Aspectos Jurídicos dos Contratos Eletrônicos

Marcos Gomes da Silva Bruno

I – INTRODUÇÃO:

A contratação eletrônica talvez represente uma das maiores evoluções do crescimento vertiginoso da Internet no Brasil, e em todo o mundo.

Dia após dia, cada vez mais pessoas naturais, e jurídicas, realizam compras, e os mais variados negócios, pelo meio eletrônico. Esse novo meio de negociação, que utiliza a Internet, recebeu no mercado a denominação de comércio eletrônico, que engloba a oferta, a demanda e a contratação de bens, serviços e informações.

Noções tradicionais de territorialidade e temporalidade não mais são referência principal das relações estabelecidas através do meio virtual.

Nesse contexto, tem levantado maior atenção aos operadores do direito algumas questões, tais como: a) a definição e conceituação dos contratos eletrônicos, bem como as formas e finalidades de sua celebração; b) o valor probatório dos contratos eletrônicos e a validade de tais transações; c) a formação dos contratos eletrônicos; d) a adequação dos contratos eletrônicos ao Código de Defesa do Consumidor; e) os contratos eletrônicos internacionais.

Assim, o presente trabalho deter-se-á sobre tais questões, entre outras de menor relevo, porém, interligadas, inevitavelmente.

II – DEFINIÇÃO E CONCEITUAÇÃO:

Embora criticado pelo subjetivismo, o conceito de Clóvis Bevilacqua, baseado no artigo 81 do Código Civil, estabelece que o contrato “é o acordo de vontade entre duas ou mais pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direito” [1], e bem serve para o estudo proposto, que, em virtude da característica contratual (eletrônica), levanta grandes dúvidas do ponto de vista da declaração da vontade negocial.

Seguindo esse ponto de vista, podemos dividir a contratação eletrônica em dois grupos distintos, quais sejam a contratação automática, e a contratação interpessoal. A primeira é aquela que ocorre totalmente automatizada, ou, ainda, aquela em que a relação negocial é estabelecida entre uma pessoa e um sistema previamente programado. Já a segunda, é aquela estabelecida diretamente entre duas pessoas, via internet.

Obviamente, a contratação totalmente automatizada, aquela que dispensa qualquer intervenção humana, suscita maiores questionamentos jurídicos, exatamente pela ausência de qualquer vontade no momento da celebração dos negócios jurídicos.

A fim de facilitar a resolução de tal problemática, é recomendável a adoção do modelo proposto por Marisa Delapieve Rossi [2], que divide as formas de contratação eletrônica em três categoriais, e não duas, como anteriormente proposto:

a) Contratações Intersistemáticas – Aquelas em que a contratação eletrônica se estabelece entre sistemas aplicativos pré-programados, sem qualquer ação humana, utilizando a internet como ponto convergente de vontades pré-existentes, estabelecidas em uma negociação prévia. Tal modalidade ocorre predominantemente entre pessoas jurídicas, para relações comerciais de atacado;

b) Contratações Interpessoais – Já tratada anteriormente neste trabalho, e pela qual, previamente à contratação eletrônica, existe uma comunicação eletrônica (através de correio eletrônico, ou salas de conversação, por exemplo), para a formação da vontade e a instrumentalização do contrato, que é celebrado tanto por pessoas físicas, quanto jurídicas. Diferentemente da contração intersistemática, não é uma simples forma de comunicação de uma vontade pré-constituída, ou de execução de um contrato concluído previamente;

c) Contratações Interativas – Esta talvez seja a mais usual forma de contratação utilizada pelo comércio eletrônico de consumo, vez que resulta de uma relação de comunicação estabelecida entre uma pessoa e um sistema previamente programado. Trata-se de um típico exemplo de contratação à distância, onde os serviços, produtos e informações são ofertados, em caráter permanente, através do estabelecimento virtual (site), que é acessado pelo usuário, que manifesta sua vontade ao efetuar a compra.

III – FORMA E FINALIDADE:

Devemos dividir os contratos informáticos também quanto à sua finalidade, onde teremos aqueles celebrados através de meios eletrônicos, ou, aqueles cuja execução ocorra por meios eletrônicos.

Os celebrados através de meios eletrônicos são aqueles em que a manifestação da vontade ocorre através da internet, anteriormente citados (intersistemáticos, interpessoais e interativos). Já aqueles cuja execução ocorra por meios eletrônicos, são, muitas vezes, firmados em meio físico (papel), porém tem seu cumprimento vinculado à Internet (contrato de hospedagem de informação, por exemplo).

Portanto, quanto à forma, podem ser eletrônicos, obviamente, ou, até mesmo, firmados em meio físico (papel), embora se enquadrem no conceito de contratos eletrônicos.

Assim, o profissional do direito envolvido na elaboração de qualquer contrato eletrônico deve ter especial atenção no objeto do contrato, estabelecendo, com clareza, a forma da manifestação da vontade das partes, a finalidade da contratação (objeto), e como será o seu cumprimento.

IV – O VALOR JURÍDICO DO CONTRATO ELETRÔNICO:

Os contratos eletrônicos, que nada mais são do que uma espécie de documento eletrônico, que consubstancia um negócio jurídico, apresentam, ainda, grande discussão quanto à sua validade, vez que não podem ser efetivamente tratados como documentos jurídicos.

Dentre as questões mais polêmicas, temos a identidade das partes (falsidade ideológica, incapazes, etc), a integridade do conteúdo do contrato (possibilidade de alterações), e a falta de assinatura de próprio punho dos contratantes, talvez um dos maiores problemas envolvendo os contratos eletrônicos.

No entanto, embora o contrato eletrônico seja um documento com menores formalidades que o contrato escrito, historicamente, nossos doutrinadores têm definido o documento como algo material, uma representação exterior do fato que se quer provar.

Nesse contexto, é aplicável, perfeitamente, a definição de CHIOVENDA, para quem “documento, em sentido amplo, é toda representação material destinada a reproduzir determinada manifestação do pensamento, como uma voz fixada duradouramente”. [3]

Assim, extraímos duas conclusões básicas: a) o contrato eletrônico, igualmente ao físico, se enquadra no conceito legal de documento, eis que pode representar um ato ou fato jurídico; d) a validade do contrato eletrônico depende da capacidade de mantê-lo íntegro e não deteriorável, vez que sendo um suporte sujeito a adulterações imperceptíveis, perde parte de sua confiabilidade.

Com efeito, embora essa fragilidade relativa, existem mecanismos nas normas brasileiras que permitem sustentar a validade dos documentos eletrônicos, o que é necessário, vez que “se o jurista se recusar a aceitar o computador, que formula um novo modo de pensar, o mundo, que certamente não dispensará a máquina, dispensará o jurista. Será o fim do Estado de Direito e a democracia se transformará em tecnocracia”. [4]

Conforme sustenta JOSÉ ROBERTO CRUZ E TUCCI, “em nosso país conquanto ainda inexistam regras jurídicas a respeito desse importante tema, permitindo-se apenas na órbita das legislações fiscal e mercantil o emprego do suporte eletrônico, não se vislumbra óbice à admissibilidade deste com meio de prova. Com efeito, o art. 332 do CPC preceitua que são hábeis para provar a verdade dos fatos, ainda que não nominados, todos os meios legais e moralmente legítimos. Assim, a admissibilidade e aproveitamento de meios de prova atípicos deflui, também, do princípio da livre apreciação dos elementos de convicção: Justamente admissão destas provas realça o critério mais seguro para saber se um sistema processual trilha o princípio da livre apreciação judicial da prova” [5]

Assim, conforme anteriormente exposto, é claro o cabimento do documento eletrônico como prova, porque a própria legislação em vigor (art. 332 do CPC) o permite fazer.

No entanto, ainda que possa ser o documento eletrônico equiparado ao documento tradicional, lhe falta a identificação de sua autoria, vez que falta a assinatura.

Nesse ponto, há que se aplicar o artigo 371, inciso III, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que a autoria do documento é normalmente identificável por meio da assinatura, salvo nos casos em que o documento não costume ser assinado.

“Mas, em casos tais, é evidente que algum elemento de prova deve nos levar a identificar o seu autor, fato que não se presume. Assim, mesmo nestas circunstâncias, aquele que juntar documento não subscrito, se contestada a autoria, terá o ônus de prová-la”.[6]

Desta feita, está relativamente resolvido, sem necessidade de maior criação legislativa, o problema da validade do documento eletrônico e da prova de sua autoria, porém persiste o problema da veracidade de seu conteúdo, que é absolutamente vulnerável a adulteração, sem deixar rastros, o que o torna, ao mesmo tempo, uma prova frágil para o processo, de modo a ser recomendável atribuir ao documento eletrônico, ou contrato informático, unicamente, caráter indiciário de início de prova.

Por fim, outro aspecto que merece consideração é a possibilidade da utilização de assinatura digital, ou criptografia, o que impossibilitaria, tecnicamente, a adulteração do conteúdo do documento eletrônico, atribuindo a este uma eficácia probatória plena, não fosse a ausência de legislação. Porém, com pequeno esforço legislativo na aprovação de um dos inúmeros projetos de lei que versam sobre comércio eletrônico, encontrados no nosso Poder Legislativo, o documento eletrônico, um dia, poderá ser efetivamente equiparado ao documento escrito.

V – A FORMAÇÃO DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS:

Para que tenhamos um contrato válido, é necessário que haja um acordo de vontades formalmente concluído. Assim, vale analisar a validade da manifestação da vontade das partes no contrato eletrônico, o que compromete todo o processo de formação do vínculo contratual.

Consoante disposto pelo artigo 129, do Código de Processo Civil [7], prevalece o princípio da ausência de solenidade na celebração dos contratos em geral, o que inclui os eletrônicos, bastando o simples acordo de vontades.

Já essa manifestação da vontade pode ser tácita, desde que a lei não exija forma expressa. Desta feita, delimitamos que a questão é saber se é ou não válida a declaração de vontade emitida através de comandos eletrônicos.

Pelo entendimento doutrinário, a manifestação da vontade pode se verificar de qualquer maneira inequívoca, de modo que o meio eletrônico é hábil à formação do vínculo contratual, desde que se permita identificar o agente.

Porém, para delimitarmos, com exatidão, o momento da formação do contrato, temos que verificar a modalidade da contratação (entre presentes ou entre ausentes).

Sendo uma contratação entre presentes, a proposta é obrigatória se imediatamente aceita, momento em que se conclui a fase negocial. Na contratação entre ausentes, o contrato somente está acabado quando, após prazo razoável, a aceitação é expedida (arts. 127 e 1086 do Código Civil).

Sustentamos que o contrato eletrônico é realizado entre presentes naquelas situações de transmissão instantânea, e realizado entre ausentes naquelas em que a formação do vínculo é diferida no tempo [8].

Portanto, o momento da formação do contrato eletrônico pode diferir, dependendo da simultaniedade, ou não, da declaração da vontade das partes.

VI – O CDC E OS CONTRATOS ELETRÔNICOS:

A grande maioria dos contratos eletronicamente realizados é de consumo (comércio eletrônico), de modo que vale especial atenção às disposições do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que são, obviamente, aplicáveis às compras via Internet.

As mais importantes disposições da Lei de Defesa do Consumidor aplicáveis ao ambiente virtual são, justamente, o dever de informação e o princípio da boa-fé.

O dever de informar, reflexo do princípio da transparência (art. 6º, III c.c. art. 4º, do CDC), exige a prestação de informações claras e corretas sobre as características do produto ou do serviço oferecido ao consumidor (art. 31), bem como sobre o conteúdo do contrato a ser “assinado” (art. 46).

Portanto, preventivamente, o fornecedor deve sempre prestar as informações mais detalhadamente possível para o consumidor, até para prevenir eventual responsabilidade, o que demonstrará, inequivocamente, sua boa-fé, que tem como reflexo o direito de arrependimento para as vendas fora do estabelecimento físico (art. 49).

A impessoalidade e satisfação incerta da contratação via internet, impõe, sem qualquer dúvida, o dever de informação do fornecedor, sob pena de total nulidade do contrato, que poderá ser declarada em juízo.

Nesse ponto, cabem certas considerações sobre a responsabilidade do intermediário (provedor de acesso) pelas transações comerciais efetuadas no ambiente virtual. A princípio, a estes não subsiste qualquer responsabilidade, ressalvada a hipótese deste causar prejuízos às partes de uma contratação eletrônica, por ação ou omissão como prestador de serviços de conexão e transmissão de informações, quando sua responsabilidade deverá ser imposta.

VII – CONTRATOS ELETRÔNICOS INTERNACIONAIS:

Uma das maiores inovações da Internet é, justamente, a possibilidade de contratação entre partes de países distintos, abolindo as tradicionais noções de territorialidade. Contudo, essa nova modalidade de contratação internacional traz alguns problemas, mas que são facilmente resolvidos pela legislação em vigor.

A partir do momento que há a formação de um contrato eletrônico com o fornecedor estrangeiro (aquele que não têm sede física no Brasil), cria-se, obviamente, uma obrigação de adimplemento da obrigação.

Essa obrigação gerada (entrega do produto ou serviço, sem qualquer vício ou defeito danoso à saúde), quase sempre deverá ser adimplida no Brasil, eis que a compra via Internet tem a entrega domiciliar como sua maior comodidade e inovação.

Com efeito, estabelece o artigo 88, inciso II, do Código de Processo Civil, que “é competente a autoridade judiciária brasileira quando no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação”.

Em contra partida, o artigo 101, inciso I, dó Código de Proteção e Defesa do Consumidor, aplicável em contratos internacionais de consumo, estabelece a possibilidade de opção pelo consumidor do domicílio em que deseja demandar a outra parte.

Nesse contexto, eventual medida judicial da parte contratante nacional, em face da internacional, poderá ser movida no Brasil ou no estrangeiro, a escolha da parte nacional, caso trate de relação de consumo.

Definido o foro, passamos à análise da lei aplicável. É certo que o artigo 9º, da Lei de Introdução ao Código Civil, estabelece a aplicabilidade da lei do país em que se constituiu a obrigação, porém no § 1º, do mesmo artigo, há previsão de que “destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.

Portanto, o § 1º, do artigo 9º, da LICC, traz fundamento para a aplicação do direito brasileiro (CDC, por exemplo), mas há que se ter cautela, vez que embora movida a ação no Brasil, a execução de eventual sentença, obrigatoriamente, se dará no país de origem da parte estrangeira, devendo ser observados, de forma analógica, os requisitos do artigo 15 da Lei de Introdução ao Código Civil, sob pena de restrições da eficácia na sentença em solo estrangeiro.

VIII – CONCLUSÃO:

Conclui-se, pois, que a modalidade de contratação eletrônica cresce a cada dia no Brasil, suscitando grandes dúvidas, que aos poucos têm sido resolvidas pelos operadores do direito, mas, ainda assim, seria necessária certa dose de legislação para regular a tão nova modalidade negocial, objetivando conferir maior garantia jurídica às partes contratantes, atendendo, efetivamente, o princípio da estabilidade da ordem jurídica e social.

Porém, enquanto tal estabilidade não é conferida por lei própria, cabe aos profissionais do direito a análise minuciosa de todo e qualquer detalhe existente na elaboração de um contrato eletrônico, sempre objetivando os princípios basilares da livre manifestação de vontade e da obrigatoriedade do cumprimento do contrato (“pacta sunt servanda”), conferindo integral segurança jurídica às partes contratantes, e, assim, mantendo a ordem jurídica e social, sem qualquer desequilíbrio ou má-fé.

MARCOS GOMES DA SILVA BRUNO – Advogado Associado da OPICE BLUM Advogados Associados; Autor da monografia “Os Aspectos Jurídicos do Comércio Eletrônico (2.000); Especialista em Direito Eletrônico – e.mail: mbruno@opiceblum.com.br – www.opiceblum.com.br

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NOTAS DE RODAPÉ:
[1] apud Fran Martins in “Contratos e Obrigações Comerciais”, Ed. Forense, RJ, 2000.
[2] Marisa Delapievi Rossi in “Aspectos Legais do Comércio Eletrônico – Contratos de Adesão”, Anais do XIX Seminário Nacional de Propriedade Intelectual da ABPI, 1999, p. 105.
[3] Instituições de Direito Processual Civil, vol. 3, p. 127.
[4] Paesani, Liliana M., citando Borruso em “Direito de Informática”, ed. Atlas, p. 14, 1998.
[5] Os Meios Moralmente Legítimos de Prova. Ajuris, 39/84 e segs.
[6] MARCACINI, Augusto Tavares Rosa, “O documento eletrônico como meio de prova” – http://pessoal.mandic.com.br/marcacini.
[7] Art. 129, CPC – “A validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”.
[8] vide MIRIAM JUNQUEIRA in “Contratos Eletrônicos”, Ed. Maud, RJ, p. 23.

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