Planejamento Participativo na Criação de Visão de Futuro …

Planejamento Participativo na Criação de Visão de Futuro Compartilhada :
a aplicação da metodologia de envisionamento no caso de uma fusão organizacional.

Beatrice Gropp
Antropologia Social pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais – Paris
Etnologia e Etnolinguística pela Universidade Paris VII ,
Ciências de Educação pela Universidade Paris VIII e
Administração de Empresas pela PUC/SP

Mudanças rápidas de cenários em escala mundial inseridas em ambientes de alta turbulência e tecnologias de comunicação avançando em velocidades crescentes, poderiam nos levar a supor que necessitamos de menos ” interface pessoal ” quando lidamos com planejamento estratégico de longo prazo envolvendo grupos com alto grau de diversidade. O que verificamos no entanto, é um interesse cada vez maior na criação e desenvolvimento de ambientes de diálogo estruturado entre os mais diversos segmentos sociais e econômicos em interação, ou seja, necessitamos de mais e não menos interface pessoal.

As chamadas conferencias de busca de futuro reúnem durante dois dias e meio pessoas e/ou instituições com alto grau de heterogeneidade presente numa mesma sala, descobrindo e planejando através de tarefas estruturadas seu futuro Aprendendo sobre si mesmas e umas sobre as outras, refletindo sobre o seu próprio aprendizado, interesses em comum e novas formas de ” ser e fazer ” em conjunto e numa mesma direção, as conferencias de busca constituem, no sentido atribuído ao termo por Bateson ( 1979 um processo de meta aprendizagem.

Enquanto metodologia participativa baseada no aprendizado de sistemas inteiros, a criação de uma visão de futuro compartilhada permite abordar a complexidade existente entre sistemas abertos, procurando encontrar as bases em comum presentes na diversidade e orientadas fundamentalmente para o futuro.

O foco não está na resolução de problemas e conflitos e as diferenças são legitimadas mas não tratadas durante o processo.

Este artigo apresenta a primeira conferencia de busca realizada no Brasil em contexto de fusão efetuada em 1995. Trata-se de duas companhias transnacionais, ambas de origem européia, líderes mundiais no segmento químico e farmacêutico, junto as quais implementamos o processo de visão de futuro compartilhado na constituição de uma nova empresa no segmento têxtil.

O termo ” conferências de busca ” ( Future Search ) foi citado inicialmente por Marvin Weisbord no capítulo ” Inventing the Future ” do livro ” Productive Workplaces ” publicado em 1987. Como ressonância Weisbord passou a receber relatos de experiências semelhantes nos mais variados setores de atividades ocorrendo em diversos países durante as décadas de 80 e 90. Também denominadas ” processos de envisionamento” ou ” conferencias estratégicas para o futuro ” ou ainda ” comunidades colaborativas ” e na expressão por nós utilizada de ” visão de futuro compartilhado ” as conferencias de busca de futuro se inserem nas práticas de desenvolver visão de longo alcance como plataforma para a construção de planos de ação ousados e inovadores no presente.

O primeiro encontro nos moldes de uma conferencia de busca foi realizado em 1960 por Fred Emery e Eric Trist, cientistas sociais australianos que na companhia de outros psicólogos e psiquiatras oriundos do exército britânico após a Segunda Guerra, criaram o Tavistock Institute of Human Relation em Londres. Eric Trist foi um dos precursores na compreensão sistêmica das organizações e da qualidade de vida no trabalho, e um dos fundadores da conhecida abordagem socio-técnica no tratamento dado a processos de mudança a partir das variáveis técnicas e sociais. O contexto deste primeiro encontro era a semelhança de nosso caso no Brasil a fusão de empresas.

Em 1950 o governo inglês resolve unir a fabricante de pistões Armstrong-Siddeley com a Bristol Aero Engines, pioneira na aviação e o líder Rolls Royce. Concorrentes entre si, constituem a Bristol Siddeley com o objetivo de liderar o segmento de jatos. No primeiro encontro com Eric Trist, que na época já vislumbrava o potencial que reside no trabalho com grupos auto-gerenciados e nos princípios mais democráticos de gerenciamento, o presidente da companhia manifesta sua inquietação de que as empresas haviam se fundido no papel mas não em suas estratégia e planos em comum. Organizam então, um encontro de cinco dias e meio que ficou conhecido como Barford Conference. Neste encontro de longa duração, já trabalham com a perspectiva de criar um território em comum e partem do contexto global para trabalhar o contexto da industria aeroespacial.

Fred Emery se associa ao Tavistock Institute em 1952 já trazendo estruturas conceituais para o trabalho com grandes grupos. Uma destas estruturas conceituais se baseava nos critérios para uma organização eficaz anunciados em 1957 por Philip Selznik : Clareza na definição da missão, competências nítidas para servir seu mercado e valores internos compartilhados entre as lideranças, para assegurar integridades em ambientes de autoridade dispersa. Forte influencia foi exercida também pelo modelo dinâmico de comportamento de grupo desenvolvido por Alfred Bion, também psiquiatra do exército inglês. Nos grupos de aprendizado de Bion, as pessoas eram levadas a perceber suas reações diante uma situação ambígua que incluía um líder impassível e enigmático, mostrando como se defendem da ansiedade, ora criando dependência no líder ou desenvolvendo estratégicas de fuga , ora formando pares em oposição.

Estas pesquisas determinaram os princípios para equipes autogerenciadas e é a base para fazer com que grupos autogerenciem seu trabalho nas conferências de busca do futuro ( Weisbord: 1987 ). Nos anos 60, Ronald Lippit e Eva Schindler-Rainman, ele aluno e discípulo de Kurt Lewin em Iowa nos anos 30, conhecido pelas teorias de desenvolvimento de grupos, estilos de liderança e outros conceitos que tornaram possível a profissão mudança organizacional bastante em voga nos anos 80. Ela uma assistente social com experiência em organização e desenvolvimento comunitário. Ao analisar as fitas que Lippit gravou nos anos 50 sobre reuniões de planejamento estratégico, ambos concluíram que relacionar e solucionar problemas deprime os grupos. Os planos de ação decorrentes destes planejamentos tendiam a ser de curto prazo, destinados a lidar com sintomas e aliviar a ansiedade. A motivação, segundo relato de Lippitt a Weisbord ” era de escapar da dor induzida em parte pelo próprio método – a listagem , pedaço por pedaço, dos problemas, a locução de qualquer um dos quais poderia criar ainda mais problemas “. Uma nova perspectiva nasce quando naquela época Lippitt e Rainman passam a falar de ” imagens de potencial ” visualizando o que poderia ser em vez de lamuriar sobre o que efetivamente era. No final dos anos 70, Lippit se associa ao futurólogo Lindmann, que havia dirigido o planejamento da missão Apollo, e que acreditava que o futuro era criado pelas nossas maneiras atuais de enfrentar eventos, tendências e o desenrolar dos acontecimentos no ambiente.

O ” futuro preferido ” ou seja, uma imagem de aspiração, poderia ser um mecanismo de orientação poderoso para efetuar correções de longo alcance. Lippit e Lindman ( 1979 ) descobrem que planejar as ações ” de trás para frente ” a partir do que realmente se deseja, desenvolve energia e entusiasmo para desenvolver os planos de ação no presente. Marvin Weisbord ( 1992: 54 ) descreve sua própria busca de futuro como ” uma integração dos estudos de grupos sem líder de Bion/Trist, do contexto global de Emery/Trist, da pesquisa de liderança democratica de Lewin/Lippit e das grandes comunidades colaborativas de Lippit/Schindler-Rainman – todos amarrados num conjunto dentro de uma sala de conferências, para emergir como novos ” ahass ” e planos de ação nos papéis de açougueiro de Lewin. ” .

Outra estrutura conceitual bastante clara para Fred Emery estava associada as ” condições para o diálogo eficaz ” elaboradas em 1956 pelo psicólogo social Solomon Asch . Estas condições eram suposições de que todas as partes estão falando a respeito do mesmo mundo exigindo exemplos concretos para apoiar generalizações e que ” todos os seres humanos têm similaridades psicológicas básicas, em relação a rir, amar, trabalhar, desejar, pensar, perceber e etc “.

Como resultado destas duas suposições os fatos do mundo de uma pessoa se tornam parte da outra e desenvolvem um campo psicológico compartilhado. Emery cunhou os termos ” campo social estendido ” para descrever o contexto de um sistema aberto, e ” relacionamentos legais ” para as ligações entre eventos no campo social estendido. Ao trabalhar a fusão Bristol Siddeley sob estes termos, Emery efetuou segundo comentários de Weisbord ” uma das maiores revoluções em estratégia ocorridas neste século”.

No caso da fusão ora apresentado, pudemos constatar que estas descobertas de um campo psicológico compartilhado efetivamente atuam como fator de convergência. Concorrentes entre si e inimigos em potencial, logo no final da primeira etapa do processo , ao cabo da revisão dos grandes marcos do passado, os participantes haviam descoberto muito mais pontos em comum do que imaginavam inicialmente, gerando uma energia potencializadora para a construção das bases em comum. Esta constatação inicial, altera radicalmente os métodos com que vínhamos trabalhando em contextos de fusão até então. Não se trata mais de focar as diferenças, mas sim fornecer uma estrutura de diálogo capaz de gerar um ambiente de convergência e leveza, bastante distinto do ambiente que se cria quando o foco é a resolução de problemas.

Ainda como semelhança com a conferência de Bradford, efetuamos observação participante em áreas distintas da empresa com o objetivo de levantar os “jeitos de ser e de fazer “ das organizações envolvidas no processo de fusão, procedimento considerado desnecessário para Weisbord, Janoff e outros autores.

O argumento é que todo o conhecimento da realidade é trazido pelos participantes no evento de conferências de busca, sendo que o papel dos facilitadores se resume a destacar os temas emergentes, não intervir, mas atuar como ” guardiões da metodologia ” durante o evento garantindo o diálogo franco e aberto. Sua participação intensa durante a fase de planejamento e preparação e na avaliação final é no entanto crucial para o sucesso na realização de uma conferência de busca.

A pesquisa de observação participante efetuada durante os meses que antecederam ao evento da conferência, entretanto não interferiu no processo de planejamento em si. Isto porque, redundou em material interpretado em registro distinto visando compreender os implícitos das culturas em contato. No entanto, o ciclo típico de uma observação participante que consiste no registro sistemático das reuniões visando a interpretação da ação, e o processo de comunicação em curso, aprendendo conjuntamente os pressupostos e sistemas de crenças que orientam as ações foi retomado junto ao grupo de planejamento. Focando o pêndulo da atração e repulsão no esforço de ajustamento mútuo da experiência intercultural em curso na fusão foram trabalhados componentes de culturas nacionais e empresariais de origem e matizes fortemente diferenciadas. ( Chanlat: 1991: 83)

Construindo as Bases em Comum

O cenário em que se insere nosso caso de fusão, representava um enorme desafio para os 3.100 funcionários de enfrentar a concorrência em um segmento vulnerável a abertura de mercado recente na época, sem proteção de cotas, com altos custos de produção e preços internacionais em queda.

Nas entrelinhas dos intricados contratos que firmavam esta aliança estratégica entre as duas gigantes concorrentes em escala mundial, uma mensagem provavelmente implícita: Nós lhes demos casa e comida, vocês montem um novo lar, paguem suas contas, amem-se de paixão, honrem o nome importante dos pais, sejam alguém na vida e tragam bons resultados……

No interior das respectivas fábricas ecoam sentimentos mistos de resignação e de abandono que acompanham a nova realidade da fusão.

” Ficou a sensação de vazio ”

” Sensação de que o mundo diminui ”

Insegurança e medo são a tônica deste primeiro momento. Promover o desenvolvimento de uma identidade e espírito de combate para este corpo jovem mas já carregado de passados, em vestes de nobre descendência, é o desafio proposto pela realização de uma conferência de busca na definição dos planos de ação conjuntos desta aliança estratégica. Cada empresa trazendo um caleidoscópio de suas culturas de origem, era necessário criar as bases de uma nova cultura.

O físico David Bohm, que investiga a teoria de que todas as partes do universo estão interligadas, formando um todo ininterrupto e fluido, vem sugerindo pontos de vistas científicos e práticas inovadoras no campo dos diálogos estruturados, enfatizando a importância de aprendermos a escutar. Suas pesquisas na física quântica tem auxiliado na solução de problemas sociais na medida em que propõem uma visão de ” inteireza ” para a abordagem fragmentada da realidade a que fomos condicionados pela herança mecanicista. Propõem que criemos uma situação em que podemos suspender nossas opiniões e julgamentos de forma a poder ouvir com os outros gerando uma espécie de supercondutividade social, tendo muita energia no intercâmbio, ao mesmo tempo em que mantemos a temperatura baixa. Para que isto ocorra é necessária a criação de um ambiente de diálogo aberto, no qual as pessoas possam falar livremente entre si, de forma que ao final do processo o diálogo acabará por tocar as pressuposições não negociáveis de um indivíduo, o que libertará grande quantidade de energia . Esta ” suspensão temporária ” também é proposta por Schwartz ( 1991 ) embora em contexto estruturado de cenários de futuro onde é dada igualmente importância para a busca de informações se diferenciando no entanto essencialmente na forma de disponibilizá-las. Enquanto que nas conferencias de busca as informações surgem em tempo real a partir da própria diversidade dos participantes do evento, o formato de Schwartz implica no esforço individual dos que estão montando os cenários para coletar informações, embora também diversificadas, mas em fontes estáticas e externas a realidade.

Em ” Leadership and the new science ” Margaret Wheatley aponta para a relação entre conteúdo e processo que ocorre no tratamento das informações ao longo das conferências de busca do futuro. Como pesquisadora da chamada nova ciência, contribui com um novo entendimento sobre informação, considerada enquanto dinâmica estruturante e que se desenvolve no âmbito das ciências físicas. Propõem que não devemos nos focar apenas no conteúdo, mas na capacidade ordenadora da informação o que nos leva a pensar em informação como sendo um processo, como uma energia estruturadora que ocorre durante as conferencias de busca de futuro. Em suas próprias palavras descreve que ” alguma coisa acontece durante essas conferências, invisível mas sentida, que organiza o fluxo de pessoas, idéias e processos em uma estrutura coerente de visão compartilhada. O que estamos vivenciando é o lado processo da informação, uma energia capaz de organizar matéria e lhe dar forma. Esse papel para a informação vem da própria palavra: informação ” . ( 1992:48)

Se o permitir um fluxo contínuo de informação é premissa básica no planejamento participativo organizado em forma de conferencias de busca, seu corolário é que reunir diferentes pessoas e perspectivas gerando fluxos crescentes de informações também distintas, gera uma boa dose de caos. É da física que aprendemos ainda, que o caos é apenas um caminho para formas de ordem superiores. E que os sistemas naturais, abertos, usam informação de seus ambientes para criar novos níveis de organização. Neste processo de ” tomar informações ” estes sistemas se modificam e se ampliam levando por vezes a desintegração. Esta propriedade auto-organizadoras dos sistemas naturais é bastante semelhante com o caos aparente gerado pelo fluxo de informações que ocorre em um primeiro momento durante a realização de conferencias de busca. Aprender a lidar com este caos é tarefa fundamental para um facilitador, papel que Wheatley, tendo liderado alguns processos de busca descreve como sendo ” minha tarefa é simplesmente a de criar processos de grupo que gerem quantidades prolíficas de informação e aguardar até que a energia de estruturação da informação apareça”. ( 1992:52 )

Vimos que para ser bem sucedida, uma conferencia de busca tem que necessariamente incluir diversidade. Esta diversidade é constituída através do mapeamento inicial do sistema a que pertence este ” organismo ” que pretende olhar e planejar de forma compartilhada o seu futuro. Nesta primeira etapa, denominada Mind Mapping, diferentemente da tradição de iguais conversando com iguais para construir um futuro de iguais…. a heterogeneidade é um ingrediente fundamental para o sucesso de uma conferencia de busca. Se abordagens tradicionais são calcadas na premissa de que a alta administração define os rumos do negócio, dado ser dotada da visão de todo, a busca da representatividade de todo o sistema organizacional ( interno e externo ) presente nas conferencias de busca, atribui ao conhecimento que os participantes trazem consigo a base para a compreensão da totalidade de realidade em que se insere a organização, permitindo a construção de mudanças e visão de futuro compartilhada pelo conjunto representativo do sistema organizacional.

Ao efetuarmos um recorte longitudinal nas duas empresas transnacionais no contexto de fusão no qual utilizamos a realização de uma conferencia de busca como passo inicial na estruturação da nova empresa em formação no segmento têxtil, logramos não apenas a participação em bases iguais do presidente ao office boy, como também através de um processo de eleição, com direito a urnas em cada unidade de produção, garantimos a representatividade dos participantes.

Criar um ambiente participativo desde a fase de planejamento de uma conferencia de busca, garantindo legitimidade dos atores que criarão seu próprio futuro, é bastante distinto do processo tradicional de apontar ” de cima para baixo ” os que aparentemente possuem maiores atributos de planejamento. Neste sentido, as conferencias de busca, enquanto instrumento democrático de participação efetiva, contribuem para o rompimento com a dicotomia entre os que ” pensam ” e os que ” fazem ” ainda tão presente nas nossas estruturas organizacionais. Sabemos ainda, que as pessoas tendem a se relacionar de forma mais comprometida com planos que elas mesmo ajudaram a construir. A participação desde a fase de planejamento e intensamente durante o evento contribui para que planos saiam do papel e possam se tornar realidade.

O que surpreende ainda na realização de conferencias de busca, é que seus pressupostos básicos residem na “simplicidade do óbvio” das práticas cotidianas norteadas pelo senso comum que tendemos esquecer quando tratamos de planejar não apenas o futuro como também o presente. As tarefas individuais e coletivas estruturadas no tempo e no espaço, permitem o diálogo entre diferentes, visando encontrar uma base em comum a partir da qual podem ser construídos planos de ação compartilhado. David Bohm propõem a ausência de estruturas rígidas para o diálogo, que tem sido bastante utilizada na abordagem ” appreciative inquiry ” inclusive em empresas brasileiras, como é o caso da Nutrimental, que está obtendo resultados significativos com apoio do consultor norte americano David Cooperider. Em se tratando no entanto do encontro de grandes grupos visando resultados em comum, a sequência de tarefas propostas ao longo de uma conferencia de busca nos parece condição necessária e estruturante para alcançar os resultados esperados.

Os cenários de presente, passado e futuro são trabalhados à partir de uma visão que parte do global para o local. Isto é fundamental, já que não se trata de uma metodologia de solução de problemas, e o olhar para “fora ” e para o ” amplo facilita não apenas situar a questão em um cenário ampliado como também retira o foco dos limites do ” local ” como ponto de partida para conhecimento da realidade. Assim que o conhecimento do todo está na alquimia de extrair das partes de um conjunto organizacional as parcelas de conhecimento que cada indivíduo já possui a respeito de si e do mundo ao seu redor. Cada indivíduo detém uma parcela de conhecimento da realidade , e este conhecimento é construído a partir de onde se situa diante do contexto em referência. É da possibilidade de gerar informações sobre a mesma realidade sob diferentes pontos de vista que reside a riqueza do quadro a partir do qual se desenha uma visão de futuro compartilhado.

Podemos de forma bastante simplificada, descrever conferencias de busca como uma forma de trabalho concentrada e intensa utilizando um método de planejamento altamente participativo, democrático e sistêmico no qual grupos representando o sistema ampliado projetam seu futuro e as estratégias para atingi-lo. A ” busca ” é sempre referenciada como um futuro atingível dentro de um horizonte de tempo determinado. Particularmente útil em momentos de turbulência este “projetar o futuro coletivamente ” desencadeia uma maneira criativa de produzir missão, metas e objetivos organizacionais que são enriquecidos pelos valores e crenças compartilhados pelo sistema ampliado em que a organização se situa.

O evento em si tem a duração ideal de dois dias e meio. O objetivo é “dormir sob o caos ” antes de visualizar o ideal de futuro, suas imagens do potencial compartilhado e definir estratégias de trabalho e planos de ação. Constituindo um evento de grandes proporções onde toda a informação, conteúdo e visão é trazida pelos participantes, seus resultados são em grande parte determinados pelos critérios adotados na seleção destes participantes.

Desnecessário sublinhar a importância do engajamento e conseqüente crença nos valores fundamentais de uma conferencia de busca por parte dos dirigentes. No caso da fusão a que fazemos referência, a metáfora utilizada pelo presidente da empresa ” é como o Rio Negro e o Rio Solimões que durante um tempo correm lado a lado para então formarem um só rio ” ilustra claramente sua crença nos esforços em comum e suas expectativas nos resultados. Patrocinador e o grupo de planejamento devem acreditar de fato nos princípios democráticos que orientam a metodologia e considerar este encontro ampliado como um marco na vida da empresa. Esta convicção tem que ser explicitada claramente para todos os membros da organização.

Ao optar pela metodologia de conferência de busca a liderança da empresa também emite claros sinais de cultura. Pois de uma forma ou de outra a liderança se reconhece nas premissas de que todas as pessoas, independente do grau de instrução e posição hierárquica são fontes de conhecimento. Percebe ainda que as pessoas procuram oportunidades para participar de processos criativos e se sentem engrandecidas com a possibilidade de serem atores ativos na criação de seu próprio futuro

Conferencias de Busca em ambientes de turbulência

Processos de busca de futuro através das bases em comum tem beneficiado a capacidade de geração de idéias e planos de ação em empresas privadas, setor público e terceiro setor, na educação formal, comunidades e até todo um estado ou município. No âmbito de fusões a abordagem tem mostrado eficiência na interação de culturas em direção a um futuro comum. Tem se como dado que apenas um terço das fusões e aquisições tem gerado valor econômico no retorno do capital investido. Os benefícios geralmente favorecem os que vendem. Parece haver unanimidade também em apontar o ” fator humano ” como decisivo para o sucesso da alquimia em jogo no contexto de fusões organizacionais. No entanto, os processos de negociação em joint-ventures, fusões e aquisições são geralmente longos e obrigatoriamente sigilosos. Quando finalmente o contrato de matrimônio é anunciado, o imaginário das pessoas que povoa as organizações já está repleto de fantasias, ansiedades e tensões.: ” e agora, para onde vamos? ….

O desejo de ” pertencer ” é inerente as pessoas e um ” casamento de conveniência gera altas doses de ruídos na organização, de forma que quanto mais rapidamente a nova empresa responder de forma participativa aos desafios de uma fusão, menor as chances de sentimentos confusos se alastrarem.

Sabemos ainda das semelhanças que organizações mantém com os organismos vivos em seu funcionamento e desenvolvimento. Quando se queimam etapas de um desenvolvimento orgânico saudável e previsto, procura-se de qualquer maneira resgatar ou substituir o que não foi vivenciado a seu tempo. Dois meses após o anúncio da fusão no nosso exemplo, constatamos não apenas um aumento sensível de acidentes de trabalho como também um processo acentuado de identificar as similitudes e diferenças entre as partes denotava um ambiente de sedução e namoro que não pode ser vivido a sua época e a seu costume.

Uma das grandes vantagens da metodologia é que inúmeras reuniões que tradicionalmente ocorrem na formulação de planos estratégicos são substituídas por um grande encontro em que cada participante passa a repensar sua visão do negócio de forma ampliada, viabilizando parcerias, ações e direções estratégicas.

O foco está na interação e visão ampliada da realidade. Os participantes são estimulados a examinar e refletir sobre a complexidade da organização e do mundo e como todos os acontecimentos estão interligados, favorecendo ainda a integração da empresa como um todo e dela com o ambiente em que está inserida.

Objetivando ter a maior parcela do ” sistema ampliado ” da organização presentes, são convidados parceiros, fornecedores, clientes e até eventualmente concorrentes visando panorama mais completo de cenários possíveis.

A seqüência das tarefas é estruturada nas dimensões de passado, presente e futuro, e as diferentes composições dos grupos é fundamental para o estabelecimento de uma dinâmica capaz de produzir resultados construtivos e inovadores. Na primeira parte da conferência onde o foco está nas informações e na construção de bases em comum os grupos de trabalho são geralmente constituídos sob critérios de heterogeneidade, posto que o que se procura são visões distintas sob uma mesma realidade. É na segunda parte orientada para a construção de planos de ação compartilhados que os critérios de grupos de trabalho se compõem sob critérios de homogeneidade passando por grupos interdisciplinares para buscarem projetos e atividades dentro das áreas de ação e finalmente surgem os grupos responsáveis para o planejamento dos planos de ação desenvolvidos em conjunto.

Enquanto que as estruturas de diálogo permitem o auto gerenciamento e responsabilização dos grupos a legitimidade e representatividade dos grupos presentes favorecem implementação dos planos de ação. Quanto a etapa inicial de planejamento o primeiro passo é a criação de um grupo de referência organizado pelo patrocinador de uma conferência de busca, responsável pelo projeto, composto por 6 a 8 pessoas representativas de variados segmentos do sistema visado. A diversidade já é um componente neste grupo de planejamento e o patrocinador passa a ser coordenador do evento, definindo e comunicando com clareza seu propósito, de forma que os convidados possam se manifestar se desejam ou não participar do evento. Faz parte ainda desta fase de preparação o completo mapeamento do sistema ampliado capaz de assegurar a representividade e legitimidade das pessoas/instituições a serem convidadas a participar, garantindo ainda agenda para presença integral e comprometimento dos participantes com o propósito do encontro. Promover a preparação logística e administrativa para a realização do evento e fazer a edição, reprodução e a distribuição do “Caderno do Participante ” sequenciando as tarefas e coordenar o gerenciamento dos projetos e planos de ações pós-conferência são ainda as atividades atribuídas ao grupo de planejamento.

Durante a sua realização, uma conferência de busca apresenta normalmente a estrutura seguinte: Na abertura são explicitados os propósitos do encontro e efetuada rápida apresentação dos participantes. Como o foco não está no relacionamento entre as pessoas, mas nas tarefas propostas, parte-se imediatamente para a visualização de trajetórias e território em comum.

A primeira fase realiza portanto a criação de contexto compartilhado, a expressão de valores este contexto e a efetivação de ação coletiva e tomada de decisão em grupo. Gerando o caos criativo o grupo como um todo trabalha em um segundo momento na teia de tendências globais que influenciam cenários futuros, compreendendo as forcas internas ao sistema que estão impactando o tema central do encontro. A visão de futuro é normalmente trabalhada em uma ” linha de tempo ” razoavelmente distante permitindo a idealização do futuro desejado com metodologias adequadas ao ” desgarramento ” do presente. Após a consolidação dos cenários elaborados pelos participantes parte-se para os planos de ação e o compromisso com as ações previstas no presente para alcançar o futuro desejado e compartilhado. Todo o material produzido pelos participantes é fixado nas paredes com ampla visibilidade e transparência. No entanto sugere-se que a logística registre tudo o que foi escrito e falado durante as atividades, para que ao término cada participante possa sair com um relatório completo. Ao final, equipes de projetos são constituídas pelos indivíduos pessoas envolvidas e comprometidas com a continuidade dos resultados efetivos obtido.

No caso da fusão em que a metodologia pode ser aplicada em sua integridade, a energia resultante foi em grande parte responsável pelo enfrentamento conjunto dos enormes desafios propostos pelas duas empresas no mercado. Os planos de ação desenvolvidos foram implementados nos prazos e custos previstos, e sobretudo uma nova identidade corporativa foi sedimentada a partir da fase de planejamento e nos esforços de comunicação e gerenciamento de projetos resultantes. As organizações tipicamente ávidas por ferramentas milagrosas, vista como apanágio para cura de males arraigados em suas estruturas e no seu relacionamento com o meio ao redor, dificilmente encontrarão nas conferências de busca o remédio que procuram. Antes sim, é necessária a consciência de seus líderes, de que as conferências significam apenas um começo de um longo processo de mudança de atitudes mais profundas, que associadas aos princípios e premissas básicas do encontro, significam aprender a olhar para fora, aprender a ouvir os outros, sobretudo os diferentes, na direção compartilhada de uma trajetória comum.

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