Neste século muito se falou, e ainda se fala, sobre o positivismo jurídico, que teve na linha doutrinária de Hans Kelsen o seu ápice. A partir do mestre de Praga, passou-se a ver o mundo jurídico como o templo frio, apolítico e insensível das normas, totalmente desvinculado da filosofia, da sociologia, da moral e da religião. Com a adoção do positivismo pelos Estados contemporâneos, a doutrina kelseniana praticamente monopolizou a filosofia jurídica.
Tardou, mas as academias de filosofia e de direito começaram a difundir as teorias de novos pensadores, tais como a do filósofo Jurgen Habermas, que apresentou uma nova concepção de sociedade – tendo em vista as aspirações universais de justiça, paz, igualdade e prosperidade equânime.
Analisando os efeitos da ideologia liberal no plano político, verificou Habermas que o Estado apresentava-se como instituição neutra face às relações econômico-privadas. Nestas condições, a dominação de classe tornava-se anônima. As desigualdades não pareciam ter por base relações de exploração, mas acidentes incontroláveis que derivavam de relações que os indivíduos autonomamente estabeleciam entre si, relações nas quais o Estado não intervinha senão como garante da possibilidade e legalidade das mesmas.
O fato é que, como observa Habermas, o contrato de trabalho não realiza uma troca entre equivalentes, antes institucionaliza, sob a proteção jurídica do direito privado, a apropriação privilegiada da riqueza socialmente produzida por parte dos proprietários dos meios de produção.
Para suprir o eterno “gap” existente entre burguesia e trabalhadores nas questões da relação de poder e de distribuição de renda, Habermas propõe um consenso baseado em critérios de verdade e de justiça. Configura-se, pois, tal alternativa, numa estrutura comunicativa livre de distorções ideológicas, na qual a única pressão consentida seja a do melhor argumento e o único motivo o da busca cooperativa da verdade. A partir disso, se prestarmos atenção ao “papel” dos formadores de opinião no Brasil, perceberemos claramente que nossa estrutura comunicativa, entregue nas mãos de “caciques” da política liberal como Roberto Marinho, jamais buscou a verdade, e nem privilegiou a melhor argumentação tendo em vista o bem comum do povo.
Uma comunicação sem constrangimento nem distorção pressupõe, para Habermas, uma sociedade definitivamente emancipada – leia-se, culta.
Sem dúvida, só numa sociedade livre e educada, que tivesse levado a cabo a maioridade de seus membros, é que a comunicação se desdobraria no diálogo, livre de dominação, de todos com todos.
O interesse emancipatório – ou, como Jurgen Habermas o chama, com a gíria de Kant e do idealismo postkantiano – o interesse da razão assumiria como tarefa libertar de dogmatismo o nosso conhecimento e a nossa ação, orientando a coletividade na busca da verdade e na realização da justiça, instaurando nesses âmbitos da vida social do homem o reinado da razão teórica e prática. A tarefa, em suma, de consumar o programa do iluminismo que Kant, mais uma vez, descrevia como “a passagem da humanidade à emancipação”.
Seguindo sua linha de raciocínio, explicita Habermas que o impulso para a emancipação não é o produto de uma fantasia qualquer, podendo ser vislumbrado naquilo que nos arranca do estado de natureza e nos coloca no mundo da cultura, ou seja, a linguagem. “Com a estrutura da linguagem, é posta para nós a emancipação”.
Registre-se a síntese de Marx com Freud realizada por Habermas e o que daí resulta para a clarificação dos problemas da legitimação e da repressão no quadro da evolução das condições materiais do trabalho: “Freud precisou o sentido de uma história da espécie que está determinada por um processo de autoprodução sob categorias do trabalho e por um processo de formação sob as condições de uma comunicação distorcida: o desenvolvimento das forças produtivas cria em cada nível a possibilidade objetiva de suavizar a violência do quadro institucional e a de substituir a base afetiva de obediência à cultura por uma base racional (in HABERMAS, Jurgen, Conocimiento e interés, p. 279).
Enquanto o sistema de dominação, que assegura as repressões impostas com caráter geral a todos os membros da sociedade, estiver administrado por uma classe social – a burguesa tem cumprido esse papel – às carências e renúncias gerais somam-se ainda as específicas de classe.
Por isso, a emancipação baseada – e com os pés fincados na cultura e no racionalismo desprovido de ideologias de “mass-media” – é elemento essencial para a libertação da raça humana pois, como dizia Freud “a meta é a fundamentação racional dos preceitos da cultura”, isto é, a organização das relações sociais segundo o princípio de que o valor de toda a norma que implique conseqüências políticas há de depender de um consenso haurido de uma comunicação livre de violência e de tendências em favor da classe dominante.
Da filosofia habermasiana, abstrai-se o seguinte: Roberto Marinho e Joseph Goebbels (o rei da propaganda nazista) são pares!!!
ALEXANDRE COUTINHO PAGLIARINI é Professor de Ciência Política e TGE na Faculdade de Direito do Sul de Minas, Procurador do Município de Pouso Alegre/MG e Advogado Mestrando em Direito Constitucional na PUC/SP