Alex Sandro Ribeiro
Não raro, vê-se o nome da empresa sendo indevidamente maculado na praça onde exerce suas atividades, nascendo, como reflexos, inúmeros prejuízos. O exemplo mais comum é o abalo de crédito por protesto indevido, principalmente de duplicata fria ou cheque depositado antes da data. Mas há, no dia a dia, tantas outras situações que ensejam dano moral — independente de prejuízo –, gerando direito à indenização pela ofensa à honra da empresa.
Ora, o nome da empresa está acima até da existência desta. É um direito da personalidade, que o novo Código Civil tratou de tutelar também para as pessoas não naturais. A vida da empresa, conquanto extremamente ampla e teoricamente sujeita ao infinito, haverá um dia que se esvairá, chegará a seu termo final; o seu bom nome, límpido e irrepreensível, pode-se passar séculos, nunca lhe há de achar extinção: seu fim é inimaginável, porque se eterniza com o tempo; o nome mantém-se vivo nos espíritos das pessoas, é deleite dos olhos alheios, ecoa benevolentemente na dicção de todos; fica gravado nas memórias, citado em diversas línguas, registrado nos anais, timbrado nos mármores e repetido sempre nos ecos e trombetas.
Em suma: a ofensa ao nome o afronta, afeia, escurece e o faz abominável a um ser imortal; menos cruel e devastador, além de sobremaneira piedoso, se puder pôr fim à empresa. Com mestria, alhures já se ponderou a respeito desta fenomenologia.
Como se tolerar, ademais, o lançamento do nome da pessoa em catálogos de inadimplentes, tais como o SPC e o SERASA?
Mostra-nos a diuturnidade da vida, que tais bancos de dados espelham instrumento coativo de pagamento; inibem as pessoas de instalar discussões judiciais de seus direitos. A singela comunicação de inadimplência, sem dar azo a discussões sobre o aventado inadimplemento, revela-se causa suficiente para a inserção de informações restritivas naqueles órgãos negativistas da credibilidade comercial. Esta informação, que pode não ser verdadeira, passo seguinte é posta à disponibilidade de todos os conveniados. Não se busca sequer aferir se houve ou não inadimplemento que, como sabido, depende do elemento culpa que só Judiciário cabe apreciar e decidir.
Deixada ao público a suposta situação de penúria da empresa, fecham-se para ela as portas do mercado, ainda que não se tenha indagado da veracidade da informação ou ao menos de estar o débito sendo discutido judicialmente. Há aqui, de per si, ato ilegal e arbitrário passível de repulsa jurídica.
Já se disse que, agindo sob o manto da ilegalidade, criam-se banco de dados que hoje se mostram um “tribunal” onde as informações são veiculadas sem qualquer controle e ao livre arbítrio. Da mesma seara, é de público e notório conhecimento que estas empresas arquivistas de anotações restritivas da credibilidade (que se costumou tratar de “proteção de crédito”), têm de seus conveniados todo o apreço e confiança.
Atuam como se fossem destinatárias de verdadeiro prêmio de “status” de excelência, de modo que, encontrando-se em seus registros um conceito negativo sobre determinada empresa que esta se sujeitará ao linchamento público, lançando o seu nome à ribalta. A informação equivale, longe de ser uma sentença transitada em julgado – posto despida do due process of low –, a esta muito se equivale porquanto prevalente sobre qualquer outro conceito creditício no mercado financeiro e consumerista.
É preciso pôr cobro a estas mazelas! O Poder Judiciário não pode mais admitir a manutenção de um serviço que realiza as vezes de julgar as pessoas, utilizando-se até mesmo de informações que são constitucionalmente protegidas, em razão do manto do sigilo bancário, sem autorização legal para tanto.
Mostra-se mesmo inegável que pode haver ofensa à honra da pessoa jurídica de direito privado, ente abstrato, que, sem constituir uma realidade do mundo sensível, pertence ao universo das instituições e dos ideais destinados a perdurarem no tempo. Isso porque, como criação jurídica, é dotada de vida própria e reconhecida por lei como sujeito de direitos e obrigações. Em sua essência negocial encontra-se o crédito, composto da condição econômica mais a moral, representando todos os atributos pessoais inerentes àquele com quem trata, que o faz merecedor de confiança e respeito. Além do crédito, ar que respira qualquer pessoa sociável, para o conceito do nome comercial concorre vários elementos, como a pessoa do comerciante, os nomes que o distinguem, os produtos, as marcas e a notoriedade.
O conjunto destes elementos é que individualiza, caracteriza e distingue a atividade do comerciante no campo dos negócios. Com muito vagar ele constrói seu nome comercial, abraçando todos os elementos morais inerentes e que lhe conferem, por força da lei, legítimo interesse em prevenir ou reparar danos morais.
Não se deslembre, contudo, que pessoa jurídica não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva. Pode padecer apenas de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros passível de indenização quando afetado o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.
Aceitar a indenização é, de fato, a interpretação que mais se ajusta ao espírito que serviu de norte ao dano imaterial, que, no caso, tem como objeto garantir a eficácia da honra, boa fama, decoro e a credibilidade pública seja quem for a pessoa lesada. Logo, a conclusão inarredável a que chegamos é a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral, sempre que violada a sua honra objetiva.
Certamente, ao lado da ilícita mancha ao nome da sua empresa, seja ela perpetrada por qualquer meio ou forma, nasce um direito: o da reparação pelo dano moral causado. Ninguém pode lesar ao próximo, inclusive à sua honra, mesmo que se trate de pessoa jurídica a vítima.
Realmente, um dos principais direitos da empresa enquanto pessoa jurídica devidamente personalizada, pelo que se vê, é manter íntegro o seu nome, pois, sem ele, não poderá valer-se de empréstimos bancários, participar de licitações públicas e, entre outros efeitos funestos, verá os consumidores e os fornecedores se afastando, uma vez que ninguém aceita, espontaneamente, fazer negócios com pessoa de nome manchado, principalmente se com fama de devedora, seja porque tem um título protestado, seja por estar inscrita no SCPC ou SERASA, seja, enfim, porque está com o nome lançado em qualquer tipo de catálogo que denigre e humilha, ainda que se trate de matéria veiculada em jornais.
É mesmo fundamental a credibilidade que decorre do nome límpido na praça. Manchado, por qualquer motivo, o nome da empresa, manchada estará a sua honra comercial, impedindo-a de se manter viva. Havendo, contra a prática de atos ilícitos, a proteção do nome, da marca, dos produtos, do crédito, da reputação, da tradição, entre outros atributos, se violados indevidamente, haverá indenização por dano moral.
*Advogado em São Paulo
Pós-Graduando em Direito Civil pelo uniFMU
Autor da Monografia “Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica de Direito Privado”, aprovada com “louvor”.