Anotações históricas sobre a educação e a responsabilidade das IES – 1ª Parte

Marco Antonio Marcondes Pereira

INTRODUÇÃO

A imaginação do homem jamais alcança a realidade criada por ele em qualquer tempo. Todos os seus feixes de predição do futuro acabam ficando muito limitados diante do que vem a se confirmar no decorrer dos anos, no tilintar do tempo que caminha inexorável. Por mais que tenhamos em mente determinados modelos de sociedade do futuro, certo é que ele sempre é um algo mais diante daquilo que ousamos adivinhar ou predizer, exercício muito cunhado pela análise dos fatos já presenciados, ou sofridos. Esse processo histórico, conquanto não esteja fadado à ideação certa e perfeita do que venha ser os anos vindouros de uma sociedade ou civilização, contribui em muito para o estado de coisas hodierno. Isso porque a história, em grande parte, se vive e se constrói no presente, não se lê senão o seu produto.
Apresentamos neste escorço, isto sim, um quadro histórico da educação e seus conflitos, em especial no Brasil, com dois objetivos principais: integrar o leitor no produto dos acontecimentos ligados à educação e fazer, pela reflexão, com que participe ativamente na construção de um ensino melhor, de mais qualidade. A integração do leitor com o tema (a educação) é ponto fundamental para criação de um espírito crítico e para que venha, através dos instrumentos jurídicos colocados à sua disposição pelo Direito moderno, transformar o ensino.
Coloca-se, num segundo momento, o panorama constitucional da educação, trazendo à baila a importância que a educação galga na sociedade. E tamanha o é, tanto que o legislador constituinte não deixou de se preocupar em regulá-la separadamente e estabelecer seus princípios básicos para a implementação do ideal democrático de uma sociedade equilibrada e justa.
Almejamos demonstrar a natureza jurídica da relação de ensino entre instituições e alunos como típica relação de consumo para, logo em seguida, fazer um apanhado dos agentes responsáveis pela implementação e fiscalização da qualidade do ensino colocado à disposição dos consumidores. A identificação do Estado como detentor do principal papel na busca da qualidade no ensino fica caracterizada pela malha de disposições legais existentes, principalmente na Lei de Diretrizes e Bases e decretos reguladores.
Desemboca-se, então, na extensão do que venha ser padrão de qualidade do ensino e fixação dos motivos justificadores da responsabilidade dos fornecedores e demais co-responsáveis, inclusive, dos agentes públicos a quem cabe observar os princípios que norteiam a Administração Pública.
Inserida na ordem constitucional, a educação, ou em sentido mais estrito o problema da qualidade do ensino, transforma-se em objeto que se constitui em interesses metaindividuais. E como a qualidade no ensino não se esgota num regramento legal apenas, pois representa um vetor constitucional, o Estado e a sociedade acabam por colocar a sua defesa nas mãos do Ministério Público, dentre muitos outros legitimados à ação coletiva. E na proteção do padrão de qualidade do ensino, arremata-se com a possibilidade dos legitimados socorrerem-se da integração legal existente, basicamente, entre o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).

1. RASCUNHO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO

Discorrer sobre a história da educação, ainda que de maneira singela, importa em apontar algumas facetas da própria história do homem porque a existência, por si só, já representa o caminho do aprendizado até nossos dias.
Um conceito a ser delimitado, de início, é o de “educação” para que não tenhamos toda a largueza da história da civilização sobre nossos ombros e nem as variadas acepções que o termo propicia, por exemplo, educação formal (sistema cercado de objetivos, conteúdos e mecanismos de transferência de fatos ou conhecimentos) e educação informal (apreensão natural de fatos ou conhecimentos).
Educação é conceituada por Elias de Oliveira Motta como “manifestação cultural que, de maneira sistemática e intencional, forma e desenvolve o ser humano” (1), confundindo-se com o processo de humanização para viver civilizadamente e produtivamente.
Não confundindo o conceito de “educação” com o de “pedagogia”, pois que esta é reflexão científica sobre a educação ou a elaboração de um sistema de fins e meios para atingi-la, esmiucemos a idéia de “educação”.
Tomemos a expressão “educação” como um conjunto de regras, escritas ou costumeiras, estabelecidas por um determinado grupo de pessoas organizado num determinado território, com o fim de transferência de valores morais, culturais e científicos para as novas gerações, com a possibilidade de ruptura e inovações conceituais. Assim, poderemos compreender não só as variadas facetas de determinada época dentro da linha histórica como, também, poderemos verificar todo o seu processo dinâmico e mutável.
A educação primitiva, portanto, era concebida de maneira informal, ou familiar, operando-se a transferência do conhecimento do mundo apreendido sem nenhum comportamento planejado e, no que a sociedade aumentava sua base populacional e suas riquezas, acabou surgindo a necessidade de transferência do saber por meio de mecanismos específicos, ainda que rudimentares, dentro da idéia de escola.
Na educação clássica, que compreende o início da civilização ocidental na Grécia e Roma (do século X a.C. e V da era Cristã) encontramos interessantes aspectos que merecem citação.
Na Grécia, constituída por cidades-estados e local onde primeiro se meditou sobre a educação, marcante são as diferenças sobre o tema entre os espartanos e os atenienses. Em Esparta, no século IV antes de Cristo, o modelo era militarizado, diante da característica de um Estado totalitário e os jovens, a partir de sete anos, passavam a pertencer às autoridades, responsáveis pela formação cívica radical. Em Atenas, ao contrário, a educação era baseada na formação social oriunda da cidade, envolta no sentido democrático, tanto que as primeiras comunidades ou fundações de cultura superior lá surgiram no século V antes de Cristo (a Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles) e operou-se a divisão do ensino em matérias humanistas e realistas.
A educação romana, da qual temos notícia a partir do início da República, a formação moral preponderava sobre a intelectual e não contava com a idéia de escola, como já formulada entre os gregos. A absorção de conhecimentos era preponderantemente com base nas necessidades da vida e os ensinamentos se davam por professores particulares. Apenas no Império a educação passou a ter um caráter público, mas a organização acaba preponderando sobre o conteúdo.
No princípio da era cristã, a educação continua a ter características marcantes de educação informal para a população e aparece o ensino eclesiástico, com a preocupação de disseminar a religião. Assim, ganha mais importância a transformação espiritual das pessoas do que o preparo cultural, obtendo os monastérios grande papel na Idade Média.
É de se anotar que, na Idade Média (séc. X), a influência árabe na Europa, especialmente na Espanha, contribuiu muito para o ensino porque criaram inúmeras escolas primárias, difundiram as bibliotecas e, com traço de distinção da cultura católica, fizeram com que as mulheres passassem a ter o mesmo ensino que os homens, sem contar que deram início à organização do ensino superior.
Ainda na Idade Média (séc. XII), surgiram as primeiras universidades, a Escola de Medicina de Salerno e as Universidades de Bolonha (dedicada ao estudo do Direito). No seu final, a classe burguesa aparece com as corporações ou grêmios que fomentam a educação profissionalizante, sendo que nesta época, designada de período das trevas, havia muitos educadores por força da religião, embora não houvesse grandes teóricos sobre o assunto.
É evidente que a educação, como todo um processo social, não se fazia, como ainda não se faz, plenamente dentro da escola, mas a esta cabia meramente o caráter instrutivo, ostentando a posição de mais um elemento à formação das pessoas e repasse dos atributos necessários à continuidade da vida em sociedade. E isso é fácil de ser explicado porque a sociedade é formada por variados instrumentos de modelagem educacional, ou se preferirmos, de vários vetores de formação, e mais ainda hoje: a família, a igreja, a televisão, as associações de classe etc.
A escola, portanto, como instrumento de ação educacional não preponderante só tornou-se rigorosa a partir do Renascimento e da Idade Moderna e alcançou o caráter institucionalizado semelhante aos dias atuais por atuação da burguesia, no século XVI, com o compromisso de instruir e educar (2).
Nos séculos XVI e XVII formam-se escolas religiosas com caráter formador das personalidades das crianças, insculpidas dentro de uma visão modelar da moral e de acordo com os costumes padrões da época, valendo-se de trabalhos incessantes e castigos corporais como pedagogia. As escolas jesuítas, que contaminaram a Europa, prestigiavam o ensino integral para os filhos das classes burguesa e a nobre e tinha formação humanística, com o ensino da cultura greco-latina.
A Revolução Industrial (século XVIII) fomenta a modificação do caminho trilhado pela escola religiosa, pois as necessidades advindas das inovações científicas que passaram a influenciar o mercado de trabalho impõe o surgimento, ou preparo, de mão-de-obra para atender os reclamos da produção de bens em cadeia (3). Nesse quadro de grande propulsão do capital e geração de riquezas, a formação técnica e especializada passa a ganhar relevo e acaba por fixar, no plano histórico, a sua divergência com a escola acadêmica. A idéias de um ensino estatal, com a maior participação das autoridades oficiais no ensino, a concepção da educação universal, gratuita e obrigatória, o ensino laico e a “organização da instrução pública em unidade orgânica, da escola primária à universidade” (4), marcam o século XVIII.
O século XIX é marcado pelos sistemas nacionais de educação, ou seja, cada país encara-a sob a ótica cívica, ou política, e busca observar suas condições históricas para estabelecerem os rumos que serão empregados. Apesar da grande ingerência estatal, promovendo a edição de leis que tratam da instrução pública porque esta é considerada função social, é reconhecida a liberdade de atuação das instituições particulares.
A democratização do ensino é a característica do século XX, apesar das duas guerras mundiais que, ao contrário do que poderíamos imaginar, serviram de alavanca educacional e científica para sustentação da era denominada “guerra fria”. Superado este período, com um novo desenho político-geográfico-econômico do mundo, o fenômeno “globalização” é motriz dos destinos da educação mundial, ainda que esteja este fenômeno fadado à inúmeras críticas justificáveis pela instabilidade social que vem gerando em muitos países.
O termo “globalização” não é outra coisa senão uma forma de expressar as conseqüências de um processo histórico cujo início está no século XVI. Aliás, ao descrever os aspectos e resultados do processo de unificação do mundo, Marc Ferro preleciona: “Se no século XVI havia várias economias-mundo – China, o Ocidente, o mundo islâmico-turco -, a unificação foi feita de modo irreversível, e, hoje, já não existe mais zona autárquica fora do sistema. Primeiro fenômeno, entre os séculos XVI e XX a unificação do mundo se acelerou. Para as gerações que antecederam a Primeira Guerra Mundial, e mais depressa do que nunca no passado, as distâncias encolheram e o mundo jamais pareceu tão pequeno. O comércio e a expansão européia fortaleceram os vínculos entre o Oriente e o Ocidente. Os efeitos dessa unificação eram imprevisíveis. E não se manifestaram apenas nas colônias”.(5)
No diapasão dessa nova ordem mundial, irreversível e com horizontes imprevisíveis, a educação apresenta-se como um elemento econômico para desenvolvimento de setores produtivos na sociedade, gerando a esses organismos empresariais pessoas que possam representar um instrumental para melhora de seus produtos e, por conseguinte, um aumento de rentabilidade do capital empregado na disputa de mercado. Vinga, então, a “teoria do capital humano”, que “identifica as possibilidades de crescimento sócio-econômico no atual contexto internacional à capacitação tecnológica que, por sua vez, depende de educação e formação profissional adequadas” (6).
Num contexto geral, dentro dos limites a que se propõe o presente trabalho, aí estão os delineamentos históricos da educação que muito influenciaram, e ainda o fazem, a nossa estrutura educacional que, dadas nossas peculiaridades sociais, políticas e econômicas, acabam por ter matizes próprios cuja abordagem se dará no próximo tópico.

1.1. A EDUCAÇÃO NO BRASIL
A escassez de recursos e os problemas sociais que assolam o Brasil não constitui nada de novo, pois deita raízes desde nosso período colonial e isso acabou por refletir na formação problemática da educação brasileira.
Na Colônia, no princípio em especial, o Estado e a Igreja consideravam a disseminação da cultura um ponto de inquietação e questionamento para os interesses do Reino. A influência da religião católica foi marcante e conhecemos a pregação da supremacia dos conhecimentos da alma, mecanismo utilizado para catequizar os índios e negros, sobre a divulgação da ciências. O livro, grande disseminador de saberes, era tido como um instrumento de elevação da vaidade sobre as coisas divinas ou cristãs.
A formação cultural, ministrada por clérigos na Companhia de Jesus (criada por Inácio de Loiola em 1534) que, possuindo várias escolas e inúmeras ordens religiosas, como as dos beneditinos, dos franciscanos e dos carmelitas, era voltada para expansão dos dogmas do catolicismo aos leigos e com o fim de evitar a invasão protestante na Colônia.
O Reino tinha na distribuição da educação um temor natural, era vista como uma nau que pudesse estimular discussões acerca dos seus interesses econômicos e de ocupação. Assim, acabou controlando de perto o destino dos cursos ministrados pelos colégios da Igreja, tanto que impedia a formação de universidades no território colonial e impunha a concessão de graus aos alunos daqueles colégios até 1689. Em 1768, certamente com o objetivo de prestigiar a dependência da educação em relação à Universidade de Coimbra, o Reino impediu que fosse criada e ministrada em Sabará uma aula de cirurgia (7).
Os inacianos deixaram o Brasil em 1759 e surgiu a tributação para investimentos na educação, o que acabou incentivando um ensino voltado para a produção de matérias-primas e restrita à preservação da sobrevivência, mas a educação escolar continuou desprestigiada e a dependência da Colônia à Metrópole, no ensino universitário, perdurou.
A falta de recursos destinados à educação sempre marcou a expansão educacional no Brasil, valendo a observação de Villalta acerca desse estado das coisas: “Faltaram professores, manuais e livros sugeridos pelos novos métodos. Os recursos orçamentários foram insuficientes para custear a educação pública, havendo atrasos nos salários dos mestres. A Coroa, em determinadas ocasiões, chegou mesmo a delegar aos pais a responsabilidade pelo pagamento dos mestres. Isso mostra como a educação, tornada pública pela lei, esteve em grande parte privatizada” (8).
Como verificamos, no período colonial encontramos as fontes do ensino privado, que emerge do medo, em princípio, ou da falência do Estado na distribuição da educação, que ficava na mão de poucos abastados, apesar desta ser reclamada apenas como um instrumento de valorização aparente, o que não significava desprezo para com a idéia de manifestação e exercício de poder.
A valorização da educação começou a ganhar propulsão no século XVIII, mas timidamente e sem representar avanços numéricos na população, pois o analfabetismo continuava a ser a marca do território. Aliás, outro não poderia ser o resultado diante da falta de pulverização pública da educação e do prestígio ao ensino doméstico, isto é, aquele ministrado por clérigos ou professores contratados pelos mais bem sucedidos socialmente e que ainda não dispunham de recursos para mandar seus filhos a Portugal.
O advento da chegada da Família Real, em 1808, trouxe inúmeras alterações no território, pois havia necessidade de instalar um ambiente adequado aos prazeres da realeza, ou seja, era preciso criar um mínimo de condições sociais ao novos habitantes, o que favoreceu um desenvolvimento de todas as ordens na sociedade local.
Cite-se, no que diz respeito à educação, o surgimento da Academia da Marinha (1808), Academia Real Militar (1810), Curso de Anatomia e Cirurgia (1808), Laboratório de Química (1812), Desenho Técnico (1817), a constituição da Imprensa Régia (1808) e a abertura da primeira biblioteca pública (1814).
Após a independência, em 11 de agosto de1827, os Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais foram criados, abrindo-se o Cursos de Direito no Convento São Francisco (São Paulo) e no Convento São Bento (Olinda), em 1º de março de 1828 e em 15 de maio do mesmo ano.
A Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, “conferiu às províncias o direito de legislar sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, excluindo, porém, de sua competência as Faculdades de Medicina, os cursos jurídicos, academias então existentes e outros quaisquer estabelecimentos que, no futuro, fossem criados por lei geral” (9).
No império, bem se vê, a preocupação era a formação das elites e assim deu-se valor ao ensino secundário e superior, sendo que o primeiro funcionava como mero trampolim para o último. Essa a razão do surgimento de muitas escolas superiores que, isoladas, prestigiavam a formação liberal e marcaram a ausência das universidades e, finalmente, a ausência de um sistema educacional integrado, ou sistematizado.
A maçonaria, no período imperial, apresentou-se como uma grande força para a educação porque esta foi uma das bandeiras levantadas em favor da República contra a Monarquia. Fazendeiros de café do oeste paulista investem na maçonaria republicana e estimulam “o espírito de associação”, movimento que critica a centralização do poder monárquico no aspecto econômico e educacional. O liberalismo reclama um Estado baseado na soberania popular, distante da interferência da Igreja, construindo a opinião pública pela erradicação da miséria e do analfabetismo e apresentando a iniciativa particular na educação como vetor predominante. São criadas bibliotecas e escolas, sustentadas pela maçonaria, para palestras de cunho político, inicialmente para homens de idade entre 10 e 40 anos, pobres e de condição livre ou escravos. Os maçons envolvidos com a idéia republicana ainda investiram na abertura do jornal “A Província de São Paulo” e a “Escola da Propagadora”, criada em 1873, inovou ao admitir mulheres nos cursos, o que contribuiu para uma redefinição do papel delas na sociedade da época. De fato, “a grande campanha pela instrução do povo foi deflagrada na Província de São Paulo pela maçonaria republicana e, posteriormente, pelos clubes republicanos. As Lojas Maçônicas foram as primeiras a criar, na Província, escolas ou aulas noturnas para alfabetização de adultos, trabalhadores livres ou escravos” (10).
Ao final do Império, contabilizamos que, para uma população de quase 14 milhões de habitantes, tínhamos cerca de 250 mil matriculados nas escolas primárias e 300 mil estudantes ao todo, considerando os inscritos nos outros cursos, cerca de 15% da população (11).
A República prometia muito mas, superada a euforia, até 1930 muito pouco havia sido feito de diferente em termos de educação porque logo vieram as crises econômicas e a participação popular ficou entregue às forças dos coronéis. Preso ainda ao sistema de educação das elites, portanto, os avanços educacionais eram singelos em relação ao período do Império, malgrado ocorrido. A partir de 1930 estabelece-se um sistema educativo e a Constituição de 1934 traz inscrito muitos dos princípios constitucionais idealizados pelo movimento republicano. A Federação continua tratando dos ensinos secundários e superior e deixa a cargo dos Estados a formação das camadas populares, assim, é baixado o Estatuto das Universidades Brasileiras (Decreto nº 19.851, de 14 de abril de 1931), e em 25 de janeiro de 1934 é criada a Universidade de São Paulo, a primeira a funcionar efetivamente. Em 1937, com a criação do Estado-Novo, houve um retrocesso no processo de expansão educacional como conseqüência do sistema ditatorial, valendo apontar que a educação técnico-profissional continuou inferiorizada em relação ao ensino secundário. Na década de 40 surgiram o SENAI e o SENAC, sendo fixada a regra de que o ensino deveria partir de organismos públicos, porém com a possibilidade da participação da iniciativa privada. Três anos antes da revolução de 1964, foi editada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961). A revolução militar de 1964 acabou por estabelecer um controle enorme sobre o ensino. A partir de 1969, o regime militar permeou o território nacional de instituições de ensino superior particulares, daí o favorecimento do ensino de massa, para, em 1971, obrigar a formação profissionalizante de 2º grau com o objetivo de baixar a demanda reclamada no ensino superior público, sendo a medida revogada em 1982. Superada a era militar, foi instalada a Assembléia Nacional Constituinte em 1º de fevereiro de 1987 e, afinal, em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Federal em vigor, cujo tratamento à educação está na Seção “Da Educação”, artigos 205 a 214, do Capítulo “Da Educação, da Cultura e do Desporto”, o qual faz parte do Título VIII “Da Ordem Social”. Em 20 de dezembro de 1996, é editada a Lei nº 9.394, a nova Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional.
Centrado nosso tema no ensino universitário, é importante lembrar que deflagrou-se um processo de discussão a seu respeito no Brasil, talvez, nunca tão forte como nesse final de milênio. A extensão das modificações no ensino universitário brasileiro, perpassadas as influências da chamada “globalização”, chama a atenção do homem de todas as camadas sociais, pois tamanho o seu alarde na mídia que invade os lares de uma enormidade de brasileiros.
Pautado nos limites do presente trabalho, longe de análises críticas mais detalhadas da história da educação, os apontamentos trazidos, na formatação de um roteiro, buscam integrar o leitor na realidade brasileira hodierna com os olhos voltados ao passado para que, acima de tudo, fique estimulado a reclamar a concreta aplicação das normas constitucionais e infraconstitucionais das autoridades públicas, valendo-se das instituições democráticas comprometidas com a efetivação da cidadania e de uma sociedade mais justa.

2. CONFLITOS EDUCACIONAIS DA ATUALIDADE

As normas constitucionais trazidas no bojo da Carta de 1988 e as disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), implementadas por outros dispositivos legais, e o estágio de envolvimento do Brasil na comunidade internacional fizeram da educação uma das problemáticas mais presentes no cotidiano da vida nacional.
As necessidades do mercado, seja produtor, industrial ou fornecedor de serviços, exigem qualificação cada vez burilada das pessoas aptas ao ingresso na vida produtiva do país, que, por sua vez, almeja uma integração maior com outras culturas para obter benefícios que manifestam-se das mais variadas formas para distribuição mais eqüitativa das riquezas, erradicação da pobreza e distribuição da justiça social.
A política de integração internacional, apesar dos cuidados imprescindíveis com preservação dos valores nacionais e das críticas que possa receber, representa a necessidade de investimento na educação e serve de mola para os países que pretendem fazer valer sua força política, econômica e cultural no mundo que está às portas do século XXI.
Na medida que o mundo caminha, busca-se uma estrutura uniformizada, o equilíbrio social depende do crescimento de todas as nações, o que implica em tornar a educação a alavanca fundamental para os países alcançarem o objetivo citado. João Zampieri atestou, com propriedade, que “o mundo hoje é uma aldeia na qual é possível tomar conhecimento dos fatos acontecidos nas mais distantes localidades. A velocidade e a facilidade da comunicação têm possibilitado a reflexão e a discussão dos direitos humanos. Os avanços obtidos nesse tão delicado setor, à medida em que se tornam públicos, têm impulsionado os países à correção de seus próprios rumos” (12).
Ao mencionar velocidade em comunicação e informação, impossível esquecermos o papel relevante da “Internet” na divulgação cultural e na integração das diversas culturas do planeta. A influência dessa nova força tecnológica pode ser medida pela discussão que traz aos editores de revistas científicas. Há uma crescente tendência dos pesquisadores e cientistas valerem-se da “Internet” para divulgação de seus trabalhos, bastando um computador e a criação de um “site”. Assim, desprendem-se dos grandes editores de livros e revistas, os quais são levados a aderir versões eletrônicas de revistas e jornais, diminuindo seus lucros, enquanto a literatura científica vai se tornando um vasta rede. E o sistema tradicional de publicação científica se assemelha a um castelo de cartas cujas bases estão sendo abaladas pela “Internet” (13).
O crescimento econômico, exteriorizado pelas investidas das empresas e da atuação do Estado nas atividades econômicas, não passa de um instrumento à favor da educação, ou seja, como alvo a ser atingido, acaba levando a sociedade ao exercício da cidadania pela educação escolar, sem desconsiderar que o processo educativo manifesta-se na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nos movimentos sociais e organismos da sociedade civil e nas manifestações culturais.
O Brasil, nesse final de século, passa por um processo de turbulência e grande movimentação na área educacional, um dos principais veículos do desenvolvimento nacional, o que exige das autoridades e da sociedade, em geral, uma atenção especial para bem servir aos propósitos, não só econômicos, de distribuição da justiça social.
Com uma população de 18 milhões de brasileiros analfabetos, o Brasil necessita, com urgência, modificar o panorama existente para melhor qualificar sua mão-de-obra, fonte básica da riqueza dos países, para absorver novas tecnologias, as quais são produtos da educação. Só através da educação será possível transformar a realidade da sobrevivência brasileira, deixando de colocar a identidade nacional em risco.
O drama orçamentário, embora não novo, nunca se manifestou tanto como agora, agravado, mais ainda, pela não rara malversação do dinheiro público ou sua má aplicação. Vejamos que o investimento anual por aluno matriculado no ensino fundamental, no Brasil, é de U$ 300, pouco acima da média de outros países em desenvolvimento (U$ 250) e, segundo a UNESCO, com um índice de 38% de eficiência do ensino. Vale dizer, um índice muito aquém das expectativas.
Indiscutível o esforço empenhado pelos governantes brasileiros, com projeções otimistas até, tomando-se o exemplo do Estado de Minas Gerais, que, no ano de 1998, apontou investimento de cerca de 45,8% em educação, implantou programa de erradicação do analfabetismo que projeta resultado de 100% para o ano 2000 e, ainda, conta com baixo índice de repetência e investe na informatização (14). Em São Paulo, desde 1994, o índice de repetência e evasão escolar vem decrescendo: em índice de reprovação no ensino fundamental caiu 3,7%, em 1997 e a evasão escolar saiu de 5,94% (1994) para 2,6% (1997) (15).
A sociedade civil, também, não descura da importância do tema e podemos encontrar, atualmente, sindicatos muito interessados na melhor qualificação de seus filiados, ofertando cursos de reciclagem, formação básica, cursos de computação, financiando o custo educacional dos trabalhadores e subscrevendo convênios com entidades de ensino.
O número de bibliotecas, por sua vez, aumenta consideravelmente. Há fundações investindo na criação de bibliotecas comunitárias para carentes e, no interior paulista, o investimento vem fazendo com que um contingente substancioso de jovens esteja freqüentando esses ambientes, com uma assiduidade digna de nota (16). As vantagens para o progresso educacional são, sem dúvida, muito grandes e o instrumental da leitura é investimento inestimável na língua portuguesa, que constitui-se em ponto de afirmação nacional. Isso porque a integração mundial importa em absorção de novos fatores culturais, mas com o cuidado da valoração das nossas origens. O processo de interação mundial representa um jogo de influências mútuas entre os povos de diversos países, logo, a preservação e o aprimoramento do idioma é fator preponderante para podermos atuar noutras culturas, também.
Inegável, portanto, o esforço brasileiro. Ocorre que é preciso muito mais, pois um olhar mais crítico sobre o ensino universitário mostra que há, no aspecto quantitativo, uma base muito pequena de pessoas matriculadas, isto é, pouco mais de 1% da população do país. E, o que é mais grave, sujeitos a uma qualidade de ensino extremamente discutível, apesar dos esforços encetados pelo Ministério da Educação.
Os problemas do governo brasileiro em matéria de custeio do ensino público, já mencionados, são tão marcantes que a discussão em voga é a possibilidade de cobrança nos cursos mantidos pelas universidades federais. Estima-se que a medida poderia render R$ 1,6 milhões por ano, sendo que 30% desse percentual iriam para a concessão de bolsas ou crédito educativo na instituição, todavia, não é admitido expressamente esse interesse devido à resistência do tema no Congresso Nacional.(17)
No plano pedagógico, buscando estender o manto da educação com qualidade, é debatida a forma mais adequada de distribuir a informação (considerada a moeda do próximo milênio) entre os muitos jovens brasileiros. Uma das alternativas apresentadas é o investimento da especialização nos cursos de graduação de terceiro grau, diminuindo o tempo de duração para colocar, no prazo de dez anos, 30% da população com idade entre 19 e 24 anos das faculdades e universidades. Almeja-se, portanto, a formação de tecnólogos para atender a demanda do mercado, ávido de pessoas com maior qualificação, sem ser necessariamente graduados em cursos clássicos, mas que ostentem uma formação superior. Designados cursos seqüenciais, serão possíveis a partir de 1999.
Cursos de formação à distância, por outro lado, estão sendo implementados e prometem concorrer fortemente para angariar uma parcela considerável do mercado. Tudo, como já referido, para aumentar o número de pessoas com acesso à educação atender a demanda de profissionais qualificados.
Evidente que o universo de estudantes no ensino superior vem crescendo, especialmente em razão do avanço das instituições privadas que vem implementando muitas das vantagens outorgadas pela Lei de Diretrizes e Bases. As distorções, contudo, ainda são marcantes e estão a exigir um aprofundamento na questão da maior qualidade do ensino.
Em toda nossa história, observamos que o elitismo na educação foi o desenho do quadro educacional e cultural da nação e, apesar de mitigado a partir da década de 60, continua sendo em algumas regiões do país. A última pesquisa realizada nas instituições superiores pelo Exame Nacional de Cursos mostrou que o padrão de renda dos estudantes em instituições federais é superior aos que freqüentam o ensino privado. E não é só. Os estudantes da Região Nordeste vêm de famílias com nível maior de escolaridade do que o verificado na Região Sudeste (18). Da constatação inferimos que o fantasma da reserva do ensino para classes mais abastadas ainda está presente na sociedade brasileira, o que precisa ser combatido a todo custo.
Considerando que o número de alunos em melhores condições sociais estão nos bancos escolares das universidades públicas, enquanto as classes menos favorecidas estão – quando podem – à mercê das instituições privadas, a qualidade do conhecimento ofertado por estas passa a ser um ponto a mais de observação e cuidado. Não que o ensino público universitário desmereça atenção sob a ótica qualitativa, mas, como é apontado como melhor neste aspecto, acaba ficando um pouco à margem das críticas endereçadas à iniciativa privada.
O Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior, criado pelo Decreto nº 2.026/96, instituiu o “Provão” com instrumento apto a detectar os problemas nas instituições de ensino superior e, inicialmente, foi objeto de movimentos contrários por parte dos próprios acadêmicos. Lembremos que organizaram-se movimentos para que os acadêmicos boicotassem a realização das provas, comparecendo aos locais de exames e, simplesmente, entregando as folhas de questões e respostas em branco. Recentemente, depois de comentar a vitória do governo numa batalha judicial envolvendo o “Provão”, o Ministro da Educação ironizou uma liminar obtida pelos adversários desse processo de avaliação da qualidade: “Lamento que o provão não tenha começado antes, porque teríamos hoje um outro padrão no direito brasileiro” (19). Hoje, superado o impacto inicial que decorreu de grande desinformação, o sistema vem apresentando resultados valiosos para a educação brasileira, como nunca vistos anteriormente.
Frisemos, mais uma vez, o empenho do MEC que criou comissões de avaliação específicas para visitas em universidades com o fim de “aquilatar a produção e titulação dos docentes, as grades curriculares, a infra-estrutura, os projetos pedagógicos, os serviços de extensão universitária, os laboratórios e os estágios monitorados, como parâmetros razoavelmente objetivos e fixados por destacados docentes das respectivas áreas” (20).
Alinhados com as vantagens ofertadas pelo Sistema Nacional de Avaliação, podemos indicar o fato de inúmeras instituições de ensino privado estarem preocupadas com as conseqüências do mecanismo e, por isso, estão investindo mais na busca da qualidade ou excelência do conhecimento. Jamais foi visto, no Brasil, uma corrida tão grande das faculdades e universidades privadas na melhor formatação de seus cursos, o que já pode ser considerado um ponto positivo.
Em que pese os esforços de muitas instituições de ensino, o horizonte aponta a necessidade de superar muitos obstáculos. Os maiores investimentos das instituições superiores privadas estão restritos aos grandes centros do Sudeste e os resultados positivos estão surgindo lentamente e sem o impacto necessário no contexto geral.
Não são raros os infortúnios dos egressos dos cursos superiores, v.g., das carreiras jurídicas: muitos deles não conseguem obter a pontuação mínima para conseguirem habilitar-se advogados, apesar das provas serem de complexidade adequada às expectativas do mercado profissional e dos critérios de pontuação serem extremamente flexíveis (para a habilitação é necessário acertar 50% das questões da prova geral, arredondadas as provas que apresentem aproveitamento de 46%). Some-se as críticas que vêm sendo trazidas pela Ordem dos Advogados do Brasil acerca da abertura em excesso de cursos de Direito, os quais obtêm autorização do MEC apesar dos vetos ofertados pelo órgão de classe. As críticas vêm sendo materializadas pela recente iniciativa do órgão de classe de elaborar e divulgar um levantamento das instituições de ensino que mais conseguem aprovar candidatos em seus exames, indicando a baixa qualidade do ensino de muitas instituições e apresentando-se como mais um instrumento à serviço da educação, pelo menos jurídica.
Realizado com freqüência e dentro de uma política que não altere o rumo empreendido pelas autoridades governamentais, fatalmente, o “Provão” apresentará resultados benéficos acerca da qualidade da oferta do conhecimento, pois seus dados poderão ser instrumentalizados por outros mecanismos legais no sentido de fazer valer a real necessidade da população acadêmica, especial a que investe seus rendimentos no ensino privado.

3. A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO

A educação recebeu tratamento constitucional especial nas Cartas de 1934 e de 1946 que em muito contribuíram para o avanço do sistema educacional vigente, cumprindo lembrar que a concepção descentralizadora consagrou-se pela primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 4.024/20-12-1961).
O legislador constituinte de 1988, na linha estampada nas Constituições de 1934 e 1946, manifestou sua atenção para com a educação e acabou por dedicar um espaço apropriado ao tema, observados os fundamentos do Estado Democrático de Direito (a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa) e os objetivos perseguidos pela República (a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais).
No título VIII da ordem social, a educação é tratada na seção I, pelos artigos 205 a 213, mas outros dispositivos constitucionais reportam-se ao assunto textualmente enquanto todo o sistema de proteção das garantias fundamentais aplica-se-lhe por decorrência lógica da Lei Maior.
O art. 6º da Constituição Federal coloca a educação como a primeira espécie de direitos sociais, o que já demonstra a grande preocupação do legislador com a pontuação de regras e critérios para o adequado desenvolvimento do ensino de maneira a difundir por toda a sociedade.
O artigo 205 coloca a educação como um direito de todos, o que implica em dizer que a ninguém poderá ser negado o acesso aos meios de absorção de conhecimento, das mais variadas formas, para aprimoramento de sua pessoa a fim de que possa concorrer no mercado de trabalho e fazer valer sua plena cidadania. Cumpre, portanto, ao Estado e toda a sociedade, por colaboração, investir na distribuição da educação para atingir os objetivos democráticos estabelecidos no artigo 3º da C. F.
São princípios constitucionais da educação a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; gestão democrática do ensino público, na forma da lei; e garantia de padrão de qualidade (art. 206).
A sociedade é colocada como partícipe essencial na distribuição da educação pelo Estado justamente porque a livre iniciativa é prestigiada como princípio da ordem econômica no artigo 170 da C. F., e impossível seria imaginar a atividade de ensino num regime de livre exploração de atividades econômicas sem a interferência de organismos que pretendessem auferir os rendimentos da sua contribuição neste ramo de atividade. Isso, contudo, não significa que a atividade de ensino possa ser colocada à margem do controle da atividade do Estado, pois a este cabe distribuir o ensino fundamental obrigatório e gratuito, estabelecer a progressiva universalização do ensino médio gratuito, fixar as normas gerais da educação nacional, autorizar e avaliar as instituições privadas (arts. 208 e 209).
No que diz respeito ao ensino fundamental obrigatório e gratuito a Constituição declarou-o direito público e subjetivo, importando seu não oferecimento, ou sua oferta irregular, em responsabilidade da autoridade competente (art. 208, parágrafos 1º e 2º). Ocorre que, não obstante não haja norma expressa acerca da responsabilidade das autoridades de ensino acerca da correta oferta do ensino universitário, a estrutura constitucional e infraconstitucional acaba por impor às autoridades que autorizam e fiscalizam estas instituições de ensino privado igual sanção, como veremos mais adiante.
Importante foi a colocação da garantia de padrão de qualidade como princípio constitucional da educação (art. 206, VII), evitando-se discussões sobre a viabilidade da revogação da autorização para exploração da atividade de ensino privado. Ademais, com a previsão de padrão de qualidade de ensino como princípio educacional, os instrumentos existentes em favor dos cidadãos na Constituição Federal servirão para forçar não só o Estado, que estabelece o plano nacional de educação, mas todos os que atuam na atividade de ensino como atividade econômica a propiciar um ensino adequado para a boa qualificação de profissionais que ingressarão no mercado de trabalho competitivo e preso à atual concepção universalista ou globalizadora.
O artigo 214, em seu inciso III, prevê a melhoria da qualidade do ensino como objetivo a ser alcançado no plano nacional da educação, o que deve ser compreendido como horizonte a ser atingido em todas as órbitas de ensino público e privado.
O constituinte reconheceu a existência das escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas como entidades que possam gozar de recursos públicos desde que comprovem a finalidade não lucrativa, apliquem seus excedentes financeiros na educação e assegurem a seu patrimônio à outra escola da mesma natureza jurídica ou ao Poder Público em caso de encerramento de suas atividades (art. 213).
Aos municípios foi outorgada a autonomia em matéria de educação fundamental e infantil, fato que muito contribuirá para o desenvolvimento nacional se, de fato, os governantes destes entes cumprirem a destinação das verbas previstas na constituição (arts. 211 e 212).
Em matéria de competência legislativa, cabe à União legislar privativamente sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV) e concorrentemente com os Estados e Distrito Federal sobre educação, cultura, ensino e desporto (art. 24, IX). É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. José Afonso da Silva conceitua competência como a “faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções” (21). A competência privativa da União decorre da importância dos temas elencados no artigo 22 da C. F. e implica em demonstrar supremacia deste ente sobre os demais da federação no que diz respeito a determinados assuntos. Competência privativa, todavia, não significa exclusiva, esta indelegável. A competência concorrente permite que a União edite normas gerais enquanto os Estados e Distrito Federal poderão especificá-las por suas leis. A competência comum, por sua vez, implica na possibilidade de várias entidades elaborarem leis em igualdade e sem exclusão de competências de cada um destes entes.
Interessa-nos aqui, em específico, os princípios constitucionais que facultam à iniciativa privada a exploração da atividade de ensino, mediante autorização e avaliação de qualidade pelo poder público (arts. 206, III e VII; 209, I e II; 214, III), pois estes são os que acabam por influenciar e definir a forma de atuação dos interessados frente ao Estado e Instituições Privadas de Ensino Superior para o efetivo exercício do direito à educação (art. 205).

Notas:

1. Motta, Direito educacional e educação no século XXI. p. 75.
2. Maria Lúcia de Arruda Aranha, Filosofia da educação. Moderna, p.72-76.
3. José Robson de Andrade Arruda, A revolução industrial. p. 24-32.
4. Lorenzo Luzuriaga, História da educação e da pedagogia, p. 150.
5. Marc Ferro, História das colonizações, p. 396.
6. Integração educacional no mercosul: a história de um unilateralismo. Nelson Piletti e Walter Praxedes. In: História da educação: processos, práticas e saberes. (Org.) Cynthia Pereira de Souza. 1998.
7. Fernando Novais (Org.), História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. vol. 1. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura. Luiz Carlos Villalta. p. 348-349.
8. Fernando Novais, op. cit., p. 349-50.
9. Grijaldo. O ensino secundário no Império brasileiro, p. 17.
10. Cyntia Pereira de Sousa, História da educação, processos, práticas e saberes ( Org) A maçonaria republicana e a educação: um projeto para a conformação da cidadania – Carmen Sylvia Vidigal Moraes, p. 5-26.
11. Nelson Piletti, História da educação no Brasil. p. 49.
12. Sem a extensão do aprendizado, não haverá harmonia dos povos. O Estado de São Paulo, Caderno de Educação, 22, out., 1998, p. H-7.

13. BUTLER, Declan & FLEAUX, Raquel. Concorrência da Internet ameaça publicações científicas. (on line) 22/01/99.
14. Governo mineiro revoluciona a educação, O Estado de São Paulo, Suplemento Especial, 30/04/98.
15. Progressos no ensino, O Estado de São Paulo, p. A3, 26/04/98.
16. TOMAZELA, José Maria. Bibliotecas do interior viram “point” de jovens. O Estado de São Paulo. pág. C10, 14/06/98.
17. WEBER, Demétrio. Secretário diz que MEC discute ensino pago. O Estado de São Paulo, p. A12, 17/10/98.
18. TREVISAN, Leonardo, Ensino superior é mais elitizado no Nordeste. O Estado de São Paulo, p. A-14, 11/12/98.
19. SILVA, Sônia Cristina. Governo derruba liminar que suspendeu o provão. O Estado de São Paulo, p. A-15, 11/06/98.
20. O “Provão” se impõe. O Estado de São Paulo, p. A3, 06/06/98.
21. José Afonso Silva, Curso de direito constitucional positivo. p. 419.

Marco Antonio Marcondes Pereira é Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP, Especialista em interesses difusos e coletivos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, Professor da FIG e Promotor de Justiça do Estado de São Paulo.

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