Edson de Oliveira Cavalcante – 25/08/2003
A muito se vem discutindo sobre o VRG nos contrato de leasing, na década de 80 firmou-se o entendimento que a sua antecipação não descaracterizaria o contrato de Arrendamento Mercantil, entretanto esse entendimento foi sendo modificado na metade da década de 90, gerando celeumas de toda ordem, sendo que a doutrina passou a seguir o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consolidado recentemente na Súmula 263 , todavia o conflito de opiniões continuou e no dia 05 de maio de 2003, firmou novo entendimento, o qual seja, que o VRG não descaracteriza o contrato de Arrendamento Mercantil. O impacto dessa decisão na sociedade é importantíssimo como ficará demonstrado no presente trabalho. É sobre o tema aqui abordado há uma centena de artigos publicados, mas na maioria não passam de trabalhos com idéias convergentes. Demonstraremos que o VRG não descaracteriza o contrato de leasing e para tanto utilizamos o método indutivo, pesquisa bibliografia, doutrinária e jurisprudencial.
Para começar nos reportemos a Lei nº 6.099/74, que dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil, veja que a lei dispõe sobre o tratamento tributário, isso se deve ao fato da chegada repentina do leasing no Brasil, sabe-se que a primeira empresa a se utilizar dessa modalidade contratual no Brasil, foi a Rent-a-Maq, de propriedade do Sr. Carlos Maria Monteiro, que, acreditando na habilidade desta modalidade negocial como instrumento da maior importância para o preenchimento das lacunas de nosso mercado financeiro, fundou, no ano de 1967, a primeira empresa a operar com este contrato atípico, assim observa-se que a legislação surgiu tardiamente a chegada do instituto no Brasil, até mesmo a Associação Brasileira de empresas de Leasing (ABEL), surgiu antes da regulamentação.
A regulamentação surgiu pelo fato de o próprio Governo ver no Arredamento Mercantil uma boa fonte de arrecadação, tanto que a Lei nº 6.099/74, dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil.
Nos termos do que dispões a Lei nº 6.099/74, o que “descaracteriza” o contrato – para efeito tributário, obrigando ao estorno dos benefícios fiscais colhidos – é a “aquisição pelo arrendatário dos bens arrendados em desacordo com as disposições da lei (art. 11, § 1º) – ou seja, na prática, o exercício da opção de compra antes de decorrido o prazo do arrendamento.
A Resolução nº 2.309, em seu artigo 7º, inciso VII, letra “a”, determina que os contratos contenham a previsão da obrigação de arrendatária pagar o valor residual “em qualquer momento durante a vigência do contrato”, sem que esse pagamento significa “exercício da opção de compra”. Observa-se que o termo “pagamento” está aí mal empregado do ponto de vista da terminologia jurídica. Desde a Portaria MF 564, de 1978 (portanto, há mais de vinte anos) que se compreende que o valor residual garantido (VRG) corresponde ao “preço contratualmente estipulado para exercício da opção de compra”, ou, caso esta última não ocorra, “valor contratualmente garantido pela arrendatária como mínimo que será recebido pela arrendadora na venda a terceiros”.
Por sua vez, a Portaria MF 140, de 27 de julho de 1984 (portanto há mais de quinze anos) já disciplinou que as eventuais antecipações devem ser tratadas como “passivo do arrendador e ativo do arrendatário”, não devendo ser computadas na determinação do lucro real. Portanto, mesmo quando o arrendatário antecipa numerário a título de valor residual, o correto é entender essa antecipação como um depósito que ele faz em mãos do arrendador, para utilização futura: se ele vier a optar pela compra, utilizará esses depósitos para pagar o preço. Se não optar, os depósitos servirão de garantia de valor mínimo: caso, na venda a terceiros, o bem não alcance o montante estipulado no contrato, o arrendador lançará mão do depósito para cobrir o valor faltante, e devolverá o resto ao arrendatário (pois é um ativo deste).
É esse o ponto central da questão que o Judiciário não conseguia vislumbrar, chegou-se a cogitar que os valores antecipados mascaravam a antecipação do VRG, nos contratos não havia previsão para tanto, simplesmente informavam que eventuais antecipação de quaisquer quantia não descaracterizariam o contrato, ou seja, pelo fato de não haver cláusula que expressa-se a natureza da antecipação acarretava a descaracterização do contrato.
Portanto devemos tratar a antecipação, mesmo sendo do VRG como sendo um depósito, pois esse mecanismo visa a dá maior flexibilidade ao contrato, permitindo a sua utilização mais ampla e mais adequada às efetivas necessidades do arrendatário, que, depositando, parcial ou totalmente, o valor residual em mãos do arrendador, poderá conseguir contraprestações mais baratas (porque será menor o montante de recursos que o arrendador terá de captar no mercado para adquirir o bem) e, muitas vezes, viabilizar o negócio nos limites de sua capacidade de pagamento. Não há nenhuma razão para condenar esse sistema, que vem funcionando há décadas, ou seja, adequado a nossa realidade econômica.
Veja que a origem do instituto se deu nos Estados Unidos da Américas na década de 50, embora alguns remontem as origens a 1941, lá diante da conjura econômica o VRG é pago apenas no final do leasing, sua antecipação descaracteriza o mesmo, todavia nossa realidade é outra, pois se fossemos aplicar o leasing como nos Estados Unidos o mesmo não teria avanços, como se observa ano a ano no Brasil; primeiro porque, como dito, cobrando-se o VRG ao final tornaria a contraprestação extremamente elevada, impossibilitando que qualquer pessoa física se utilize tal modalidade contratual, segundo como o VRG pago ao final induziria, principalmente pessoa física, mesmo com interesse de ficar com o bem, a devolver o mesmo inibiria o surgimento de empresas interessadas a atuar com essa modalidade negocial. Temos que adequar o Arrendamento Mercantil a realidade econômica em que vivemos, caso contrário cairíamos naqueles casos em que a legislação não é aplicado como deveria, por ser cópia fiel de outros países onde a realidade é diversa da nossa.
Resta analisar se as antecipações representariam alguma forma de abuso de uma parte em relação à outra, o que prejudicaria a sua legitimidade por ofensa à regra geral da boa-fé, principio balizar no Novo Código Civil. Para chegar a uma conclusão devemos analisar se resulta dano ou benefício para qualquer das partes nas antecipações, assim trazemos o exemplo extremamente esclarecedor de José Francisco Lopes de Miranda Leão :
Proponho imaginar duas situações concretas: na primeira, o arrendatário, interessado em um veículo que custa R$ 20.000,00 (vinte mil reais), tem uma poupança no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) que lhe rende cerca de 1,2% ao mês. Se ele fizer um leasing deixando para pagar o valor residual apenas no final do contrato, o arrendador terá de captar os R$ 20.000,00 (vinte mil reais) inteiros no mercado, e sobre esse montante incidirão os custos financeiros da operação, que, ultimamente, têm girado em torno de 3,5% a 4% ao mês. Vai, portanto, pagar esta taxa durante dois ou três anos, ao mesmo tempo em que recebe, sobre os R$ 5.000,00 que tem na poupança, 1,2% ou menos. No entanto, se ele fizer a antecipação do VRG, deixa de receber estes 1,2%, mas também deixa de pagar 3,5% sobre o valor antecipado, pois a arrendadora terá de captar no mercado apenas R$ 15.000,00. A vantagem do arrendatário é evidente.
Uma outra situação concreta: o interessado tem um carro usado, pelo qual a concessionária oferece R$ 5.000,00 na troca por um novo, de R$ 20.000,00. nesta hipótese, a concessionária não vai entregar os R$ 5.000,00 para ele aplicar; a única maneira que ele terá de aproveitar esse crédito em um contrato de leasing será mediante antecipação do valor residual.
Observa-se que há vantagem para ambas às partes na antecipação do VRG, mas para que isso ocorra é importante que se verifique que a equação financeira seja rigorosamente aplicada, considerando matematicamente a existência de eventuais antecipações do valor residual, de modo a que resultem, tais antecipações, em diminuições precisamente calculadas no valores das contraprestações mensais. Como bem disse José Francisco Lopes de Miranda Leão “seria abusivo exigir antecipações de residual sem fazê-las refletir com essa precisão matemática no preço do arrendamento; mas, desde que o reflexo se verifique, as antecipações não causam prejuízo – pelo contrário, elas funcionam como um instrumento poderoso de poupança para o arrendatário que tem interesse em vir a adquirir o bem no fim do arrendamento.
Achava-se que a celeuma, sobre a descaracterização ou não do leasing pela antecipação do VRG, havia sido minimizada com a sumula 263 do STJ, a qual “a cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação”, ledo engano recentemente o Superior Tribunal de Justiça decidiu (por 13 votos a 7, Resp. nº 213828) ser possível o pagamento do VRG a qualquer momento durante a vigência do contrato, sem caracterizar exercício de compra. A conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, decisão essa tomada em 07 de maio de 2003, o que acarretará o cancelamento da Súmula 263, do próprio tribunal.
Esse entendimento que predominou na Corte foi iniciado pelo ministro Edson Vidigal, vice-presidente do STJ. Segundo ele, a divergência é clara entre as decisões apresentadas: a Terceira Turma entendeu pela descaracterização do contrato de leasing para de compra e venda em razão da antecipação do VRG, enquanto a Primeira Turma estabeleceu a prevalência do princípio de livre convenção entre as partes quanto ao pagamento do valor residual, considerando tal negociação incapaz de descaracterizar o contrato de leasing.
A conclusão de Vidigal é contrária à do relator, ministro Milton Luiz Pereira, para quem a descaracterização realmente ocorre com a antecipação do pagamento do valor residual em garantia – VRG. “Embora se argumente que a aludida antecipação não é uma cobrança, mas um depósito, tudo permite deduzir que o seu valor não é devolvido aos clientes”, afirmou. “Assim sendo, a antecipação disfarça o financiamento, induzindo o arrendatário a ficar com o bem, livrando a empresa de permanecer com o domínio do bem usado. Por evidente, derruindo a perda da natureza jurídica do contrato original de arrendamento mercantil, migrando o leasing para efetiva negociação de compra e venda”, explicou o relator.
Para o ministro Edson Vidigal, a Resolução 2.309/96 destaca expressamente que o valor residual garantido pode ser pago a qualquer momento durante a vigência do contrato, sem caracterizar exercício de compra. Além disso, a antecipação desse tipo de pagamento em parcelas pode vir a ser efetivo interesse também para o arrendatário. Assim, diante dessas considerações, concluiu que deve prevalecer o princípio da livre convenção entre as partes, uma vez que tal acerto em nada interfere na natureza do contrato.
Com esse entendimento observamos o dinamismo e a proficiência daquela Corte capaz de ir ao fundo de questões tão relevantes para sociedade, decisões como essa trazem a manutenção da paz social objetivo máximo a ser alcançado pelo Poder Judiciário, pois caso prevalecesse o entendimento anterior teríamos ao longo do tempo supressão dessa modalidade contratual e a minimização de relações econômicas que envolvam o leasing, perdendo com isso os consumidores e o País, vez que essas transações trazem uma boa arrecadação para o Brasil.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICA
Leão, José Francisco Lopes de Miranda. Leasing: O Arrendamento Financeiro. 2 ed. São Paulo: Malheiros,1998.
Dutra, Itamar. Leasing: Perdas e Danos. Campo Grande (MS): Solivros, 1997.
Resende, Neide Aparecida de Fátima. O leasing financeiro no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
Rizzardo, Arnaldo. Leasing: arrendamento mercantil no direito brasileiro, 3. ed. revista, atualizada e aumentada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.