Estudos recentes sobre a fiança locatícia.

Fernando Brandini Barbagalo

A fiança locatícia, assim como a genérica, consiste num negócio jurídico acessório em que pessoa estranha a um contrato assume voluntária e solidariamente, perante o credor, obrigação de pagar um débito.

Apesar de ser contrato acessório, pode ser livremente estipulado pelas partes com maior ou menor grau de vinculação. No caso específico da fiança locatícia, se esta for celebrada sem limites, os encargos correspondentes ao fiador, compreenderão todos os débitos e saldos em aberto referente ao imóvel, garantindo, por exemplo: os aluguéis vencidos e não pagos, tarifa de água e de energia elétrica referentes ao imóvel, incluindo, ainda, a responsabilidade por danos resultantes de sinistro.

Assim, o fiador compromete-se por todos os encargos de seus afiançados, enquanto estes não se desobrigarem com o locador, o que se dá com a entrega das chaves do imóvel.

Acentue-se, por oportuno, que o fiador validamente citado será responsabilizado, solidariamente, por todas as despesas judiciais decorrentes de eventuais ações intentadas contra o locatário, todavia, em relação aos débitos judiciais referentes a ação de despejo, as temos por insubsistentes, pois nesta, entendemos, o mesmo não pode ser parte, conforme veremos mais a frente.

Como contrato cumulativo e unilateral, o garante não aufere vantagem, portanto, deve ser interpretado restritivamente (Código Civil, artigo 1493), além de vincular o pactuante somente nas cláusulas que teve ciência, quando da assinatura do contrato, não podendo ser onerado por estipulação alteradas sem sua notificação ou ciência. O fiador, portanto, somente responde pelo que aquiesceu no momento do pacto; se alguma dúvida vier a surgir, será ela resolvida em favor do fiador.

A garantia da fiança acompanha a eficácia da relação locatícia, enquanto esta perdurar aquela, igualmente, subsiste. Entretanto, se o contrato da locação estabelecer fiança com prazo determinado, o locador ao seu final poderá exigir que o locatário apresente nova garantia.

Ainda com a morte do fiador, o pacto acessório continua produzindo efeitos, porém a garantia abrange apenas as dívidas anteriores ao seu óbito, pois o espólio do garante não pode suportar as posteriores. O mesmo não ocorre com a morte do afiançado devido ao caráter intuitu personae da fiança. Com seu falecimento, encerra-se a fiança.

No caso da fiança ser estabelecida sem limitação de prazo, o fiador poderá exonerar-se a qualquer tempo, nos termos do artigo 1500 do Código Civil, respondendo somente pelo que ocorrer antes de celebrado o acordo, ou proferida a decisão judicial de exoneração.

Ocorrendo ação revisional de aluguel ou renovatória está não alcançará a responsabilidade do fiador, salvo se forem devidamente cientificados daquela e não se oponham. Consigne-se que não é necessário que o fiador integre o polo ativo, ou passivo da demanda, restando suficiente a sua notificação, inclusive extrajudicial.

O artigo 40 da Lei do Inquilinato (Lei 8245/91) descreve os motivos que ensejam ao locatário a possibilidade de exigir novo fiador ou substituir a modalidade de garantia dentre aquelas que a lei possibilita, ressaltando que todo contrato de locação comporta apenas uma modalidade de garantia. O contrato que estipular mais de uma garantia será considerado nulo de pleno direito.

Saliente-se que, não apenas a garantia prestada em excesso será nula, mas todo o contrato. Além disso, tal conduta é tipificada como contravenção, punida com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor último aluguel atualizado e que será revertido em favor do locatário (Lei do Inquilinato, artigo 43).

Questão intrincada surgida com a vigência da nova Lei do Inquilinato (Lei 8245/91) e seus novos procedimentos para ação de despejo de imóveis urbanos, trata da possibilidade de cumulação à ação de despejo a cobrança de aluguéis e acessórios vencidos.

A dificuldade decorre da existência legitimidade passiva do fiador na ação de despejo cumulada com a de cobrança de aluguéis, formando um litisconsórcio passivo facultativo com o inquilino faltoso. Tal cumulação de pedidos, conceituada por José Carlos Moreira, como em sentido estrito e de modalidade simples (Novo Processo Civil Brasileiro, editora Forense, ed. 2000, pag. 13), não pode, a nosso ver, ser integrada pelo garante, pois este é responsável solidário pelo pagamento dos encargos locatícios em decorrência de um contrato secundário de fiança, logo não pode ser parte na ação de desalijo.

Em assim sendo, o locador carece de interesse processual em relação ao fiador no que tange à pretensão de despejo. Não se pode ser réu apenas em parte da relação processual. “Ora se o fiador não pode ser réu na ação de despejo, não poderia figurar como réu na cumulação daquele pedido com o de cobrança” (Francisco Carlos Rocha de Barros, Comentários à Lei do Inquilinato, Saraiva, 1995, pg. 352).

Advindo de relação material e processual diversas, a responsabilidade do fiador deve ser objeto de discussão em ação própria.

Apesar do artigo 62 da Lei do Inquilinato não vedar expressamente a inclusão do fiador na cumulação de despejo com cobrança de alugueis, o artigo 292 caput do CPCivil, seu fundamento lógico, estipula que é permitida a cumulação num único processo de vários pedidos, todavia, somente contra o mesmo réu.

Existe, desta forma, uma incompatibilidade legal entre o artigo 62 da Lei 8245/91 e o artigo 292 do Código de Processo Civil, referente à cumulação objetiva e subjetiva.

A jurisprudência não definiu um posicionamento sobre o assunto, hora entendendo que o fiador pode ser sujeito passivo da relação processual (RT 734/409; TJRJAI 396/98 – ementário 22/98; 2.º TA Civ.-SP, Ap. sem Rev. 516003-00/18, 11.ª Câmara; ADCOAS 815176, 8156922), hora excluindo-o de pronto da relação processual (Ag. Ins. 5652 /98 ? Reg. 26/02/99 ? Fls. 3943/3953 ? Por Maioria Des. Paulo Lara ? Julg: 27/10/98; Apelação Civil 11125/98 ? Reg. 12/02/99 ? Fls. 4784/4785 ? Unanime ? DES. CARLOS C. LAVIGNE DE LEMOS ? Julg: 24/11/98 – TJRJAC 11125?98; 2º TACiv/SP, Ap.s/Rev. 461.082 – 8.ª Câm. – Rel. Juiz Ruy Coppola – julg. 29-8-96; 2.º TA Civ.-SP, 7ª Câm., Agr. 524849-00/6; ADCOAS 8149702, 8154664, 1000862)

Um outro entendimento intermediário adotado, ainda timidamente pelos tribunais, nos parece o mais acertado (RT 731/355). Segundo este, o processo deve ser desmembrado pelo juiz, quando do saneamento do feito, aproveitando a mesma peça inicial, havendo, se necessário, uma complementação das custas. Assim, o locatário responderia pelo pleito de rescisão do contrato de locação e cobrança de aluguéis, enquanto o fiador responderia somente por este último. Sobre a possibilidade de desmembramento ver JTA 33/86.

Tal posicionamento é plenamente compatível com os ditames legais, privilegia o princípio da economia processual, evitando um litisconsórcio passivo tumultuado, que freqüentemente é tema de contestação nos tribunais.

Em razão disso, esse nos parece o entendimento mais acertado.

Fernando Brandini Barbagalo é advogado

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