A Arbitragem e os Contratos Administrativos

Leon Frejda Szklarowsky

Projeto de alteração da lei de licitações e contatos

É indiscutível a exigência de inovações e superação de arcaicas fórmulas, em um universo que se transforma, a cada segundo, e não é mais o mesmo, de há poucos anos atrás, devendo-se amoldar aos novos tempos, em que os negócios e as transações se realizam em frações de segundos, concretizando, na prática e naturalmente, o princípio basilar da Carta da ONU que, no artigo lº, 3, proclama a cooperação internacional, para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, de cujo Organismo o Brasil faz parte.

Ao ter-se filiado à ONU, o Brasil aderiu integralmente ao seu Estatuto, que manda confiar a resolução de conflitos à Corte de Haia ou a outros Tribunais já existentes e que vierem a existir. Citem-se, entre outros tratados, o Protocolo de Brasília firmado em dezembro de 1991, que é o instrumento essencial para o funcionamento da vida econômica do MERCOSUL, estabelecendo um sistema não jurisdicional para soluções de conflitos, com a previsão de criação de um tribunal supranacional.

O Direito Comercial é, por excelência, dinâmico e consuetudinário. Também o é o Direito Internacional Público. A sociedade deve afeiçoar-se a este novo mundo de gigantescas e rápidas mutações, quando, ironicamente, a sonda espacial MARS PATHFINDER pousou, no planeta Marte, percorrendo 500 milhões de quilômetros, com uma precisão matemática, em apenas 7 meses.

O Brasil, de há muito, prevê em seu ordenamento jurídico o desfecho de conflitos, através da arbitragem, um dos mais antigos e eficazes instrumentos utilizados pelo homem, seja para dirimir disputas internacionais, como para dirimir questões de direito privado, especialmente de direito comercial.

O CPC de 1939, adotava a arbitragem, julgada compatível com a Constituição de 1946 – art. 141, § 4o., que corresponde ao atual inciso XXXV do art. 5o. ( cf. Pontes de Miranda, citando julgado do Tribunal de Justiça do antigo Distrito Federal, Com. ao CPC, For., 1962, XV/136). O Código atual também não se furtou de disciplinar o juízo arbitral.

A Constituição vigente expressamente manifesta sua adesão aos Tratados Internacionais de que o País seja parte (artigo 5o, § 2o.) e não se incompatibiliza com o juízo arbitral.

A Lei 9307/97 não deixa margem a qualquer dúvida, quanto a sua constitucionalidade, porquanto o artigo 25 determina que, sobrevindo, no curso da arbitragem, divergência acerca de direitos indisponíveis, de cuja existência ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral mandará as partes, para o Juízo competente, A seu turno, o artigo 31, erige a sentença arbitral, se condenatória, em título executivo, com os mesmos efeitos da decisão proferida pelo Poder Judiciário e não inibe a parte de ingressar, em Juízo, seja para embargar possível execução, seja para demandar sua nulidade ( artigos 31 a 33 ). Neste sentido, a opinião dos doutos (Célio Borja, Frederico Marques e Hamilton de Moraes e Barros, apreciando a lei anterior, e, já, recentemente, José Janguiê Bezerra Diniz, Geraldo Brindeiro, Carlos de Laet, Stefânia Guimarães e Regis de Oliveira). A sentença arbitral estrangeira ficará sujeita apenas à homologação do Supremo Tribunal Federal, para ser reconhecida ou executada, no País.

Não obstante, com relação à arbitragem de conflitos, quando presente a Administração Pública, surgem algumas dúvidas, porque os bens públicos são indisponíveis.

A jurisprudência já se têm pronunciado a respeito.

O TCU, em memorável julgamento, conquanto tenha manifestado ser inadmissível o juízo arbitral, nos contratos administrativos, porque contrário aos princípios de direito público, consignou expressamente que falta na verdade a autorização legal e cita um julgado do antigo TFR que apregoa textualmente não poder a autarquia celebrar compromisso para resolução de pendências por meio de juízo arbitral, sem autorização legislativa ( cf. BLC 9/93, Rel. Min. Homero Santos, TC 8217/93-9). O EXCELSO PRETÓRIO, contudo, julgando o caso LAGE, reconheceu a legalidade do juízo arbitral, ainda que em ações contra a Fazenda Pública, assentando que legítima é a cláusula de irrecorribilidade, que não ofende a CF (Rel. Bilac Pinto, RTJ 68/382). O STJ sentenciou: “nos contratos internacionais submetidos ao Protocolo de Genebra de 1923, vigente no Brasil, a cláusula arbitral prescinde de ato subsequente do compromisso e é por si só apta a instruir o juízo arbitral” (RE 616-RJ, Rel. Min. Evandro Gueiros, DJU, Seção I, 13.8.90, p . 7646).

E a recente Lei 8987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos previstos no artigo 175 da CF, estabelece como cláusula essencial a que diz respeito ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais, conquanto se aplique a esses contratos administrativos a Lei 8666/93, a qual estabelece as normas gerais sobre licitações e contratos com a Administração Pública.

A Carta Magna não se opõe a soluções heróicas, assim que, no artigo 217, trata da Justiça Desportiva e avisa que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas, após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva regulada em lei. Também o artigo 114, no seu § 1o. , admite a eleição de árbitros, frustrada a negociação coletiva.

A melhor doutrina aconselha, com ênfase, essa postura, destacando-se os mestres, Carlos Mota Pinto, Toshio Mukai e Maria C. Menezello.

O Estado ( lato sensu ) não estará desassistido, por que conta com a presença de seus advogados e procuradores, nem o Poder Judiciário estará alijado, como demonstrado. Basta que o legislador se sensibilize e consinta, expressamente, que as entidades estatais se submetam à arbitragem.

Recentemente, encaminhamos a Sua Excelência o doutor Marcos Maciel, autor do projeto de lei, que se transformou na Lei 9307, e ao Professor Gilmar Ferreira Mendes, proposta, visando acrescentar à Medida Provisória, 1531, reeditada mensalmente, que altera a Lei 8666/93, sobre normas para licitação e contratos da Administração Pública, uma disposição semelhante à já existente na Lei 8987, de 13 de fevereiro de 1995, que trata do regime de permissão e concessão do Serviço Público ( artigo 23, XV), autorizando expressamente a solução das divergências contratuais e no âmbito das licitações, de forma amigável, através da arbitragem. Este dispositivo, norma geral, poderá estar contido no parágrafo 4o. do artigo 3o. Este parágrafo fora vetado pelo presidente da República e encontra-se ocioso, in verbis:

O artigo 3o. da Lei 8666/93 fica acrescido do § 4º:

“No âmbito das licitações e nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, as divergências contratuais e sobre o certame licitatório poderão ser solucionadas, de forma amigável, por meio da arbitragem, contando com a presença de representante do contratante – Poder Público” – e desde que prevista, no edital e no contrato.”

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