A alternativa da Arbitragem – de Sílvio de Salvo Venosa

Sílvio de Salvo Venosa*

A lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, procurou inserir e incutir definitivamente no meio negocial brasileiro o juízo arbitral. A matéria sempre se fez presente na legislação, mas nunca se amoldara ao gosto e às necessidades pátrias.

Pelo compromisso, as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º). O conceito explicita e ratifica o artigo 1.037 do Código Civil. Pelo instituto, pessoas plenamente capazes podem atribuir a decisão de suas pendências e controvérsias à decisão de árbitros por elas escolhidos, evitando recorrer diretamente ao Poder Judiciário.

Os pontos de contato do juízo arbitral com a transação são evidentes. Enquanto na transação as partes previnem ou põem fim a um litígio, no compromisso, ex radice, antes mesmo da instalação de qualquer litígio, ainda que potencialmente, as partes já contratam preliminarmente que eventual pendência será dirimida pelo juízo arbitral.

Esse também era o sentido do derrogado artigo 1.072 do Código de Processo Civil, CPC, referindo-se a direitos patrimoniais que admitissem transação. A arbitragem privada destina-se aos litígios sobre direitos disponíveis – já que a discussão dos direitos indisponíveis subordinam-se exclusivamente ao Poder Judiciário.

O juízo arbitral é o conteúdo do compromisso, que a lei denomina de convenção de arbitragem. O artigo 9º dispõe que compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.

A nova lei buscou conceder ampla autonomia ao juízo e à sentença arbitral. No sistema revogado, a par de inexecutoriedade da cláusula compromissória, a ligação umbilical da arbitragem com o Poder Judiciário era robusta em face da necessidade de sua homologação (art. 1.045 do Código Civil e 1.098 e seguintes do CPC).

A lei atual considera a sentença arbitral, juntamente com a sentença homologatória de transação ou de conciliação, títulos executivos judiciais – em decorrência da modificação introduzida no inciso III do artigo 584 do CPC, pelo artigo 41 da lei de arbitragem.

A decisão arbitral, portanto, prescinde doravante de homologação pelo Judiciário, não se sujeitando a recurso: O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (art. 18).

No entanto, como não poderia deixar de ser, havendo necessidade de atos executórios emanados da decisão arbitral, são eles privativos do Estado, pois somente este detém o poder de coerção. A execução da sentença arbitral far-se-á, pois, com a intervenção do Poder Judiciário, ultrapassada eventual fase de embargos. O mesmo deve ocorrer se no curso da arbitragem houver necessidade de medidas cautelares que impliquem em atos coercitivos, matéria que deve ser examinada caso a caso.

O conteúdo contratual do compromisso é acentuado. O juízo arbitral que se instala pelo compromisso é exceção à regra geral tradicional segundo a qual nenhuma causa pode ser suprimida do Poder Judiciário. Não se confunde porém com um tribunal de exceção, cujo conceito refoge às garantias do pleno direito. Ninguém é obrigado a pactuar o juízo arbitral, tanto que somente as pessoas capazes de contratar podem fazê-lo sobre direitos disponíveis.

O sentido da lei é incentivar a adoção da arbitragem, até hoje parcamente utilizada no direito interno, embora de largo espectro e aceitação no direito comparado e no campo internacional. Sobre o tema tecemos maiores considerações em nossa obra “Teoria Geral dos Contratos” (editora Atlas, São Paulo, 3ª edição, 1997, cap. 17).

Em processo em curso perante o Supremo Tribunal Federal (Sentença Estrangeira, 5.206, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 08/05/97), as disposições da Lei de Arbitragem que permitem às partes excluir o futuro acesso ao Poder Judiciário (parágrafo único do art. 6º, art. 7º e seus parágrafos, e as novas redações dos arts. 267, VII e 301, IX, 520, VI dadas pelos arts. 41 e 42 da referida lei), foram declaradas incidentalmente inconstitucionais em voto do Ministro Relator. O julgamento foi interrompido com o pedido de vista do Min. Nelson Jobim. Aguarda-se com ansiedade a posição final do STF pois a preponderar o entendimento de mencionado voto, perder-se-á o principal sentido da arbitragem na nova lei, presente na legislação comparada, qual seja, excluir por acordo de vontades – contratualmente como se disse – a matéria do judiciário, tornando efetivos e eficientes o juízo e a sentença arbitral como título executório. Espera-se que a orientação do mais alto Pretório não represente retrocesso.

Sílvio de Salvo Venosa é Juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo e membro da “Demarest Almeida Ad

Retirado de: http://www.infojus.com.br/area4/silviosalvo1.htm

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