questão que envolve o Legislativo. Você não pode alterar um processo eleitoral em cima da hora”(Branca Castilho, Jornal Estado de Minas, seção política, eleições 2004, 3 de abril de 2004, página 6, jornalista Isabella Souto).
Para responder esta questão, faz-se necessário conhecer da natureza jurídica da Resolução Eleitoral
2.1 Natureza jurídica da Resolução Eleitoral(ato normativo primário e ato normativo secundário)
Conforme profundo estudo realizado por este autor no livro DIREITO ELEITORAL BRASILEIRO E AS ELEIÇÕES EM FACE DA LEI 9.504/97, 3ª EDIÇÃO, 2004, Capítulo 37(As resoluções do TSE podem ser inconstitucionais ?), EDITORA DEL REY, BELO HORIZONTE/MG, as Resoluções do TSE podem ter dupla natureza jurídica:
(a) ato normativo primário;
(b) ato normativo secundáro.
A Lei 9.504/97, artigo 105, permite que o TSE normatize as eleições por meio de resoluções, sendo que estas, assim, tem força de lei ordinária federal, já que a Lei 9.504/97 é uma lei ordinária federal.
Desta ordem, temos que tais atos normativos poderão ser:
(a) ato normativo primário – de caráter autônomo e alcance geral, normatiza situação não regulada pela norma legal eleitoral de apoio.
Exemplo: ADI 2269 MC / RN – RIO GRANDE DO NORTE CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA DE TRE. PROIBIÇÃO DO USO DE SIMULADOR DA URNA ELETRÔNICA. O SIMULADOR É MECANISMO DE PROPAGANDA E NÃO DE INSTRUÇÃO AO ELEITOR. SEU USO INDISCRIMINADO, POR VINCULAR-SE À CAPACIDADE ECONÔMICA DOS CANDIDATOS, IMPORIA UM DESNIVELAMENTO ENTRE OS MESMOS;
(b) ato normativo secundário – de caráter acessório, apenas se presta para interpretar uma lei eleitoral ou a CF/88
Exemplo mais polêmico: Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 2.626 e 2.628) movidas pelo PT, PSB, PCdoB, PL e PPS, e pelo PFL, respectivamente, contra a Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (n. 20.993/02) que determinou a verticalização das coligações partidárias para as eleições de 2002. A decisão do TSE obrigou os partidos a seguirem a coligação nacional para concorrer nas eleições estaduais, não podendo ser estabelecidos vínculos diferentes. O STF, no entanto, no julgamento das ADIs, por sete votos a quatro, decidiu não deliberar no mérito da decisão do TSE.
A maioria dos ministros considerou que a resolução sobre verticalização das coligações representava uma mera interpretação da legislação existente, especialmente do artigo 6.º da Lei Eleitoral(Lei 9.504/97). Desta forma, as ADIs somente poderiam ser apreciadas em seu mérito se os ministros entendessem que a resolução do TSE era uma norma independente de leis em vigor, que resultaria na criação de uma nova lei eleitoral, ferindo o artigo 16 da CF/88, além da usurpação de função legislativa. Desta forma, o Excelso Tribunal não chegou a analisar o mérito por considerar que o TSE apenas “interpretou” o conteúdo do artigo 6.º da Lei 9504/97. Portanto, não foi aceito o argumento dos partidos requerentes da ação de que o TSE teria “legislado” sem ter competência para isso.
O entendimento majoritário foi no sentido de que a Resolução 20.993 foi um ato normativo secundário e, por isso, não pode ter sua constitucionalidade questionada junto ao Supremo. Apenas atos primários são passíveis de controle pelo STF, conforme jurisprudência da Corte. O relator dos processos, ministro Sydney Sanches, ficou vencido na questão. Seu voto foi pelo cabimento das ações, acolhendo a argumentação apresentada pelos partidos. Ele entendeu que a instrução do TSE representou inovação legal e deveria ser analisado pela casa.
2.2 Cabe ADIN da Resolução do TSE ?
Na verdade, a resolução em si não é inconstitucional e sim o seu conteúdo, já que por força do artigo105 da Lei 9.504/97, o TSE pode usar deste instrumento para disciplinar as eleições brasileiras
Portanto, a distinção entre ato normativo primário e ato normativo secundário das Resoluções do TSE é fundamental para saber se o conteúdo da Resolução pode ser objeto de ADIN.
Assim, o STF tem entendido que
(a) cabe ADIN contra resolução do TSE, somente quando caracterizado seu caráter de ato normativo autônomo(primário), ou seja, de alcance geral, passível de controle normativo abstrato de constitucionalidade(artigo 102, I, “a” da CF/88);
(b) não cabe ADIN contra resolução do TSE quando a mesma é ato normativo secundário, leia-se, apenas se presta para interpretar a CF/88 ou lei infra-constitucional, ao invés de normatizá-la(ato normativo primário).
Nesta última posição do STF, de que não cabe ADIN contra resolução do TSE de caráter normativo secundário(interpretativo), qual seria o remédio jurídico para provocar a discussão da constitucionalidade?
Consulta para o próprio TSE. O TSE somente admite Consulta, no caso do artigo 23, XII do Código Eleitoral, referente ao Ministério Público, se for feita pelo Procurador-Geral Eleitoral(Procurador Geral da República) ou do Procurador-Regional Eleitoral.
O TRE também pode fazer consulta ao TSE. Já para juízes eleitorais e Promotoras e Promotores Eleitorais a consulta é dirigida ao TRE(artigo 30, VIII do CE).
2.3 O princípio do check and balance(freios e contrapesos) e a Resolução 21.702/04 do TSE
A Resolução 21.702/04 do TSE, ao meu sentir, por ter status de lei ordinária federal(artigo 105 da Lei 9.504/97) e não status constitucional, não pode regulamentar o artigo 29, IV da CF/88, uma, porque estaria, por via oblíqua, sendo sucedâneo de ADIN, o que caracterizaria um novo controle concentrado de constitucionalidade não previsto no ordenamento jurídico constitucional; duas, porque a decisão do STF, no Recurso Extraordinário 197.917 foi exercida em controle difuso de constitucionalidade, ou seja, incidenter tantum e apenas intra partem, não tendo caráter nacional.
E, por fim, o artigo 2º da CF/88, que consagra o sistema do check and balance(freios e contrapesos) deve ser respeitado, ou seja, os Poderes são independentes, mas harmônicos entre si, sendo que os casos de um poder realizar conduta atípica somente se justifica se estiver previsto expressamente na CF/88, ou seja, o Judiciário pode no controle concentrado julgar legislação inconstitucional e dar caráter nacional desta decisão(erga omnes), porém, através do STF e não do TSE, cuja missão, deste último, é analisar o controle difuso de constitucionalidade(artigo 97 da CF/88) e não o concentrado, matéria afeta apenas ao Excelso Pretório(STF).
2.4 – O Ministério Público como protetor do erário público.
Diante deste quadro jurídico que se instala nas eleições de 2004, com uma incerteza se haverá ou não, em todo o País, a redução de vereadores, o remédio jurídico adequado é o Ministério Público, em cada comarca, realizar Termo de Ajustamento de Conduta ou, na falta de acordo com o Poder Legislativo Municipal, ajuizar ação civil pública para proteção do erário público. A vantagem do acordo com o Ministério Público será a ausência da ação civil pública de improbidade administrativa, que poderá gerar a suspensão de direitos políticos.
Porém, havendo recusa, a ação civil pública de improbidade administrativa(Lei 8.429/92) trará conseqüências(suspensão de direitos políticos), ou seja, o não cumprimento suasório da decisão do STF e das Resoluções do TSE(Res. 21.608/04, artigo 21, § 6º e 21.702/03) é ato de improbidade administrativa, previsto no artigo 11 da Lei 8.429/92, pois atenta contra os princípios da legalidade(CF/88, artigo 29, IV, “a”), moralidade administrativa(respeito ao Poder Judiciário) e probidade(erário público):
DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
IV – negar publicidade aos atos oficiais
Ademais, o comando constitucional do artigo 37 da CF/88 é bem lúcido:
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte…”.
O volume de dinheiro gasto desnecessariamente com o número excessivo de vereadores é um dado real; mas, infelizmente, da parte de alguns políticos certamente não há interesse em corrigir a distorção, na lógica impatriótica de que quanto mais vagas nas Câmaras de Vereadores, mais chances de se elegerem.
Não se pode permitir que dentro do limite mínimo e máximo definido na Constituição Federal, o Legislativo Municipal possa optar, discricionariedade e sem qualquer critério proporcional, por este ou aquele número de vereadores [8].
Tal raciocínio, levado às últimas conseqüências, permitiria a conclusão absurda de que um município com, por exemplo, 5.000 (cinco mil) habitantes poderia fixar em 21 o número de vereadores, e assim ter a mesma quantidade de cadeiras no Legislativo Municipal estabelecida por outro município com um milhão de habitantes. Neste caso, haveria uma gritante desproporcionalidade e, portanto, não estaria havendo obediência à norma constitucional segundo a qual o número de vereadores deve ser proporcional à população do município.
Apenas para ilustrar, a Revista Veja, Editora Abril – Edição 1462, número 38, de 18 de setembro de 1996, em matéria sobre vereadores, noticia que a cidade de São Paulo, com 6,8 milhões de eleitores, maior colégio eleitoral do país, tem 55 (cinqüenta e cinco) cadeiras na Câmara Municipal. Isso significa que São Paulo tem um vereador para 123.636 eleitores, ao passo que a cidade mineira de Cláudio/MG a proporção é de um vereador para 2.047 habitantes(população de 22.250 dividida por 11 vereadores). O disparate é astronômico.
Desta forma, havendo a necessidade de ação civil pública, esta deverá prever os seguintes pedidos:
(a) que seja concedida a ANTECIPAÇÃO DE TUTELA(artigo 273, §7º do CPC, com nova redação), reduzindo o número de vereadores em excesso e imediatamente comunicando o TSE e o TRE/MG para alteração nos programas das Urnas Eletrônicas, antes do prazo fatal de 30 dias anteriores ao pleito(Lei 9.504/97);
(b) que seja o Presidente da Câmara de Vereadores citado para que, no prazo legal de 15 dias, querendo, apresente resposta, sob pena de serem considerados verdadeiros os fatos descritos e de se submeterem aos efeitos da revelia, prosseguindo-se o feito pelo rito ordinário(artigo 17 da Lei nº 8.429/92);
(c) que mediante o controle difuso de constitucionalidade, por tratar-se de questão prejudicial ao mérito, seja declarado incidenter tantum(na parte fundamentadora da sentença) a inconstitucionalidade e invalidade do preceito contido na Lei Orgânica Municipal, que fixa o número de vereadores em excesso, contrário ao limite constitucional proporcional à população, para, no mérito, se julgue PROCEDENTE o pedido constante desta Ação Civil Pública e com isso, reduza o número de vereadores, sendo que, como se trata apenas de questão de direito, seja, em momento oportuno, julgado a lide antecipadamente, nos termos do artigo 330, I do CPC, ou seja, sem dilação probatória;
(d) Sejam os vereadores que deliberaram/votaram contra a decisão do STF(Recurso Extraordinário 197.917) e TSE(Resolução 21.702/04) sancionados com a reprimenda prevista no artigo 12 da Lei 8.429/92.
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
III – na hipótese do artigo 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta Lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
(e) Preceito cominatório(astreintes): que seja determinado o cumprimento da obrigação de fazer(cumprir a decisão do STF e TSE – CF/88, artigo 29, IV, “a”), sob pena de execução específica e cominação de multa diária de R$ 200,00(duzentos reais), nos subsídios dos vereadores que insistirem na oposição ao cumprimento da decisão do Poder Judiciário;
Art. 3º da Lei 7.347/85:
A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Art. 11 da Lei 7.347/85:
Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.
(f) que o Município seja citado, na pessoa de seu representante legal, como litisconsorte passivo necessário no feito
3. Conclusões
Assim, podemos estabelecer as seguintes conclusões sobre o tema enfocado:
(1) o STF, através do Recurso Extraordinário 197.917/04 estabeleceu um parâmetro de vereadores por um critério de proporcionalidade de habitantes no Município;
(2) a decisão do STF, por ser Recurso Extraordinário, não tem efeito erga omnes, ou seja, não tem efeito nacional, pois não se tratou de ADI(Ação Direita de Inconstitucionalidade) ou outra forma de controle concentrado;
(3) a Resolução 21.702/04 do TSE é ato normativo primário, pois não interpreta a CF/88 e sim, a normatiza de forma pioneira, estabelecendo um critério próprio de faixas proporcionais para fixação do número de vereadores por Município, ou seja, com base no Recurso Extraordinário 197.917/04 do STF, o TSE regulamentou o inciso 29, IV da CF/88, através de Resolução Eleitoral;
(4) todavia, a Resolução Eleitoral tem força de lei ordinária federal e não status constitucional, de forma que caberá ADI pela Associação ou outra entidade de classe nacional dos Municípios perante o STF, questionando a Resolução do TSE, por invadir o sistema de independência e harmonia de poderes(artigo 2º da CF/88), uma vez que a Resolução Eleitoral não tem status constitucional;
(5) A par disto, o Legislativo Federal poderá, ainda em 2004, propor e votar Emenda Constitucional [9] para disciplinar o artigo 29, IV da CF/88, com status constitucional, caso em que o TSE deverá respeitar o Poder Constituinte Derivado Reformador, porém, somente nas eleições de 2008, em face do artigo 16 da CF/88(já que este materializa vedação implícita a reforma, não podendo Emenda Constitucional violar o princípio do rules of game, leia-se, a própria democracia);
(6) Enquanto a polêmica se instala, o caminho jurídico ideal e adequado para não invadir a harmonia entre os Poderes e não haver risco de uma ADI no STF com resultado desfavorável e em extremo prejuízo à democracia eleitoral e ao erário público, é o Ministério Público de cada Estado da Federação:
(a) fazer termo de ajustamento de conduta com o Poder Legislativo Municipal, reduzindo o número de vereadores de cada município ou,
(b) no caso de recusa da Câmara Municipal, ajuizar ação civil pública com pedido de antecipação de tutela(artigo 273, §7º do CPC) para fixação do número de vereadores nos ditames constitucionais, sendo que os elementos para a antecipação da tutela serão:
– periculum in mora: evidenciado na proximidade do pleito 2004(3 de outubro de2004), havendo necessidade de redução imediata de vereadores para preservação do erário público e para preservação do sistema de segurança das Urnas Eletrônicas(já que a Lei 9.504/97 expressamente proíbe a alteração no sistema da Urna Eletrônica 30 dias antes do pleito), tornando, assim, viável o número proporcional de Cadeiras na legislatura próxima(ano de 2005), porém, com comunicação ao TRE e TSE da recente alteração
e,
– fumus boni juris: entendido como a probabilidade ou possibilidade da existência do direito invocado pelo autor da ação e que justifica a sua proteção, ainda que em caráter hipotético , demonstrado no voto condutor do Ministro Maurício Corrêa, no Recurso Extraordinário 197.917/STF/2004 e nas Resoluções do TSE 21.608/04(TSE-Rel.Ministro Fernando Neves, artigo 21, §6º) e 21.702/04(TSE-Rel.Ministro Sepúlveda Pertence, com 5 artigos).
Notas:
1. Fonte: Confederação Nacional dos Municípios
2 95.238 + 47.619 = 142.857
3 1.000.001 + 121.951 = 1.121.952
4 1.121.952 + 121.951 = 1.243.903
5 1.243.903 + 121.951 = 1.365.854
6 5.119.047 + 119.047 = 5.238.094
7 5.238.094 + 119.047 = 5.357.141
Obs : A diferença de uma unidade poderá ocorrer em face da necessidade de arredondamento.
8 Dra. Meire de Souza – Promotora de Justiça de Carmo do Cajuru/MG
9 Tramitam na Câmara dos Deputados 4 propostas de Emenda à Constituição tratando do assunto, fundidas em apenas uma única PEC. Entidades representativas dos vereadores pretendem pressionar deputados federais e senadores a aprovar rapidamente a matéria. O deputado federal Augusto Nardes(PP-RS) tem projeto tramitando desde 2001 e deseja apressar a votação, pois “O que o Supremo e o TSE estão fazendo é um absurdo, pois essa matéria é de competência do Legislativo”, reclamou.
Em todas as propostas no Legislativo, o número de vereadores difere do STF, pois no projeto do deputado Augusto Nardes, existe previsão de 9 a 21 vereadores para cidades com até 1 milhão de habitantes, mas ao contrário do STF, que fixou um vereador para cada 47.619 habitantes, permite mais um vereador a cada 10.000 habitantes, sendo que somente cidades com 100 mil até 1 milhão de habitantes teriam direito ao número máximo de 21 vereadores.
Todavia, o artigo 16 da CF/88 é taxativo: “A lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. Portanto, mesmo com a EC, somente pode valer a nova regra de proporcionalidade para eleições de 2008, já que o artigo 16 da CF/88 consagra o princípio do rules of game, ou seja, a preservação da própria Democracia e da não intervenção casuística de novas leis, afastando, com isso, abuso de poder político ou econômico.
Fonte: Jornal Estado de Minas de 3 de abril de 2004, seção política, eleições 2004, jornalista Isabella Souto, página 6.