DA SERVIDÃO AMBIENTAL

Guilhardes de Jesus Júnior*
A legislação ambiental brasileira surge da necessidade de disciplinar, em âmbito nacional, a relação sociedade-natureza, informando limites à utilização dos recursos naturais e cominando sanções aos agentes – pessoas físicas ou jurídicas – que cometerem atos infracionais ao meio ambiente.
Vê-se, com clareza, que em grande parte a legislação brasileira do meio ambiente tem tido um caráter impositivo, de natureza restritiva de direitos ou punitiva. Claros exemplos são verificados em Códigos como os de Águas e Florestal; na Lei de Política Ambiental e na recente Lei de Crimes Ambientais. O destaque nestas normas, não obstante sua importância para o ordenamento jurídico brasileiro e mesmo referência mundial, são sempre as cláusulas que impõem pesadas obrigações, penalidades severas e procedimentos simplificados para facilitar a prática punitiva. Nada contra, aliás, é de se esperar que tais dispositivos aflorem em decorrência de uma sociedade nacional em plena fase de conscientização ambiental, que necessita de instrumentos desse alcance para cumprir papel de referência nesse mister. E espera-se que funcionem a contento.
Entretanto, mais que um fardo a ser carregado, ônus ou obrigação, o meio ambiente é um patrimônio, um direito, e direito de interesse público, e já se faz hora de o instrumento legal fixar também institutos que estimulem a proteção ambiental, com potencial de incrementação do princípio da cooperação, instituído pelo Texto Constitucional, em seu artigo 225, que impõe ao poder público e à coletividade o dever de zelar pelo patrimônio ambiental.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 285/99, que dispõe sobre a “utilização e a proteção do Patrimônio Nacional da Mata Atlântica e da Serra do Mar”, que visa assegurar a proteção de remanescentes da Mata Atlântica e outros ecossistemas atlânticos. Entre as diversas inovações em matéria ambiental, pode-se destacar o instituto da servidão ambiental, com direito a um capítulo exclusivo, o de nº II, presente no Título IV, dos Incentivos Econômicos. Trata-se de novidade digna de aplauso, a de adoção de um instituto até então próprio do Direito Civil, trazendo-o para o âmbito do Direito Ambiental, dando-lhe um tratamento diferenciado.
O vocábulo “servidão” vem do latin servitudo, que significa sujeição, submissão. O instituto vem a ser a “restrição à faculdade de uso imposta ao proprietário de um bem em proveito de terceiro” (Acquaviva – Dicionário Jurídico Brasileiro). As servidões são também conceituadas como “direitos reais de gozo sobre imóveis que, em virtude de lei ou vontade das partes, se impõem sobre o prédio serviente em benefício do dominante” (Maria Helena Diniz – Curso de Direito Civil Brasileiro). É um direito que impõe encargos e limita o direito de propriedade sobre determinado imóvel, chamado serviente, em proveito de outro, denominado dominante. É direito real e não pessoal, ou seja, o indivíduo goza do mesmo em virtude de ser proprietário do imóvel beneficiado. Deixando de sê-lo, cessa seu direito, o qual acompanha o bem.
O principal objetivo da servidão é valorizar o imóvel (ou prédio) dominante, acrescentando-lhe funcionalidade, beleza, comodidade. Como já explicitado, é uma relação imóvel – imóvel, de modo que o direito do titular se prende à coisa, não à pessoa, que o detém apenas no status de proprietário do bem, e enquanto perdurar a relação dominical.
Embora muito parecida, a servidão não se confunde com o instituto do usufruto, posto que este implica na cessão de uso e gozo do bem, pode recair em bem móvel e constitui-se em proveito pessoal, enquanto aquela não exige necessariamente uso e gozo, somente recai sobre bens imóveis e é constituída em benefício real.
A servidão tem caráter acessório, perpétuo, indivisível. Acessório porque está diretamente ligada ao direito de propriedade. Perpétuo porque, uma vez constituída, geralmente não se admite termo extintivo. E sua indivisibilidade decorre por força de lei, do artigo 707 do Código Civil Brasileiro, e foi recepcionada pelo artigo 38, parágrafos 1º e 2º do citado Projeto de Lei. A doutrina afirma, e o Projeto admite que, na hipótese de servidão constituída por convenção tenha prazo definido. Admitindo-se sua temporariedade, a Servidão Ambiental não poderá ser constituída por prazo inferior a quinze anos.
A constituição da Servidão Ambiental dar-se-á por convenção inter vivos ou causa mortis, por ato de disposição de última vontade. A partir daí, o proprietário do prédio serviente se abstém do direito de corte, supressão ou exploração da cobertura vegetal típica de Ecossistema Atlântico, primária ou em qualquer de seus estágios de regeneração (inicial, médio ou avançado). Por ela, o proprietário aceitará, por vontade própria, impor maiores restrições ao seu direito de propriedade, ampliando o grau de proteção sobre a área, inclusive pela reclassificação voluntária do estágio de regeneração em que se encontra.
Constituindo-se de servidão ambiental, averbada na transcrição ou matrícula no registro de imóveis, a propriedade gozará de incentivos tributários, como isenção do Imposto Sobre a Renda do proprietário, isenção do Imposto Territorial Rural (para áreas de cobertura vegetal primária ou estágio médio e avançado de regeneração), compensação da Reserva Legal e dedução do Imposto Sobre a Renda do doador ambiental. Além disso, o Projeto prevê incentivos creditícios que abrangem a Servidão Ambiental.
Não obstante os aplausos pela iniciativa, cabe uma observação naquilo que consideramos certo equívoco nos seguintes dispositivos acerca da servidão ambiental:
1 – A imposição ao proprietário do imóvel serviente da obrigação de “cuidar e manter a flora, fauna e recursos hídricos da propriedade serviente”. Ora, tal medida, se mantida, acabará por se constituir um ônus caracterizador de desequilíbrio pactual, já que o proprietário do imóvel serviente tem sobre si a limitação de seu direito de propriedade. A servidão ambiental tem o fim de valorizar o imóvel dominante, e nada mais justo que o proprietário deste arcar com as despesas de conservação dos recursos e atributos do imóvel serviente, ônus que é imposto inclusive à luz do art. 699 do Código Civil, norma que originalmente disciplina o instituto.
2 – Da mesma sorte, entendemos ser imprópria a proibição de cancelamento, mesmo judicial, ou extinção da servidão, diante dos casos legais de nulidade, anulabilidade, desvio de finalidade, além, é claro, das causas extintivas próprias do instituto, a saber:
a. renúncia do titular;
b. impossibilidade de seu exercício;
c. resgate da servidão;
d. confusão (quando o dono do imóvel dominante se torna dono do prédio serviente ou vice-versa);
e. supressão de obras;
f. desuso por mais de 10 anos.

Além destas causas legais, aponte-se também como causas extintivas da servidão, o perecimento do objeto, a desapropriação e a convenção entre as partes.
O surgimento deste novo instituto certamente trará benefícios não só em regiões de abrangência dos ecossistemas atlânticos, como se transforma em grande auxiliar da política ambiental brasileira, ao possibilitar ao particular impor a si restrições ao seu direito de propriedade, e criar incentivos tributários e creditícios para a conservação dos recursos ambientais. Acaba por beneficiar a consolidação dos espaços especialmente protegidos, servindo também de suporte para o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, também em tramitação naquela Casa Legislativa.
Bibliografia

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro. São Paulo, 1993, Editora Jurídica Brasileira;

BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias. Projeto de Lei nº 285, de 1999. Relator: Deputado Luciano Pizzatto.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 4º Volume: Direito das Coisas. São Paulo, 1991, Saraiva.

Guilhardes de Jesus Júnior é bacharel em Direito e mestrando pela Universidade Estadual de Santa Cruz – Bahia.
INFOJUS, 20.04.00

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