Lentidão da Justiça acaba se todos decidirem trabalhar

por Raul Haidar

O Supremo Tribunal Federal mandou fazer uma pesquisa para, segundo palavras atribuídas ao seu presidente, “saber exatamente onde falta estrutura e onde falta gestão”. O resultado, divulgado recentemente, aponta que São Paulo, logo abaixo do Ceará, é o segundo estado de pior “taxa de congestionamento”, índice inventado pelos pesquisadores para medir o mau funcionamento da Justiça.

Poucos meses antes, o Superior Tribunal de Justiça também promoveu pesquisa, cujo resultado mais comentado foi apurar que a opinião pública entende que a tartaruga seja o animal símbolo do nosso Poder Judiciário.

Em ambos os casos os respectivos presidentes tiveram muito destaque na mídia. Aliás, o presidente do STF vem sendo apontado como provável candidato a um cargo eletivo, talvez a vice-presidente da República. Nenhum dos dois, saliente-se, chegou aos cargos que ocupam através de concurso público, mas vieram por outros critérios, que alguns cidadãos consideram bastante discutíveis.

Enquanto uma associação de juízes quer aumentar as férias de seus associados e ainda obter maiores regalias para eles; enquanto muitos acusam os advogados de fazer recursos em demasia; enquanto até mesmo um presidente de uma seccional da OAB chegou a sugerir que a solução seriam os tais “meios alternativos de solução de conflitos”; todos parecem esquecer-se de que não se conserta este país mudando as leis, e menos ainda fazendo pesquisas para descobrir o que todos já estamos carecas de saber.

Uma das “brilhantes” conclusões desses estudos diz que o grande problema da demora na solução dos processos está na primeira instância, onde faltam recursos humanos e materiais.

Pois bem: aqui no meu pequeno escritório fui obrigado a fazer no mês passado uma petição para apresentar contra-razões em apelação apresentada pela União face a uma sentença dada num mandado de segurança contra a falecida Sunab (lembram-se dela?). O caso era muito simples e relacionava-se com multa imposta em 1986 (há 19 anos atrás!!!) baseada numa portaria.

Concedida liminar no século passado, os autos ficaram nada menos que 18 (sic) anos aguardando sentença! E provavelmente a apelação feita pelo procurador da Fazenda Nacional, para quem uma portaria vale mais que a Constituição, vai aguardar mais uns 10 anos para ser julgada. Como a história parece incrível, dou o número do processo (em São Paulo) para quem quiser conferir: 00.0941396-0.

Pergunta indiscreta: se o impetrante não fez nenhum recurso, “protelatório” ou não, durante esses quase 20 anos, porque o julgamento demorou tanto? Será por acaso resultado da intensa participação dos magistrados em cursos, seminários, palestras, congressos, simpósios, conferências, solenidades, enterro de papas, etc.? Ou será por falta de atuação de uma corregedoria que consiga cobrar de juízes e funcionários o cumprimento de prazos que nós, advogados, se não cumprirmos estamos “ferrados”?

Portanto, na primeira instância, se a coisa funciona mal não é por culpa de excesso de recursos, mas por falta de trabalho ou por falta de alguém fiscalizar o trabalho!

Se isso acontece na primeira instância, lá “em cima” não é muito diferente. Um caso emblemático é o julgamento da ADI 1127-8, que desde 1994 aguarda julgamento no Supremo. Nesse caso, suspenderam-se várias prerrogativas dos advogados, outorgadas PELO POVO BRASILEIRO (pois o Congresso representa o Povo, de quem emana todo o poder ) para proteger o cidadão, mas a associação dos juízes, a mesma que quer férias maiores, licenças remuneradas, etc. etc. etc. e etc., entendeu que é “inconstitucional” que a violação de arquivos e documentos de advogados seja acompanhada de representante da OAB!

Afinal, qual o problema que existe em tal acompanhamento? Será que os juízes pensam que a OAB, ao acompanhar diligências ordenadas pela Justiça e feitas de acordo com a lei, pode impedir a Polícia Federal de cumprir um mandado ? Será que o representante da OAB estará mais armado que os policiais federais? Ou será apenas porque poderá impedir violência, abusos, espetáculos circenses ou pantomimas televisivas?

E o que é que pode atrapalhar uma prisão em flagrante de um advogado que esteja a cometer um crime, a simples “presença de representante da OAB”?

E porque não pode um advogado ao “sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo” fazê-lo após o voto do relator? Vimos, na prática, que muitas sustentações orais acabariam não sendo feitas se o advogado tivesse antes acesso ao voto do relator. Ou seja: tal restrição acaba por aumentar inutilmente o trabalho do advogado e a retardar a decisão! O que a liminar concedida na ADI pedida pela associação dos juízes desejava? Aumentar o nosso trabalho, retardar a decisão ou as duas coisas? E isso é “inconstitucional” ? Ou seja, é inconstitucional que as garantias dadas pela Carga Magna ao povo, sejam efetivamente observadas? Ou a Constituição é também uma “lei que não pegou”?

A pesquisa do Supremo trouxe um dado importante: o número de juizes é suficiente e está conforme os parâmetros internacionais. Mas o que não está conforme tais parâmetros, mesmo, é o comportamento do Poder Executivo, que é o maior “cliente” do Judiciário, inclusive e principalmente quando promove execuções fiscais de dívidas inexistentes ou prescritas, quando deixa de pagar os precatórios, quando não cumpre as leis que ele mesmo aprova, quando não entrega aos cidadãos os serviços pelos quais eles já pagaram caro e antecipadamente, quando apresenta recursos apenas protelatórios, quando, enfim, se transforma em BANDIDO, na expressão mais exata daquele que descumpre a lei, que dá calote, que confisca o que não deve, enfim, quando o Estado se torna vilão!

Também não está conforme qualquer parâmetro outro dado importante revelado pela pesquisa, que é o custo da Justiça. Ora, se cada cidadão brasileiro paga anualmente, através de tributos, mais de R$ 100,00 reais para seu custeio, porque as custas judiciais são tão elevadas? Em São Paulo, dizem que um processo custa em média R$ 900,00 reais. Mas há casos, na nossa Justiça Estadual, em que para se ingressar com uma ação gasta-se, antecipadamente, apenas para distribuí-la, mais de R$ 30 mil!!!

Ou seja: o povo paga através de tributos e quando procura o Judiciário paga de novo. Aliás, o serviço judiciário neste país é o único que se paga adiantado, não se sabe quando vai ser prestado e nem mesmo se o serviço que vier a ser prestado vai ser satisfatório para aquele que o pagou antecipadamente!

Nós, advogados, talvez não tenhamos muitas sugestões a dar. Quem deve encontrar solução para os problemas do país são os funcionários que para isso são pagos e bem pagos, a começar pelos deputados e senadores, que são, queiram eles ou não, os nossos representantes e ao mesmo tempo nossos empregados. Não queremos, portanto, propor novas leis, mas apenas que as atuais sejam cumpridas.

Por exemplo: que o juiz, seja de uma remota comarca do interior, seja da mais alta corte, faça o seu trabalho. Que cuide de mais de dar andamento aos feitos e menos de dar entrevistas na televisão. Que cobre de seus subordinados o cumprimento dos prazos, esquecendo-se um pouco do comprimento ou das rendinhas que enfeitam suas togas. Que esteja a maior parte do tempo nas suas varas ou tribunais e só excepcionalmente nas festanças de que tanto gostam. Aliás, neste item, alguns advogados são culpados, pois muitas de nossas entidades representativas adoram homenagear magistrados, adoram bajular os que se julgam poderosos, adoram, enfim, manter-se genuflexos e fazer petições e ofícios laudatórios onde sempre SUPLICAM aquilo que é direito do Povo e pelo qual este paga, e muito caro!

Se o mau funcionamento do Judiciário atrapalha o desenvolvimento do Brasil (e atrapalha mesmo!), precisamos fazê-lo funcionar. E isso, ao que parece, não precisa de pesquisas, nem de discursos, nem de “grupos de trabalho”. Precisa apenas daquilo que um militar brasileiro disse certa vez numa batalha: “que cada um cumpra o seu dever”!

Fonte: Revista Consultor Jurídico

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento