A Alienação da Coisa Litigiosa

Ivana H. Ueda Resende
Analista Judiciário do TJ/DF e Assessora de Desembargador

Alienado o imóvel litigioso através de contrato oneroso, procedendo-se à transferência do domínio, posse ou uso do mesmo, há que se distinguir entre duas situações: a ocorrência de evicção e a ciência do adquirente da litigiosidade da coisa adquirida. Na ocorrência da evicção, é aplicável o comando cogente do art. 1.107 do Código Civil. Assim, se sobre o bem alienado pendia litígio e deste não tinha conhecimento o adquirente, no momento da celebração do contrato, responderá pela evicção o alienante, independentemente de culpa, por ser a garantia contra a evicção devida pelo alienante elemento natural de todos os contratos onerosos e comutativos. Nesse caso, mesmo de boa-fé, estará o alienante sujeito a responder pela garantia da evicção, se dela não houver se desobrigado em cláusula expressa do ajuste.

Uma vez consumada a evicção, o adquirente terá direito a reaver o valor pago pelo bem, mais perdas e danos, segundo aplicação do art. 1.109 c/c 1.107, parágrafo único do C.C.

Por outro lado, se o alienante, mediante cláusula que exclua a garantia, isentou-se do dever de responder pela evicção, terá direito o adquirente, tão-somente, a reaver o preço pago pelo bem, sem possibilidade de pleitear perdas e danos (CC, art. 1.108).

Por fim, se, no momento da celebração do contrato, tinha o adquirente ciência inequívoca da litigiosidade da coisa, não tem direito a reembolso do que houver efetivamente pago e, muito menos, a demandar perdas e danos (CC, art. 1.117, II).

Esclareça-se que ‘litigiosidade’, para os efeitos do tema versado, significa pendência de demanda acerca da propriedade ou posse do objeto do contrato, podendo ser atribuídas a terceiro que não o alienante. Uma vez ciente o adquirente de que sobre o objeto do contrato pende demanda judicial versando acerca da propriedade ou posse do mesmo, o contrato celebrado tem natureza aleatória, porque há incerteza para ambas as partes se a vantagem esperada será proporcional ao sacrifício.

Consoante lição do insigne jurisperito Orlando Gomes, os contratos aleatórios expõem os contratantes à alternativa de ganho ou de perda, caracterizando-se pela incerteza das partes quanto às vantagens estipuladas.

Nesse aspecto, valiosos os ensinamentos do mestre Humberto Theodoro Jr., segundo quem ‘o adquirente compra não a certeza de ter seu domínio e posse, mas apenas a esperança de que a solução do litígio pendente seja favorável a seus interesses. Se, eventualmente, tal não se der, não pode se queixar de prejuízo junto ao alienante, pois o contrato teria sido aleatório e o risco de perder ou ganhar integrava a própria essência do negócio jurídico avençado’.

Destarte, conclui-se que quando a garantia da evicção é expressamente afastada no contrato, o adquirente não pode pleitear devolução dos valores pagos ou perdas e danos; quando, por outro lado, a litigiosidade do bem seja conhecida desde o momento da celebração do contrato, dele fazendo parte, não há necessidade de afastar-se a garantia da evicção, pois nesse caso há pré-exclusão legal desta garantia, consoante melhor exegese do inciso II do art. 1.117 do CC.

A lição do incomparável jurista Pontes de Miranda é no sentido de considerar a ciência do vício jurídico, pelo outorgado, antes ou ao tempo da conclusão como causa de pré-exclusão, e não de exclusão ou extinção legal da garantia da evicção. Se, ao concluir o contrato, o outorgado sabia que o bem não pertencia ao outorgante, ou que algum direito recaía sobre ele (enfiteuse, usufruto, uso, habitação, hipoteca, penhor, anticrese, caução), ou sobre ele incidia alguma medida constritiva ou podia incidir ou quem algum acordo de transmissão ou de constituição de direito poderia ser registrado antes do seu, a responsabilidade pela evicção não nasce. Portanto, não nasce a pretensão, que lhe é correlativa.

Assevera, ainda, o mestre que se deve ler o art. 1.117, II, do CC, como se lá estivesse escrito: ‘Não tem o direito e pretensão à responsabilidade pela evicção quem, ao concluir o contrato, sabia existir o vício jurídico ou estar em litígio.’

Também para o professor Carvalho Santos, se sabia (o adquirente) que a coisa era litigiosa, ficou evidentemente a par dos riscos que corria, não se podendo surpreender como a evicção, de forma que essa sua ciência é bastante para exonerar o vendedor da responsabilidade pela segurança da alienação. Não altera a situação o fato de nada haver o alienante declarado a esse respeito, nem a ausência de convenção: se o adquirente sabia das condições em que recebia a coisa deve suportar as conseqüências de seu ato, que ele deliberou na consciência dos riscos a que se expunha.

A doutrina ádvena chega a comparar, segundo citação do professor Humberto Theodoro Jr, a alienação de coisa declaradamente em litígio ou sobre que incida medida constritiva com a denominada ‘emptio spei’, em que se vende um objeto que ainda não existe e cuja existência futura é incerta.

Humberto Theodoro Jr. vai mais além e conclui que apenas quando o adquirente renuncia, voluntariamente, à responsabilidade do vendedor pela evicção, é que se aplica o art. 1.108 e conseqüentemente ocorre ensejo para se cogitar de restituição do preço pago. Quando, porém, a hipótese é de pré-exclusão legal da garantia, não há que se cogitar de reembolso algum, pois o que a lei determina é que o contrato seja regido pelo princípio da aleatoriedade, correndo inteiramente por conta do adquirente o risco de evicção, na eventualidade de insucesso dele no resultado final da demanda que já pendia sobre a coisa no momento do contrato.

Exegeses diversas conduziriam à conclusão de que o legislador civilista previu hipóteses semelhantes por duas vezes no ‘Codex’, incorrendo, assim, em ‘bis in idem’ ao separar as hipóteses do art. 1.108 e do art. 1.117, II.

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Retirado de: http://www.solar.com.br/~amatra/cb-01.html

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