José Heitor dos Santos
PROMOTOR DE JUSTIÇA NO ESTADO DE SÃO PAULO
MESTRE EM DIREITO PÚBLICO (UNIVERSIDADE DE FRANCA)
PROFESSOR DE TEORIA GERAL DE PROCESSO CIVIL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL NA UNIP, NO ESTADO DE SÃO PAULO
SÓCIO-FUNDADOR DA AREJ, ACADEMIA RIOPRETENSE DE ESTUDOS JURÍDICOS
O art. 4º. da Lei nº. 6.515/77 [1] dispõe que “dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges, se forem casados há mais de 2 (dois) anos [2], manifestado perante o juiz e devidamente homologado” [3], o que vale dizer, conforme o dispositivo supramencionado, que a condição essencial para essa modalidade de separação é que os cônjuges estejam casados pelo menos há dois anos.
Para Clóvis Beviláqua, a justificativa para essa vedação antes de dois anos é razoável, pois o casamento é, ao mesmo tempo, um instituto jurídico e social, em que predomina a liberdade individual e a dignidade do casamento e se a lei permitisse a separação consensual antes de dois anos de vida conjugal, estaria atendendo somente a liberdade individual, possibilitando que pessoas irrefletidas se casassem sem atender à gravidade e à santidade do ato e, no outro dia, já se separassem consensualmente, pondo fim ao laço que deram por simples desfastio [4].
Agora, com a entrada em vigor do Novo Código Civil [5], em 12 de janeiro de 2003 [6], estabeleceu-se o prazo de um ano de casamento para que os cônjuges possam se separar consensualmente [7], conforme está previsto no art. 1.574: “Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção”.
Teria este novo dispositivo legal, art. 1574 do Código Civil, revogado o art. 4º. da Lei de Divórcio?
Revogar é tornar sem efeito uma norma, revogando sua obrigatoriedade. Revogação é um termo genérico, que indica a idéia de cessação da existência da norma obrigatória. A revogação é o gênero que contém duas espécies: a) a ab-rogação, que é a supressão total da norma anterior, por ter a nova lei regulado inteiramente a matéria, ou por haver entre as duas incompatibilidade explícita ou implícita, e b) a derrogação, que torna sem efeito uma parte da norma. A norma derrogada não perderá sua vigência, pois somente os dispositivos atingidos é que não mais terão obrigatoriedade [8].
A revogação ainda pode ser expressa, se a norma revogadora declarar qual a lei que está extinta em todos os seus dispositivos ou apontar os artigos que pretende sejam expressamente revogados, ou tácita, quando houver incompatibilidade entre a lei nova e a anterior pelo fato de a lei nova disciplinar parcial ou totalmente a matéria tratada na lei anterior.
No caso em questão, o art. 2.045 do Novo Código Civil revogou expressamente a Lei nº. 3.071, de 1º. de janeiro de 1.916 – Código Civil – e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº. 556, de 25 de junho de 1850, silenciando-se em relação à Lei de Divórcio (Lei nº. 6.515/77).
Não obstante o silêncio do Novo Código Civil quanto à revogação expressa deste dispositivo (art. 4º da Lei de Divórcio), o prazo de casamento para os cônjuges se separarem consensualmente foi reduzido para um ano pelo Novo Código Civil (art. 1.574), prazo este que é incompatível com a disciplina anterior, logo a conclusão a que se chega é que houve revogação tácita do art. 4º. da Lei de Divórcio, conforme art. 2º., § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil.
Nessa linha de raciocínio, o prazo mínimo de casamento para os cônjuges se separarem consensualmente seria de um ano, nos exatos termos do que dispõe o art. 1.574 do Novo Código Civil?
A resposta é depende.
Depende da data em que o casamento foi celebrado e da regra geral (e não específica) de transição prevista no art. 2.028 do Novo Código Civil, aqui transcrito: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”.
Assim, o prazo mínimo de casamento será de 2 (dois) anos para a separação judicial consensual, portanto o prazo previsto art. 4º. da Lei de Divórcio, se na data da entrada em vigor do Novo Código Civil (12.01.2003) já houver transcorrido mais da metade do tempo (mais de um ano) estabelecido na lei revogada (Lei de Divórcio).
Para exemplificar, imagine um casamento celebrado em novembro de 2001. No ano seguinte, em 2002, no mês de dezembro, este casamento terá completado mais de um ano, ou seja, terá atingido mais da metade do tempo, que é de dois anos, estabelecido na Lei de Divórcio (Lei nº. 6.515/77) e antes da entrada em vigor do Novo e Atual Código Civil, que ocorreu em 12.01.2003, hipótese em que o prazo para a separação consensual dos cônjuges será de dois anos, nos termos da regra geral de transição prevista no art. 2028 do Novo Código Civil c.c. o art. 4º. da Lei de Divórcio.
Por outro lado, se o casamento foi celebrado a partir de 12.01.2002, não terá atingido mais de um ano em 12.01.2.003 (data da entrada em vigor do Novo Código Civil) e, nesta hipótese, o prazo para a separação consensual dos cônjuges será de 1 (um) ano, conforme art. 1.574 c.c. o art. 2.028 do Novo Código Civil.
Em conclusão, se o casamento foi celebrado a partir de 12.01.2.002, os cônjuges podem se separar consensualmente com base no art. 1.574 do Novo Código Civil, que prevê o tempo de um ano para a homologação da separação judicial consensual; se o casamento for anterior a 12.01.2.002, o prazo para os cônjuges se separarem consensualmente é de dois anos, nos termos do art. 4º da Lei de Divórcio c.c. o art. 2.028 do Novo Código Civil.
São José do Rio Preto, 10 de março de 2.003.
Notas:
1. Lei de Divórcio.
2. Conta-se o prazo a partir da data da celebração (CC/1916 e LRP, art. 73, § 2º).
3. A separação, ainda que consensual, deve ser homologada pelo juiz. Trata-se de ato de jurisdição voluntária.
4. Beviláqua, Clovis. Código civil. 10 ed. Rio de Janeiro: Livr. Francisco Alves, 1954. II, p. 216
5. Lei nº. 10.406, de 10.01.2.002.
6. O Código Civil foi publicado em 11.01.2.002, com prazo de um ano, após sua publicação, para entrar em vigor (art. 2.044). A contagem do prazo para a entrada em vigor do Código Civil é feita com base no art. 8º, § 1º, da LC 95/98, com a redação dada pela LC 107/01.
7. O prazo é contado a partir da data da celebração do casamento (CC, art. 1533, e LRP, art. 73, § 2º).
8. DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 64.