Gerardo Silva Jardim
Da idéia que inspirou Maiakosvki em seu poema de maior sucesso, referindo-se às nossas omissões diárias : …um dia eles chegam à porta de nossa casa e timidamente olham nosso jardim, e não fazemos nada; no dia seguinte entram em nosso quintal, colhem nossas flores, vemos, e não fazemos nada; até que por fim entram em nossa casa, roubam nossos bens, nossas mulheres, nossos filhos, e aí já não podemos mais fazer nada…
A Constituição Federal, inspirada na idéia de que os tribunais devem passar pelo chamado “choque cultural”, mesclando a têmpera dos juízes de carreira com a visão diferenciada dos advogados e membros do ministério público ( como se a aplicação da lei dependesse de algum choque), e, para serem órgãos bem representativos de instituições ( como se tribunais devessem ser órgãos representativos), criou o chamado “quinto” constitucional pelo qual uma quinta parte dos tribunais estaduais é integrada por advogados e membros do ministério público, alternadamente, nomeados como representantes dessas classes.
A magistratura de carreira, aquela que se inicia por concurso público e cujo mister é extenuante, árduo, espinhoso, e cuja partida se dá nas entrâncias mais inferiores possíveis e cujo progresso é lento e demorado, ouviu esse agora já longevo “princípio do quinto”… e não falou nada.
Criaram-se os tribunais de alçada. Neles, igualmente, lá veio o “quinto” e partir daí a “boa hermenêutica” começou a aprontar das suas. Ao ascenderem os juízes dos tribunais de alçada ao tribunal de justiça considera-se, com “engenho e arte” que os “representantes” das classes dos advogados e ministério público perderam essa qualidade e tornaram-se magistrados desagregados da origem!
Nunca se cogitou que essa interpretação inutiliza a própria “ratio essendi” da idéia de representação?
O que tem sucedido – invariavelmente e sem exceção alguma nos estados, salvo aqueles que percebendo isso extinguiram os tribunais de alçada – é que os tribunais de justiça não mais contam com quatro quintos de magistrados de carreira.
Nunca se cogitou que a garantia aos “quatro quintos” é relevante no mesmo diapasão do “um quinto” ?
A magistratura de carreira ouviu mais essa… e não falou nada.
Criou-se o Superior Tribunal de Justiça. Nele o “quinto” transformou-se em “terço” , conforme o art. 104 da Constituição, e mais uma vez a magistratura de carreira ouviu… e não falou nada.
E na progressão paulatina dessa inversão de valores, os membros dos tribunais que acedem ao stj o são sem considerar a origem do ingresso, o que só poderia resultar, como resultou, em que dos 33 ministros daquela corte apenas 16 são magistrados de carreira, o significa que o terço virou metade!
Nem vá se falar do STF!
É. Foram-se os dedos; ficaram os anéis!