A internet e os tribunais

Renato M. S. Opice Blum

O Brasil já conta com aproximadamente 8 milhões de internautas e previsões de movimentar U$ 60 bilhões no comércio eletrônico em 2.004. As perspectivas otimistas relacionadas ao sucesso de negócios através da rede crescem a cada dia. Estudos concluem que a presença virtual pode significar a sobrevivência da própria empresa. Para o consumidor estima-se que as compras pela internet chegam a ser 15% mais baratas que as demais. Para o fornecedor a redução dos custos associados à estrutura de vendas podem ser até 80% menores.

A dependência do mundo virtual é inevitável. Grande parte das tarefas do nosso dia a dia são transportadas para a rede mundial de computadores, ocasionando fatos e suas conseqüências, jurídicas e econômicas, assim como ocorre no mundo físico. A questão que surge é relacionada aos efeitos dessa transposição de fatos, basicamente a sua interpretação jurídica. Como exemplo, podemos citar a aplicação das normas comerciais e de consumo nas transações via internet (responsabilidade perante o Código do Consumidor), a questão do recebimento indesejado de mensagens por e. mail (spam), a validade da mensagem eletrônica, o conflito de marcas com os nomes de domínio, a propriedade intelectual, a responsabilidade dos provedores de acesso à internet e os crimes de informática.

A legislação brasileira pode e vem sendo aplicada na maioria dos problemas relacionados à rede. Para questões específicas ou controvertidas, como a assinatura digital e os crimes de informática, existem projetos de lei em tramitação. Diversas nações possuem regulamentação sobre a matéria, destacando-se os Estados Unidos, membros da União Européia, Canadá, Argentina e Colômbia. No Brasil, a recente Lei nº 9.800/99 permite o envio de petições via e. mail ao Poder Judiciário, observados certos requisitos.

A questão da validade do documento eletrônico movimentará o meio jurídico. Basta afirmar que uma simples mensagem enviada por e. mail difícilmente tem plena validade jurídica. Em tese, por meio de recursos técnicos, é possível alterar documentos sem deixar vestígios. Por outro lado, através da técnica da assinatura digital, torna-se possível garantir a autenticidade e a veracidade de um documento eletrônico e, por consequência, atribuir validade jurídica ao mesmo. A assinatura digital é, em síntese, uma codificação, garantida e atribuída por uma terceira pessoa, demonstrada por um certificado que identifica a origem e protege o documento de qualquer alteração sem vestígios. Aqueles que dispõem da assinatura digital já podem efetuar troca de documentos e informações pela rede com a devida segurança física e jurídica.

Outro assunto interessante é o recebimento de mensagens indesejadas ou não solicitadas, mais conhecido como “spam”. O Projeto de Lei nº 1589/99 trata do assunto, dispondo que aqueles que praticarem essa conduta deverão informar o caráter da mensagem. Questiona-se o efeito prático da medida proposta, pois, na grande maioria dos casos, não há como identificar a comunicação sem a abertura da caixa postal. Os países da União Européia deverão ter registros específicos para esse tipo de correspondência. Nos Estados Unidos, aquele que proceder como “spamer” poderá ser condenado civil e criminalmente. Independentemente de normas especiais, no Brasil, aquele que enviar “spam” poderá ser responsabilizado nos termos das leis em vigor, desde que haja a efetiva demonstração do prejuízo causado.

No tocante as marcas registradas ou notórias que conflitam com nomes de domínios de sites na internet, a questão é controvertida, porém a tendência é a proteção ao detentor da marca. Deve-se destacar que, em 1995, a International Trade Mark Association reconheceu a identidade da marca ao nome de domínio. Além disso, jurisprudência francesa e americana tendem nesse entendimento. Merecem destaque, também, as primeiras decisões judiciais brasileiras nesse contexto: a 14ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concedeu o direito de uso do domínio “rider.com.br” ao detentor da respectiva marca; no mesmo entendimento é a decisão da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná quanto ao domínio “ayrtonsenna.com.br”.

Outro fator que não pode ser deixado de lado é a problemática da segurança no mundo virtual, que merece atenção destacada. Aproximadamente 1/3 das empresas brasileiras já foram atacadas por hackers. Os efeitos decorrentes desse aspecto ensejam a busca pela responsabilidade do ato danoso, seja na esfera criminal ou na cível, justificando, também, a preocupação com a discussão e debate do assunto, propondo, inclusive, a necessidade de regulamentação específica urgente.

As relações virtuais e seus efeitos são realidade. A tendência é a substituição gradativa do meio físico pelo virtual ou eletrônico, o que já ocorre e justifica a adequação, adaptação e interpretação das normas jurídicas nesse novo ambiente. Na grande maioria dos casos é possível a aplicação das leis existentes o que gera direitos e deveres que deverão ser exercidos e respeitados. Assim, de rigor e imprescindível o estudo, orientação e aplicação da internet como ambiente de resultados legais sérios e com enorme potencial de efeitos jurídicos, como, por exemplo, a possibilidade, desde já, da assinatura de contratos eletrônicos entre as partes com segurança muitas vezes superior àquela utilizada no meio físico.

Renato M. S. Opice Blum é advogado e economista; Sócio da OPICE BLUM Advogados Associados; Professor de Direito da Informática; Pós-graduando pela PUC-SP, com extensão na Eastern Illinois University; Fundador e Conselheiro do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI

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