Mario Antonio Lobato de Paiva *
Este final de século apresenta sérios desafios para a humanidade. As questões mais do que nunca apresentam-se em nível global, e a solução dos graves problemas que ameaçam a estabilidade do planeta necessitam da construção de um novo modelo de Estado, de sociedade e de economia. Nesta fase da história torna-se fundamental que o tema Globalização e Amazônia seja amplamente discutido, a fim de que os valores já conquistados pela nossa civilização não comecem a ser relegados.
Na importante questão que envolve a definição do papel do Estado na sociedade contemporânea, parece fundamental admitir que a redução do tamanho do Estado não pode torná-lo incapaz de mediar os conflitos, sob pena de deixar a grande maioria da população sem qualquer defesa completamente dominada pelos grandes grupos econômicos e financeiros, que têm no lucro o único objetivo de suas ações.
Um breve exame da História revela-nos uma tendência crescente na aproximação dos povos, facilitada pelos novos meios de transporte e comunicação, a ponto de, em dado momento, falar-se em uma “aldeia global”. O maior incremento em tal aproximação nos últimos anos assumiu características especiais, não apenas pela intensificação maior do intercâmbio entre os povos, mas por outras características especiais como a mudança na estrutura das organizações econômicas e do processo produtivo. Desta forma o Estado tem como finalidade importante a função de reagir e conservar. Conservar o modelo de sociedade e reagir com sua força a qualquer tentativa de mudança fora das permitidas pelo modelo posto. Mesmo com o atual enfraquecimento do Estado nacional, este ainda é importante dentro do sistema globalizado para reagir a qualquer tentativa de mudança fora dos limites estabelecidos, agora, pelo grande capital transnacional globalizado, conservando desta forma o modelo existente e seus interesses e sistema de privilégios. O papel do Direito, da Constituição é o de estabelecer as margens, os limites desta sociedade, e, embora estes limites sejam cada vez mais largos, eles continuam a existir, como requisito e mesmo, razão de ser do Estado.
Podemos então dizer que a globalização tem sua origem na literatura destinada às firmas multinacionais, designando inicialmente um fenômeno limitado a uma mundialização da demanda se enriquecendo com o tempo até o ponto de ser identificado atualmente a uma nova fase da economia mundial. Não há entretanto uniformidade na conceituação do termo podendo-se encontrar vários significados distintos mas semelhantes: A humanidade deu de substituir a construção de muros pela construção de pontes. A queda de barreiras comerciais desencadeia a ruptura de barreiras ideológicas, políticas e culturais.
Desnudada, a globalização é o imperalismo atualizado, o neoliberalismo, o retorno high tech ao feudalismo. Na Idade Média, a aristocracia ainda precisa dos serviços no ciclo de produção. Mas agora essa necessidade está em retrocesso, embora a massa da população ainda tenha de cumprir seu papel de consumidora. Uma vez eliminado esse inconveniente “probleminha” (e há indícios de que sua “solução” está em andamento), uma anti-séptica limpeza econômica tomará o lugar da tão incivilizada limpeza étnica
Da leitura de Chesnais e Krugman, depreende-se que a chamada globalização nada mais é do que uma estratégia das grandes corporações financeiras e conglomerados industriais, visando à expansão de mercados, mediante aproveitamento, em escala mundial, da experiência acumulada em suas regiões de origem. Mas ninguém questiona se a experiência é aproveitável de maneira enriquecedora para as populações locais. Tudo parece ser uma busca de caminhos para se manter a atual repartição da renda mundial, ou concentrá-la ainda mais na direção dos países industrializados. Ou seja, a mesma coisa que vem sendo feita há mais de quatro séculos de exploração colonial, exercida praticamente pelos mesmos países que, hoje, se empenham em desenvolver explicações teóricas.
Porém, qual a implicação da Amazônia no processo de globalização? Vejamos:
A Amazônia está ainda em grande parte para se estudar e conhecer. No plano da saúde do homem, em relação aos miasmas de hoje como a malária e as febres hemorrágicas e doenças emergentes, a Amazônia certamente nos reserva surpresas. No plano da agricultura e da pecuária tropical, da tecnologia florestal, da piscicultura, da química de produtos naturais, da microbiologia de solos e de águas, com a imensidade de microorganismos a descobrir para colocá-los a serviço dos homens, etc.
Essa riqueza, interessa ao países de primeiro mundo, como por exemplo, fiquei sabendo, dentre outras notícias, que os governos do Amazonas e do Pará estão vendendo grandes áreas virgens da floresta amazônica para selvagens devastadores asiáticos, tudo a preço de banana. Seis empresas da França, Inglaterra, Grécia e Alemanha, que atualmente exploram madeira na África, preparam-se para atuar no Brasil. Elas seguem o exemplo das asiáticas Samling, Rimbunam Hijau e WTK, que adquiriram madeireiras brasileiras falidas ou em dificuldades. Um dos objetivos é abastecer as indústrias internacionais de celulose e, por isso, devem ser plantadas espécies de árvores como o pinus. “Uma das idéias é fazer plantio de florestas artificiais”, adianta. Klautau defende a entrada de estrangeiros na exploração florestal na Amazônia. “Eles trazem investimentos”, argumenta o advogado, que é consultor da Rimbunam Hijau. “Não há como ter medo, é preciso acompanhar esse processo de globalização.”
Tem-se notícia sobre o uso de índios como cobaias de experimentos, internacionalização da Amazônia, biopirataria e dos efeitos disso sobre a soberania nacional. Que os índios estão sendo submetidos a essas práticas e até sua cultura está sendo afetada. Já estão na Internet estudos de DNA de agrupamentos de índios da Amazônia. Isso beira o nazismo. Esses povos são protegidos pela Constituição e estão sendo colocados na aldeia global.
O Brasil corre risco em sua soberania sobre a Amazônia – e isso é um dado muito óbvio. Tem sido objeto em matéria de discussão de segurança nacional. Além disso, o Exército ainda tem o projeto Calha Norte para garantir a segurança interna, enquanto a Armada não exerce essa fiscalização, a quem ficou essa incumbência. Essa é hoje uma dúvida. Os órgãos estão desaparelhados e sem estímulo. Por isso, tanta gente entra e sai da Amazônia como bem entende e faz o que bem entende na região.
Fala-se ainda da biopirataria e a visão de algumas multinacionais de utilizar o patrimônio genético brasileiro para fins industriais dos mais variados. Seja na exploração clandestina da fauna, flora ou mesmo do patrimônio cultural. Nós sabemos que grande parte dos medicamentos é feita com componentes da flora nacional, principalmente da amazônica. Esses componentes são utilizados indevidamente sem que seja paga nenhuma quantia para o Brasil. Esse é um grave problema de soberania.
A flora é ainda a mais atingida. Há centenas de componentes medicinais na cultura indígena do Amazonas que acabam sendo usados na produção dos remédios. Os grupos mais fortes economicamente, detentores de tecnologia, ingressam na região das mais diversas maneiras à procura desses produtos. Depois o industrializam e revendem para o Terceiro Mundo com valores infinitamente maiores. O problema são as autoridades que fazem de conta que não há uma dilapidação do patrimônio genético. A devastação não é só a queimada, mas a patente de produtos originários da nossa flora e fauna. Esse tipo de domínio é muito perverso e está além do controle militar.
Entendo que a interferência da globalização na preservação do patrimônio nada mas é do que o nome moderno do colonialismo. Há uma ligação direta dessa política neoliberal com o apoderamento por países desenvolvidos das riquezas do nosso meio ambiente. O que acontece e que na maioria das vezes, os grandes interesses estão em mãos de grupos que não têm o menor interesse sobre a qualidade de vida do nosso povo. Os países industrializados se apoderam de parcelas do território e o exploram como bem entendem. Faz-se necessário termos uma espécie de critério que propicie a outras pessoas do planeta utilizar os recursos da floresta desde que haja uma contrapartida para os brasileiros, amenizando dessa forma os impactos da globalização, sendo contrário ao uso desse discurso para que se viole a soberania nacional sem haver nenhum benefício para nosso País. O que devemos ter em mente é que a relação globalização e a Amazônia é inevitável, mas ela será o que nos fizermos dela e entre o que é e o que pode ser, vai a margem de flexibilização, de alternativa e liberdade.
Mario Antonio Lobato de Paiva – é advogado em Belém do Pará
Autor: Mário Antônio Lobato de Paiva Fonte: Infojus