Rubens Approbato Machado
A Ordem dos Advogados do Brasil, de acordo com a lei 8.906/94, defende a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e o aperfeiçoamento das instituições. Imbuída dessas prerrogativas, a seccional paulista da OAB não poderia ficar indiferente ao “mar de lama” que cerca a administração pública municipal, sob o risco de comprometer a cidadania e aumentar a descrença nas instituições democráticas.
Uma vez que a Lei Orgânica do Município de São Paulo estabelece no art. 72 que o prefeito teria de ser denunciado por vereador, partido político ou qualquer munícipe eleitor, o conselho seccional decidiu, por votação unânime, com base no relatório do conselheiro Márcio Cammarosano, delegar ao presidente da entidade – como munícipe, eleitor e depositário da confiança do conselho – o oferecimento de denúncia contra o prefeito de São Paulo por infrações político-administrativas.
Paulo Brossard ensina que “a idéia de responsabilidade é inseparável do conceito de democracia. E o impeachment constitui eficaz instrumento de apuração de responsabilidade e, por conseguinte, de aprimoramento da democracia”. É dentro desse espírito que a OAB-SP está engajada com a opinião pública, indignada contra a ostensiva e exposta falta de moralidade pública, decorrente de denúncias de toda sorte, indícios e outros elementos probatórios imputados ao chefe do Executivo municipal e que não podem ser ignorados sob pena de debilitar a cidadania.
A Ordem dos Advogados do Brasil já liderou outro movimento de defesa da probidade administrativa, em 1992, contra o então presidente Fernando Collor de Mello. O impeachment foi o instrumento capaz de exigir que o chefe do Executivo prestasse contas aos brasileiros de seus atos. Muitos alarmistas previam que o impedimento do presidente levaria o país consigo.
Pelo contrário, o pedido de impeachment, junto com a manifestação dos caras-pintadas, da população – que externou sua indicação por meio do “luto” – e da imprensa, que foi às últimas consequências do direito social à informação, propiciou uma aula de cidadania e o fortalecimento da democracia brasileira. A partir daí, esse instrumento disseminou-se. O impedimento vem sendo utilizado por dezenas de prefeituras para excluir da vida pública administradores ímprobos. A discussão sobre a responsabilidade do governante é mais antiga do que parece. Antecede a República. Embora o imperador não estivesse sujeito à responsabilidade, seus ministros de Estado, por intermédio dos quais exercia o poder, eram responsáveis por abuso de poder, concussão, suborno, dissipação de bens públicos, entre outros crimes.
Essa mesma responsabilidade é cobrada do chefe do Executivo municipal de São Paulo. A denúncia que está sendo oferecida à Câmara em nome do presidente da OAB-SP não possui coloração político-partidária nem será fundamentada de afogadilho. Reúne a voz e a colaboração dos advogados.
Não há no ato da OAB-SP, ao contrário do que dizem alguns pregoeiros da inércia, uma prévia condenação sem defesa do prefeito. Ao reverso: o pedido de impedimento é o início de um processo em que deve ser seguido o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Se inocentado, o chefe do Executivo retoma as rédeas da governabilidade. Se condenado, estará sujeito a perder o mandato por cassação, de acordo com o art. 72, inciso II, combinado com o art. 73, IV, alíneas “b” e “d” da Lei Orgânica do Município de São Paulo.
O Estado Democrático de Direito só pode ser construído com o respeito às leis e às instituições. Por isso, a OAB-SP, na vanguarda das demandas sociais e na defesa do restabelecimento da moralidade pública e da cidadania, convoca todas as entidades da sociedade civil a participar de uma vigília cívica para acompanhar a tramitação da peça acusatória, sobre a qual os vereadores terão, por certo, total independência (e responsabilidade) para deliberar. Com respeito à lei e à ética, queremos expor à luz pública os atos de um governante para revelar a verdade, que todo governado tem o direito de conhecer.