Ação de Investigação de Paternidade

S E N T E N Ç A

JUÍZO DE DIREITO DA VARA DE FAMÍLIA, INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE NOVA
FRIBURGO

Processo número 21.998/95

Vistos etc.

L.S. DA SILVA, ajuizou ação de investigação de paternidade contra P. C. V. DE A , alegando ser ele o seu pai, tendo a concepção ocorrida durante período em que Maria da Glória Ferreira Da Silva, trabalhava como doméstica, na residência dos pais do requerido.

Acostou à exordial, certidões e cópias de documentos civis.

Citado, o réu apresentou contestação a fls. 19/21, negando qualquer tipo de envolvimento ou relacionamento sexual com a mãe do autor, ou com qualquer outra empregada doméstica, mesmo porque, à época da concepção, contava com 14 anos de idade, sem experiência na área sexual. Conclui atribuindo à exploração política, o ajuizamento da presente ação, que seria represália ao fato de não haver, ele réu, ajudado financeiramente o autor, quanto lho solicitou.

Réplica a fls. 24 e 27/30. A partir deste ponto, voltou-se o esforço processual à realização de exame de D.N.A, que culminou por não ser realizado ante a negativa do réu (fls. 47).

Após dois adiamentos, foi a audiência realizada a fls. 77/90, com os depoimentos pessoais das partes e inquirição de testemunhas tanto do autor quanto do réu, que novamente negou-se a se submeter a exame de D.N.A.

Nova audiência a fls. 100/102, e outro adiamento a fls. 107, para finalmente ocorrer a audiência de fls. 112/117 com a oitiva de testemunhas referidas.

Alegações finais do autor a fls. 118/124 e do réu a fls. 125/129, manifestando-se o Ministério Público a fls. 131/133.

Vieram os autos conclusos em 09 de novembro de 1999.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Em depoimento pessoal o autor diz que só tem conhecimento da paternidade investigada por informações de seus familiares. Esclarece que por diversas vezes procurou pelo réu para pedir auxílio financeiro, nunca tendo sido atendido, e que a única ajuda que recebeu da família do réu, foi quando Irene e Cema, tias do mesmo foram à maternidade entregar uma manta e um pedaço de goiabada à mãe do declarante, que jamais procurou pelo réu.

A primeira testemunha do autor, prestando depoimento a fls. 80 esclarece que:

“Dona Felícia, falecida avó materna do autor, costumava dizer que Lael é filho do Sr. Paulo; que ninguém mais disse ao declarante que Lael seria filho de Paulo; que quando conheceu a mãe do autor, Lael já era nascido.”

Da mesma forma o informante ONOFRE JANUÁRIO, (fls. 81) diz que a mãe do autor alegava que o réu era o pai do autor, não sabendo dizer, no entanto, se a mesma engravidou durante o tempo em que trabalhava na casa dos pais do réu.

Prosseguindo, a informante IZOLINA FERREIRA VENTURA (fls. 82), irmã da mãe do autor, diz que só após o nascimento é que ficou sabendo da situação de sua irmã Maria da Glória, posto que antes disso não tinha nenhuma informação ou desconfiança de relacionamento entre ela e o réu, e

“…foi comunicada acerca do nascimento do menino, pelos avós do réu; que na ocasião os avós do réu disseram à declarante que a mãe do autor alegava ser o réu o pai da criança, mas que os avós do mesmo (réu), acreditavam que não poderia ser filho do réu, pois o réu ainda era muito novo; que quando foi à maternidade visitar a irmã, a mesma disse que o filho era do réu…

que jamais ouviu ninguém da família de Paulo dizer que o mesmo era o pai de Lael…

Que Dona Lucilia jamais disse à declarante que sabia ser o autor filho do réu, perguntando apenas como ia o menino.”

Em depoimento pessoal, o réu a fls. 84 nega qualquer envolvimento com a mãe do autor, e sustenta não ter tido o “hábito adolescente de manter relações sexuais com as empregadas”. Afirma ainda que o autor só se aproximou dele réu, para obter vantagens financeiras, nunca antes tido a iniciativa de procurar para ajudá-lo ou tentar aproximação e relacionamento característico entre pai e filho, sequer quando esteve preso.

A testemunha de fls. 86 não trouxe qualquer elemento esclarecedor da situação posta para julgamento, a não ser o fato de que nunca viu qualquer exploração política da paternidade imputada ao réu. Fosse fato notório, como afirma-se na petição inicial, não passaria incólume nas batalhas eleitorais!

GALDINO NORONHA, a fls. 88, diz que freqüenta a casa dos pais do réu, desde 1953, e nunca viu nenhuma empregada doméstica grávida, ou qualquer comentário de que o mesmo tivesse se envolvido sexualmente com qualquer delas. Teve conhecimento que o autor procurou pelo réu, já na condição de Prefeito Municipal, se dizendo filho deste, e pedindo auxílio financeiro e emprego.

No mesmo diapasão, a testemunha de fls. 90, diz que conhece o réu desde a infância, nunca tendo ouvido qualquer comentário, mesmo na casa dos pais deste, da paternidade que se pretende imputar, não tendo também visto qualquer empregada grávida, na casa onde residia o réu.

Prosseguindo na instrução, colheu-se o depoimento de fls. 101, de MARIA DA GLÓRIA FERREIRA DA SILVA, mãe do autor, que confirmou todos os fatos mencionados na peça autoral, além de complementar alegando que manteve relações sexuais por seis vezes, e verdadeiro namoro com o réu, que durou por toda a gravidez. Este envolvimento no entanto só se iniciou cerca de dois anos após estar trabalhando como doméstica na casa dos pais do réu.

Finalmente, em audiência de fls. 112 e seguintes foram inquiridas 5 testemunhas, que não trouxeram qualquer fato novo que tenha relevo para o desenlace da causa, afirmando também que nunca viram qualquer empregada doméstica grávida, ou bebê recém nascido, na casa onde morava o réu.

Finalizada a fase probatória, concluiu o autor pela presunção de veracidade dos fatos narrados na peça preambular, ante a recusa do réu em se submeter ao exame de DNA. Afirma também que a mãe do autor era a única empregada que havia na casa, o que não se verifica em qualquer depoimento.

Já o réu justifica sua recusa a se submeter a exame de DNA, pelo fato de o pedido não ser calcado em motivações razoáveis. Ademais, ao se recusar, estabelece-se presunção relativa de paternidade, invertendo-se portanto o ônus probatório, e o réu tratou de demonstrar a inverdade dos fatos alegados pelo autor. Coletou diversas contradições entre os depoimentos colhidos e as afirmações trazidas aos autos pelo autor.

Opinando a fls. 132 o Ministério Público conclui que restou evidenciado que a mãe do autor foi empregada doméstica na casa dos pais do réu em período compatível com a concepção, sem contudo indicar de onde provém tal certeza, o que, somado ao fato de negar-se o réu a se submeter a exame de DNA, deve conduzir ao julgamento pela procedência do pedido.

Por óbvio que não está o réu obrigado, nem pode ser compelido a se submeter a exame sangüíneo.

“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Prova. Recusa do investigado em submeter-se ao exame de DNA. PRESUNÇÃO DA VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS. Inteligência dos artigos 136-V, do CC. E 332 do CPC.

Se exame hematológico é necessário para a negativa de paternidade, cumpre ao réu o ônus de ceder o sangue exigido, sob pena de a recusa ser interpretada em seu desfavor.”

(TJAC. AP.CIV. 505/95 E 96.0000228-6 (24.3.1997).

“Não há lei que obrigue, seja o pai ou a mãe, réu em uma ação de investigação de paternidade, a submeter-se ao exame de DNA solicitado. Porém a recusa em submeter-se ao exame pericial sem qualquer justificativa, leva à presunção da veracidade dos fatos alegados, aplicando-se a regra do artigo 359 do CPC.”

(RT. 750/336).

Em julgamento do HABEAS CORPUS 71.373-4, RS, o pleno do STF, tendo como relator o Min. Marco Aurélio, em acórdão publicado em 21.2.96, colocou o tema da seguinte forma: “O que temos em mesa é a questão de saber qual o direito que deve preponderar nas demandas de verificação de paternidade: o da criança à sua real (e não apenas presumida) identidade ou do indigitado pai à sua intangibilidade física.”.

Transcrevo alguns aspectos e passagens do voto do Min. Francisco Rezek.

“Provas documental e testemunhal são quase sempre impossíveis. No campo pericial o desenvolvimento científico facilita a busca da verdade, mas obstáculos como a recusa à submissão ao exame podem ocorrer. Deve o julgador saber valorar com os demais elementos de prova, a insubordinação. A recusa mesma induz à presunção de paternidade, facilitando o desfecho da demanda, mas resolvendo de modo insatisfatório o tema da identidade do investigante.”

“Nesta trilha, vale destacar que o direito ao próprio corpo não é absoluto ou ilimitado. Por vezes a incolumidade corporal deve ceder espaço a um interesse preponderante, como no caso da vacinação, em nome da saúde pública. Na disciplina civil da família, o corpo é, por vezes, objeto de direito. Estou em que o princípio da intangibilidade do corpo humano, que protege um interesse privado, deve dar lugar ao direito à identidade, que salvaguarda, em última análise, um interesse também público.”

Em tema de investigação de paternidade, o juiz dispõe, na apreciação da prova, de maior discricionariedade e, por não poder a prova repousar sempre em certeza absoluta, deverá socorrer-se de presunções e indícios capazes de gerar certeza relativa, que resulta de um estado subjetivo de convicção. Evidenciada a coincidência entre a concepção do filho e as relações sexuais da mãe com o suposto pai, de reconhecer-se a almejada paternidade.

“Todavia, como a certeza corresponde normalmente à verdade objetiva e esta nem sempre pode ser apurada, é o direito, normalmente para a comprovação dos fatos judiciais, levado a contentar-se, em regra, com aquela certeza subjetiva do magistrado, certeza moral, a que se tem chamado de “convencimento judicial” isto é, o assentimento definitivo da vontade que, esclarecida pela razão e tendo em vista as circunstâncias, rejeita definitivamente as possibilidades contrárias”.

(J.L.V. de AZEVEDO FRANCESCHINI e Antônio Sales de Oliveira, Direito de Família – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo, Ed. RT.1973, vol. III/1.414, verb. 3.440).

E, quais, no bojo dos autos os elementos determinantes da certeza subjetiva existentes? Ao contrário do que concluiu o MP, “permissa vênia” não restou evidenciada a relação amorosa ou sexual da mãe do autor com o réu e, a bem da verdade, não se provou sequer se esta trabalhou como empregada doméstica na casa onde residia o réu à época da concepção, posto que as informações testemunhais são contraditórias e, de forma nenhuma conclusivas.

“Na investigação de paternidade admite-se a prova indireta, resultante do relacionamento da mãe do autor com o pretendido pai. A liberdade dos costumes, que inclui relações sexuais em namoros prolongados, permite inferir-se a paternidade da manutenção de namoro durante o período da concepção, se outros elementos de prova, como o exame genético, não excluem mas indicam a paternidade”.

(Ap. Cível 37.953, 1a Câmara Cível do TJRS. Relator, Des. Athos Gusmão Carneiro).

Focando o tema que compõe o mérito da questão posta para julgamento, é sabido que para o nosso Código a paternidade ilegítima, da mesma forma que a legítima, decorre de uma presunção. As palavras da mãe do autor, restaram isoladas e desacompanhadas de qualquer indício de demonstração de que sejam verídicas, o que seria necessário para fazer com que a presunção resultante da negativa de se submeter ao exame de DNA, conduzisse à procedência do pedido.

Sem descurar do extremo avanço verificado pela possibilidade de realização do exame de DNA, chegou-se ao extremo da minimização dos clássicos meios processuais de prova, o que pode ser facilmente deduzido das decisões jurisprudenciais sacralizando a perícia genética, como sendo a suprema das provas. Prescreve Maria Celina Bodin de Moraes, em preocupante vaticínio que: “a certeza científica, oferecida pelo exame de DNA, para determinação da paternidade encontra hoje um único obstáculo: a recusa do suposto pai a entregar o material necessário ao teste” (A nova família: problemas e perspectivas. Ed. Renovar, Rio de Janeiro, 1997, p. 184). Esta superconfiança no exame científico conduz ao desdém e à profunda e quase insuperável descrença sobre os demais meios processuais de prova a demonstrar que a cega aceitação da perícia do DNA carrega sempre este perigoso e deletério efeito de influenciar sobre os outros meios legítimos e lúcidos de prova judiciária.

Esta preocupação é também externada por SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA, em voto por ele proferido na Apelação Cível 595.074.709, em que afirma já ser hora de repensar a verdadeira sacralização e divinização do exame de DNA, alçado à fórmula milagrosa de resolução de todos os problemas pertinentes à investigação dos vínculos de filiação. Já é momento de evitar o endeusamento do resultado pericial, convertido o julgador num agente homologador da perícia genética, certo de ela possuir peso infinitamente superior a de qualquer outra modalidade de prova judicial. Este culto ao resultado pericial não vem sendo compartilhado entre renomados peritos, como Anete Trachtenberg, ao afirmar a falibilidade do teste de DNA, pelo fato de os laboratórios carecerem de dados estatísticos tão caros e próprios da população brasileira, composta por uma raça mista, de características singulares, divergentes dos levantamentos estatísticos realizados com os povos dos Estados Unidos e o da população européia.

Como boa quantidade de erros podem ser cometidos, já não é possível prosseguir com esta cega confiança dos cultores do Direito nos testes de DNA, que não podem ser considerados conclusivos, apenas servindo como mais um elemento probatório.

Ora, se o resultado positivo de um exame pericial não mais pode ser considerado como definitivo e absoluto, pela elevada margem de probabilidades de equívocos, como se firmar presunção de que a não concordância em ceder material para o exame conduza inarredavelmente à paternidade investigada? Esta presunção há que vir acompanhada de outros meios probatórios, que escorem e reforcem a “presunção hominis”. Sem isso, cai no vazio, resta isolada e enfraquecida. Os entraves e contradições verificados em alegações finais do réu, através dos depoimentos das próprias testemunhas autorais, conduzem à impossibilidade de se afirmar com razoável certeza, que a mãe do autor manteve qualquer tipo de relacionamento com o réu e, via de conseqüência, à improcedência do pedido.

“Uma ação judicial promovida para investigar paternidade não reconhecida voluntariamente traz para as partes nela envolvidas uma compreensível perturbação na sua estrutura emocional, desequilibra e interfere no relacionamento conjugal da pessoa investigada, assim como abala o seu núcleo familiar.”

O devido procedimento legal aconselha que o magistrado, no quadro atual de desdivinização da famigerada prova técnica, investigue e encontre por primeiro, os subsídios de prova capazes de encorajá-lo a dar fundamentado seguimento na busca processual da anunciada paternidade, valendo-se, depois de meditar sobre um conjunto mínimo de provas, da verossimilhança entre a alegativa parental e sua possível conexão fática.

Não se afigura nem ético, e muito menos judicioso que a pessoa demandada numa ação de investigação de paternidade possa ser aprioristicamente constrangida, sob a ameaça suprema de se tornar pai por presunção, a realizar prova pericial com preferência pré-ordenada para o teste do DNA, sem que o investigante tivesse, anteriormente, logrado convencer o juiz de alguma razoável procedência de suas alegações iniciais.

Acontece que este precipitado sacramento do teste genético, sempre ordenado sob a sutil ameaça da presunção de paternidade pela negativa em realizá-lo, tem provocado corrosivas injustiças, já que ignoram o equilíbrio e adequada distribuição do conjunto probatório processual. Quando se cuida de uma delicada demanda que procura investigar, com rigor devido, os vínculos genéticos que tratarão de marcar a história e a identidade do investigante e da pessoa investigada, é preciso muito mais do que prudência por parte do magistrado ao julgar a investigatória.

“Não basta ao interessado na investigação de seu nexo biológico louvar-se no exame de DNA, que deve ser lido num conjunto probatório muito mais denso e verdadeiramente seguro.”

(Marco Aurélio Sincerely Viana. Alimentos, ação de investigação de paternidade e maternidade. Ed. Del Rey, 1998, Belo Horizonte, p. 27)

Contra o bom senso e a ética apresenta-se dar crédito jurídico extremo aos fatos alegados e depositar toda essa credibilidade na reação de negativa do investigado em querer se submeter ao exame de DNA, servindo este seu gesto como indício absoluto de que se rebela sempre contra o teste, por ter consciência de que é o pai. Conclusão de gravíssimos efeitos, porque retira do investigado até o natural impulso da indignação pessoal por ser devassado em sua vida pessoal e familiar, não sendo tolerada qualquer justificativa, senão a invariável conclusão de que seu gesto processual de negativa ao exame se trata de um claro indício de procedência da paternidade.

Não há em nosso ordenamento jurídico lei que obrigue, seja o pai ou a mãe, réus em uma ação de investigação de paternidade, a submeter-se ao exame pericial indicado, até porque nenhum juiz pode obrigar ou mesmo coagir algo que a lei não o obriga, e ainda mais, fere o princípio constitucional inserto no artigo 5o – II no sentido de que: “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.A jurisprudência de nossos tribunais é pacífica em negar a obrigatoriedade para que o réu se submeta ao exame técnico, bem como o Excelso STF ao manifestar-se sobre o assunto pacificou que: “Ninguém pode ser coagido ao exame ou inspeção corporal, para a prova cível”(RJTJSP 99/35, 111/350, 112/368 e RT 633/70).

Mansa e pacífica, também, a jurisprudência de nossos Tribunais no sentido de que a recusa injustificada evidencia-se a “presunção hominis”, regulada no artigo 335 do CPC, de ser o réu o pai da criança.

“A recusa do réu em investigação de paternidade de se submeter a exame hematológico leva à presunção de veracidade dos fatos alegados, aplicando-se a regra do artigo 359 do CPC.”

(RT. 633/70; RJTJSP 99/35; RTJ 134/202, Jurisprudência Mineira 118/214 e 124/91).

No entanto, como afirmado acima, esta presunção não pode ser considerada com exclusividade, há que vir acompanhada de outros elementos probantes que possam conduzir o julgador à razoável certeza da paternidade imputada.

Houve um tempo em que o casamento fazia presumir a paternidade, e a maternidade era sempre certa. Atualmente, são conceitos relativizados, pois no terreno da filiação biológica, mesmo num cenário de altíssimas probabilidades, enquanto só aparência, nada mais comporta verossimilhança por mera presunção. Ora, se casamento e maternidade já não mais carregam o selo da incontestável verdade biológica, seria extremamente perigoso absolutizar a presunção de paternidade pelo singelo gesto processual de se negar em realizar o teste pericial de DNA.

“O investigado pode se negar a realizar o exame pericial quando invoca o direito constitucional de não submeter o seu próprio corpo a uma prova que não deseja, fazendo nascer a presunção contra si..

A presunção deve ser invocada exclusivamente no conjunto da prova, em que todos os elementos probantes puderam ser judicializados e avaliados, sem o péssimo costume, reiteradamente verificado, de tarifamento e de subestimação dos recursos usuais de prova judiciária, em que a presunção terminou ela própria sacralizada, alçada da condição de mero indício para o degrau sublime de comportamento processual incapaz de absolver quem se facultou da recusa em fazer o exame de DNA.”

(LELLA, Pedro Di. Paternidad y pruebas biológicas, ediciones Depalma, Buenos Aires, 1997, pp. 6e e ss.)

Afirmando, destarte, o réu, nunca ter mantido com a mãe do autor, qualquer tipo de relacionamento, quanto mais sexual, verifica-se justificada sua recusa a se submeter ao exame pericial e, sendo a ação de investigação de paternidade, pertinente a direito indisponível, em que estão em jogo valores humanos fundamentais, como o nome, a honra, a identidade, a personalidade e os vínculos familiares respeitantes às duas partes envolvidas no processo, jamais o magistrado poderia antecipar sua decisão por simples presunção que só beneficia ao autor investigante. Chegou-se a um estágio de um extremado rigor processual contra o investigado, enquanto nenhuma rigidez é imposta ao investigante, apenas em nome da sacramentalidade ou da divindade de qualquer perícia biológica, em especial para o sistema com marcadores do DNA.

“A negação ao exame, enquanto não fiscalizadas as técnicas periciais, segue como lícita e adequada justificativa de oposição, até porque a presunção, como prova indireta jamais poderia chegar ao extremo rotineiramente verificado , de sopesar dos sacramentos, em que a perícia é a sublime prova, absoluta, e recusá-la, contrariando todas as esperanças cegamente nela confiadas, termina por merecer o mesmo resultado e define a paternidade por mera presunção de culpa.

E mais grave ainda está em constatar um inconciliável paradoxo judicial, pois se não existe sanção direta para quem se nega a se submeter ao exame pericial, não é possível sancionar indiretamente o investigado por seu gesto de recusa, derivando de sua resistência um resultado contrário às pretensões que sustenta.”

(Cecilia P. Grosman. Acción de Impugnación de la paternidad del marido. Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma. Buenos Aires, 1982, pp. 182/3).

Não logrou o autor, demonstrar a existência de relacionamento íntimo entre sua mãe e o réu, verificando-se única e exclusivamente a palavra da mesma, que não mantém nexo de verossimilhança, sequer com o depoimento de sua irmã e das demais testemunhas arroladas pela parte autora.

“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. Réu que se recusa, imotivadamente, em se submeter ao exame de HLA – Presunção da paternidade. Admissibilidade se existem outras provas no mesmo sentido.

Presume-se a paternidade de quem se recusa, imotivadamente, a realizar o exame de HLA, mormente quando há nos autos outras provas nesse sentido.”

(RT. 755/369)

Com maestria ensina o Prof. CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA que:

“Será necessário provar que ao tempo da concepção do filho houve relações sexuais entre sua mãe e o suposto pai. Levada a exigência a rigor, ter-se-ia de dar a prova direta do comércio sexual. Como é praticamente impossível, admite-se a prova indireta ou indiciária. Em se tratando de relações sexuais fortuitas ou ocasionais, o investigante há de dar a sua prova em coincidência com a concepção, além de evidenciar a honestidade da mulher, cabendo ao juiz apurar os fatos com redobrado rigor.”

(RT. 750/339)

“A ação de investigação de paternidade, estando provada a existência das relações sexuais que coincidem com a data da concepção, e sendo a mulher honesta, deve ser julgada procedente.”

(Adcoas 117.140, de 10.03.98)

Desta forma, não antevendo nos autos qualquer outra prova ou indício de prova que demonstre a verossimilhança de existência de relações sexuais entre a mãe do autor e o réu, à época da concepção, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO CONTIDO NA PEÇA PREAMBULAR, condenando o autor, em razão da sucumbência, ao pagamento das custas processuais, taxa judiciária e honorários advocatícios que fixo em 15% sobre o valor da causa.

P.R.I.

CUMPRA-SE.

Nova Friburgo, 17 de dezembro de 1999.

MAURO NICOLAU JUNIOR

Juiz de Direito

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