DESCOMPASSO: JUNTAS COMERCIAIS, INPI E, AGORA, FAPESP

Alberto Dantas

O atual momento de discussão que vivemos no que tange à proteção das marcas e os discutidos e discutíveis nomes de domínio é propício para se trazer à tona com plena força à questão do âmbito de proteção do nome de empresa (nova nomenclatura dada, pelo art. 5º, inciso XXIX, da CF, ao antigo e tradicional nome comercial), se é nacional ou, apenas, estadual.

O tema abordado merece destaque devido ao crescente interesse de muitos profissionais do Direito (advogados, juízes, procuradores, professores e estudantes…) e também dos empresários / comerciantes pelo ramo do Direito da Propriedade Intelectual, conseqüência das profundas mudanças comerciais e econômicas que a rede mundial de computadores – Internet – vem promovendo nas relações sociais.

O intuito do presente artigo é fazer ressuscitar a discussão, hodiernamente esquecida, acerca da proteção do nome empresarial: se é estadual ou nacional; contudo com uma nova roupagem condizente com o atual tempo moderno, uma vez que, hoje, só se fala, lê e ouve sobre o conflito entre marcas e nomes de domínio; e onde fica o nome empresarial nesta discussão? Nome empresarial que exerce relevante função social pois confere personalidade à pessoa jurídica e pode servir de óbice ao registro de uma marca.

Assim, defendemos a inclusão nos diversos fóruns de debates acerca do conflito entre as marcas e nomes de domínio, da abordagem da proteção do nome empresarial, vez que, se este impede, com base no art. 124, inciso V, da Lei da Propriedade Industrial – LPI, o registro de uma marca junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), conseqüentemente, é natural e lógico que obste também o registro de nome de domínio; e é aqui que ainda se encontram adormecidos outros potenciais e calorosos conflitos.

Fala-se muito que uma das possíveis soluções atuais para atenuar o conflito entre nomes de domínio e marcas seria uma integração e/ou interação de dados entre INPI e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que é a responsável (a nosso ver, ilegal e inconstitucionalmente) pelo registro dos nomes de domínio. Esta não é uma proposta nova.

Há anos alguns ilustres causídicos militantes na área da Propriedade Intelectual defendem que entre o INPI e as Juntas Comerciais (órgãos estaduais responsáveis pelo registro do nome empresarial) deveria haver uma interação de dados, o que diminuiria o conflito entre nomes de empresa e marcas. Contudo, tal proposta – sua implementação prática – sofre resistências fundamentadas em argumentos como: o número de empresas registradas diariamente em cada Junta Comercial em todo o Brasil; o número de marcas depositadas e registradas no INPI; a dimensão continental do Brasil; a falta de verbas dos governos estaduais; profissionais qualificados; entre outras mais.

Não temos dúvidas da dificuldade prática, decorrente de várias questões relevantes políticas, econômicas, físicas…, para a efetiva implantação deste mecanismo de interação, porém, no atual estágio de desenvolvimento tecnológico que vivemos e presenciamos, dúvidas também não temos da viabilidade técnica, ou melhor, tecnológica desta solução.

A pesquisa de dados poderia ser feita pelo número de inscrição do CNPJ e do CPF, para saber se o interessado, no momento do depósito, já possui outro registro, também poderia haver uma colidência de palavras chaves entre as marcas e nomes empresariais observando o Princípio da Epecialidade já que a exclusividade de uso ao signo distintivo é conferida para determinado segmento mercadológico etc.

É fato que o INPI dificilmente dá provimento a recursos fundamentados apenas e tão-só em anterioridade de nome de empresa, assim como as Juntas Comerciais também, em contrapartida, raríssimas vezes acolhe recursos baseados em anterioridade de marca registrada; infelizmente a dissonância entre estes órgãos é regra, acabando sempre por desaguar os conflitos entre nomes de empresa e marcas no Judiciário, que comumente adota o Princípio da Anterioridade, fazendo prevalecer o registro mais antigo, seja o de marca ou do nome empresarial.

A fim de visualizarmos o problema aqui aventado, inserindo mais um elemento distintivo da empresa que é o nome de domínio (é inconteste que este também pode exercer esta função), atentemos para o seguinte caso hipotético:

– marca depositada em 1998, e registrada em 01/2000;
– nome de domínio registrado em 03/2000;
– nome empresarial registrado em 1997, mediante o devido arquivamento dos atos constitutivos da sociedade na pertinente Junta Comercial Estadual;

para empresas distintas e de diferentes Estados, porém atuantes em um mesmíssimo segmento de mercado.

Ora, sendo certo, a priori, que deve prevalecer em casos de conflitos entre nome empresarial e marca aquele registro que for mais antigo, basta se aplicar também em conflitos de nome empresarial, marca e nome de domínio o Princípio da Anterioridade, pois o que há de diferente nestes em relação àqueles é – apenas – a inclusão de mais um elemento identificador da empresa e seus produtos/serviços junto ao público. No caso hipotético citado prevalecerá por conseguinte o nome empresarial.

Sem levarmos em conta o domicílio das empresas e o território em que atuam, o caso hipotético apresentado se torna, aparentemente, de simples solução como visto. Entretanto, dúvidas e questionamentos exsurgem quando imaginamos: a). ser de Belo Horizonte a empresa proprietária da marca; b). ser a titular do nome empresarial da cidade do Rio de Janeiro; c). e ser a do nome de domínio da cidade de São Paulo.

Se com respeito a um conflito envolvendo nome empresarial e marca, em regra, prevalecerá o registro mais antigo, o mesmo não podemos afirmar em caso conflituoso entre dois nomes empresariais registrados em diferentes Estados, em virtude da polêmica existente se os mesmos possuem proteção nacional ou estadual.

Aqueles que sustentam ser estadual a esfera de proteção, se baseiam na norma prevista pelo art. 33, da Lei n.º 8.934, de 18/11/94 (Lei de Registro Público das Empresas Mercantis e Atividades Afins), que dispõe que “a proteção ao nome empresarial decorre automaticamente do arquivamento dos atos constitutivos de firma individual e de sociedades, ou de suas alterações”, combinado com o § 1º do art. 61, do Decreto n.º 1800, de 30/01/96 (“a proteção ao nome empresarial circunscreve-se à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial que procedeu ao arquivamento de que trata o caput deste artigo”), e com o art. 13 da Instrução Normativa do Departamento Nacional de Registro do Comércio (D.N.R.C.).

Já os que entendem ser a proteção de âmbito nacional, defendem este posicionamento tendo como supedâneo o art. 8º da Convenção de Paris (promulgada pelo Decreto n.º 75.572/75, e combinada com o art. 5º, § 2º, da CF), que confere proteção em nível internacional ao registro do nome empresarial efetuado em um dos países da União, comprovada a anterioridade do mesmo. Assim, por esta norma, não é necessário se obter no Brasil, para proteção em todo território nacional, registros do nome empresarial em cada Junta Comercial do país. Faz-se mister ressaltar que há várias decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) neste sentido.

Nos conflitos restritos a nomes empresariais, com freqüência os Tribunais têm julgado levando-se em conta a localização e a abrangência geográfica das empresas e do público consumidor, além do porte – capacidade econômica – das mesmas; decidindo em inúmeros casos pela possibilidade de convívio entre as empresas possuidoras de nomes empresariais idênticos.

Podemos concluir do exposto que, na prática, a proteção estadual do nome empresarial somente será (como mormente tem sido), aplicada para conflitos que envolvem somente nomes empresariais (apesar de haver decisões do STJ dispondo ser a proteção nacional). Em casos de nome empresarial vs. marca, prevalecerá, como vem prevalecendo, o registro mais antigo, e sendo este pertinente ao nome empresarial, servirá o mesmo como óbice ao registro da marca; desta maneira, por via indireta (conclusão lógica e inafastável), está se conferindo proteção nacional ao nome empresarial. Proteção nacional esta, por via indireta, que está prevista na LPI, em seu art. 124, inciso V.

Por conseguinte, se estendendo a aplicação deste entendimento – prevalência do registro mais antigo, ou seja, do Princípio da Anterioridade –, em casos pertinentes a nome empresarial, marca e nome de domínio, ou até mesmo só de nome empresarial e nome de domínio, na prática, também estará se conferindo proteção nacional ao nome empresarial, caso seja este o registro precedente.

Isto se deve ao fato de que em casos de nome empresarial e nome de domínio utilizados para atividades idênticas e/ou afins, não há como se priorizar, na análise do conflito, a localização e abrangência geográfica das empresas, do porte destas e do público-alvo, haja vista não haver delimitação territorial para os nomes de domínios, e não ser relevante para o uso de um, a capacidade econômica de seu titular, vez que os custos (registro, construção do site etc.) para tal fim não precisam ser vultuosos, muito pelo contrário.

Aliás, proporcionalmente à extensão do uso de um nome de domínio – inexistência de limites territoriais –, há a dimensão do monopólio deste uso, já que o nome de domínio é um bem ímpar e de uso ímpar (daí a importância em se criar e instituir cada vez mais extensões indentificadoras como: .adv, para advogados e escritórios advocatícios; .agr, para fazendas e empresas agrícolas; .far, para farmácias e drogarias…).

Como podemos perceber o nome de domínio, considerando-se seu poder de combustão / polêmica, poderá ser a fagulha “última” que reacenderá a chama da discussão em torno da extensão da proteção do nome empresarial.

Sabemos que é difícil o direito antever em lei os possíveis conflitos sociais, e por este motivo nossas leis são formuladas sempre a reboque dos acontecimentos. Outrossim, não é difícil de se imaginar um real conflito, como o ora idealizado para fins didáticos envolvendo um nome empresarial, uma marca e um nome de domínio, cujos titulares são empresas distintas, sediadas em Estados diferentes e atuantes em um mesmo segmento de mercado, já que não deve tardar muito a bater, se já não houver batido, às portas do Judiciário caso desta cepa.

Por fim, é extremamente importante que o empresário moderno, que esteja, ou pretenda estar, na “onda da nova economia”, valendo-se de novas ferramentas publicitárias e comerciais como o e-commerce, o nome de domínio…, procure hoje obter como nome de domínio não só aquele que corresponda à sua marca, mas também o correspondente ao seu nome empresarial, precavendo e resguardando-se de eventuais transtornos futuros.

Alberto Dantas é advogado

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