Marcello de Camargo T. Panella
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Introdução
A sociedade está experimentando hoje o resultado de todos os progressos técnicos-científicos ocorridos nos últimos anos. Atrelado a esse desenvolvimento, surgiram os problemas relacionados à poluição e aos prejuízos causados ao meio ambiente.
Para muitos, é tido como elevado e desproporcional o preço que tivemos, e continuaremos tendo, que pagar pelo citado progresso tecnológico em contrapartida à degradação ambiental existente e a obrigação de sobrevivermos num mundo tão poluído.
É exatamente por essa razão que a questão ambiental há tempos tem tido enorme repercussão tanto no cenário nacional quanto no internacional, em decorrência do consenso da população mundial sobre a necessidade de preservação do meio ambiente, bem como de impedir a proliferação dos danos a ele causados.
A relevância do tema originou uma legislação mais rígida sobre as questões ambientais, visando coibir práticas abusivas contra o meio ambiente.
Em decorrência de tal fato, a legislação ambiental nacional, a partir de 1980, recebeu tratamento diferenciado, tendo sofrido transformações significativas, que tiveram como marco inicial a edição da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, também conhecida como Política Nacional do Meio Ambiente, por meio da qual as emissões de poluentes se tornaram intoleráveis.
Até tal data, constata-se que não era considerada “poluição” as emissões das indústrias que estivessem obedecendo aos padrões estabelecidos pelas leis e normas técnicas, isto porque se pensava na época que toda atividade industrial ocasiona certo impacto ambiental.
Pode-se, ainda, citar a existência de 3 (três) outros acontecimentos marcantes no nosso ordenamento jurídico relativos à proteção da natureza, quais sejam: a) edição da Lei 7.347/85, que disciplina a ação civil pública como instrumento processual específico para a defesa do meio ambiente e estende às entidades ambientalistas, em especial às Organizações Não Governamentais (“ONGs”), a legitimidade para atuar na defesa do meio ambiente; b) promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu o direito ambiental como direito fundamental do indivíduo, estando ele inserido dentre os princípios da ordem econômica brasileira; e c) edição da Lei 9.605/98, também conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, que estabelece as sanções penais e administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, cujos aspectos serão objeto de explanação em item isolado.
Analisando tais disposições legais, observa-se a constante preocupação do legislador com a preservação do meio ambiente e, na hipótese de sua impossibilidade, com a reparação do dano causado, isto porque na maioria das vezes a consumação da lesão é irreparável, e a mera indenização é sempre insuficiente.
Ocorrendo esta última hipótese, busca-se sempre no primeiro momento a reconstituição do meio ambiente lesado – retorno ao status quo, cessando-se a atividade lesiva e revertendo-se a degradação ambiental. Ficando evidenciada a impossibilidade de reparação, busca-se a via indenizatória, forma indireta de sanar a lesão, que também objetiva a imposição de um custo ao poluidor pela sua prática censurável.
Feitas tais considerações, passa-se ao exame da responsabilidade civil e penal no direito ambiental, frente às disposições constantes da Política Nacional do Meio Ambiente e da Lei dos Crimes Ambientais.
Da Responsabilidade Civil Ambiental
Conforme já exposto, o surgimento das principais inovações na legislação ambiental está atrelado à promulgação da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, cujos comandos atenderam às exigências da coletividade.
Além de conferir legitimidade ao Ministério Público para atuar em defesa do meio ambiente, a referida legislação infraconstitucional estabeleceu o conceito de poluidor, principal responsável pelo dano ambiental, como sendo “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente (solidariedade passiva), por atividade causadora de degradação ambiental.” (inc. IV, do artigo 3º – parênteses nosso).
Mas a principal característica contida na Lei 6.938/81 diz respeito à inserção da regra da RESPONSABILIDADE OBJETIVA nas questões relacionadas ao meio ambiente.
Tal comando legal também é denominado pela doutrina pátria como teoria do risco, na qual “aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros, deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele.” (Silvio Rodrigues – “in” Direito Civil – Responsabilidade Civil – Editora Saraiva – 15ª Edição – p. 11/12).
O referido enquadramento difere daquele existente no direito privado, isto porque na esfera do dano ambiental não há necessidade do ato ser ilícito e não se perquire a culpa do autor do dano, nos termos do quanto disposto no parágrafo primeiro, do artigo 14, da Lei 6.938/81, a saber:
“Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
…………………………………………………………….
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.” (grifos nossos)
Exemplificando: uma determinada empresa pode estar obedecendo todos os limites de poluição legalmente estabelecidos, mas mesmo assim ser responsabilizada pelos danos causados ao meio ambiente, isto porque sua responsabilidade deriva do risco assumido no desenvolvimento da sua atividade.
Seguindo tal linha de posicionamento, tem-se que para a caracterização do dano ambiental somente é necessária a demonstração do causador da conduta ou atividade/omissão, o dano ambiental e finalmente o nexo causal.
Nesta condição e à luz das disposições legais, cabe estabelecer a quem compete a responsabilidade pela reparação do dano ambiental.
Pode-se dizer que a responsabilidade primeira – mas não exclusiva – pelos danos ambientais cabe ao empreendedor, pois é ele o titular do dever principal de zelar pelo meio ambiente e é ele quem aproveita, direta e economicamente, a atividade lesiva.
Ressalta-se que, na hipótese de existir mais de um empreendedor, a reparação poderá ser exigida de qualquer um dos responsáveis, em virtude da solidariedade de ambos.
Pode-se apontar, ainda, a responsabilidade do Estado pelo dano ambiental, quer seja por ação ou omissão, sendo certo que o ente público também pode ser solidariamente responsabilizado pelos danos ambientais provocados por terceiros, na medida em que é de sua competência o dever de fiscalizar e impedir que tais danos aconteçam.
Finalmente, ressalta-se que pela legislação em vigor as empresas de consultoria e os profissionais em geral também estão sujeitos à aplicação de sanções administrativas, civis e penais por todas as informações por eles prestadas, caso estas acarretem na ocorrência de dano ambiental e reste caracterizada conduta culposa.
Em suma, deve-se sempre ter em mente que no âmbito do direito ambiental a responsabilidade pelo dano é objetiva — teoria do risco — e para sua caracterização basta a comprovação de que o prejuízo decorreu do resultado de determinada atividade e não do comportamento do agente.
Da Responsabilidade Penal Ambiental
A questão atrelada à responsabilidade penal na esfera do meio ambiente decorre dos termos da Lei 9.605, de 12.02.1998 – Lei dos Crimes Ambientais.
A referida legislação foi promulgada com o objetivo de estabelecer sanções criminais aplicáveis às atividades lesivas ao meio ambiente, tendo como elemento determinante da responsabilidade a culpa do agente pelo dano, característica esta totalmente contrária àquela constante da Lei 6.938/81.
Outro importante aspecto se refere ao fato da lei não restringir a imputabilidade criminal tão somente ao responsável direto pelo dano, tendo ela estendido seu alcance a todos aqueles que “sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir sua prática quando podia agir para evitá-la” (cf. artigo 2º).
Dentre os agentes, o legislador apontou um rol, não taxativo, dos possíveis co-responsáveis pelo crime, a saber: o diretor, o administrador, o membro do conselho e de órgão técnico, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica.
Mas o principal ponto da Lei 9.605/98, e que, por sinal, merece maior atenção por parte das empresas, diz respeito à responsabilidade penal da pessoa jurídica, a qual não exclui a aplicação de penalidades à pessoa física envolvida no evento, nos termos do quanto disposto no artigo 3º, a saber:
“Art. 3º – As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único – A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das físicas autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.”
Muito embora dito preceito já estivesse sido delineado na Constituição Federal de 1.988 (parágrafo 3º, do artigo 225), a Lei dos Crimes Ambientais acabou por conferir aplicabilidade aos contornos jurídicos ali contidos, tendo ainda acolhido os ditames da chamada “disregard doctrine”, o que possibilita a desconsideração da personalidade jurídica “quando esta for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente” (cf. artigo 4º da Lei 9.605/98).
Sobre tal instituto — que se aplica para todos os ramos do direito — faz-se necessário citar o posicionamento de RUBENS REQUIÃO, em sua obra “Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica”, a saber:
“o que se pretende com a doutrina do disregard não é a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de o uso legítimo da personalidade ter sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar terceiros ou violar a lei (fraude)” (RT 410/413)
“Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou abuso de direito, ou se deve desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos.” (RT 410/414)
A inserção de tal instituto na legislação foi um importante instrumento criado para defesa do meio ambiente, inviabilizando, assim, a elaboração de qualquer manobra societária que pudesse impossibilitar o ressarcimento do dano causado.
Afora tais características, a Lei 9.605/98 fixou o tipo de ação penal nos crimes ambientais – pública incondicionada – bem como trouxe em seu bojo o rol das sanções penais aplicáveis aos responsáveis pela ocorrência do dano ambiental, quais sejam: (a) pena privativa de liberdade; (b) pena restritiva de direito; e (c) pena pecuniária/multa.
Evidentemente que a pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção) tem aplicação restrita aos ilícitos penais praticados pelas pessoas físicas, as quais, inclusive, poderão se valer do pedido de suspensão condicional da pena – transação penal – quando a penalidade em caso de condenação não ultrapassar a 3 (três) anos.
No que concerne à aplicação da pena pecuniária, observa-se que a legislação atual não teve o condão, nem tampouco a eficácia, de inibir a prática de crime ambiental, isto porque o valor máximo da sanção prevista na Lei 9.605/98 é de aproximadamente R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Ressalta-se que, o legislador preferiu delegar à esfera administrativa o poder inibitório da multa, que, dependendo da gravidade do dano ambiental ocasionado, poderá ser fixada em R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais).
Por fim, merecem comentários as penas restritivas de direito, cuja aplicação foi priorizada na Lei dos Crimes Ambientais por ser mostrarem mais adequadas, tanto para as pessoas físicas quanto para as pessoas jurídicas.
Nos termos do quanto disposto no artigo 7º, do referido Diploma Legal, destaca-se que as penas restritivas de direitos, além de serem autônomas, foram criadas com o escopo de substituir as penas privativas de liberdade, quando: “(i) se tratar de crime culposo ou for aplicada pena privativa de liberdade inferior a quatro anos; (ii) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime.”
Dentre as modalidade de tal sanção, pode-se citar como aplicáveis à pessoa física: (a) prestação de serviços à comunidade – realização de tarefas gratuitas junto a parques, jardins públicos e unidades de conservação, e no caso de dano da coisa particular, pública ou tombada, na restauração desta se possível; (b) interdição temporária de direitos – proibição de contratar com o Poder Público, receber incentivos fiscais e outros benefícios, bem como participar de licitações, pelo prazo de 5 anos, no caso de crimes dolosos, e de 3 anos na hipótese de crimes culposos; (c) suspensão parcial ou total de atividades quando não obedecerem as determinações legais; (d) prestação pecuniária; e (e) recolhimento domiciliar.
Quanto às pessoas jurídicas, a legislação ambiental prevê as seguintes penas restritivas de direito: (i) suspensão total ou parcial das atividades; (ii) interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, aplicável nas hipóteses de funcionamento (a) sem a devida autorização; (b) em desacordo com autorização concedida; ou (c) com violação de disposição legal ou regulamentar; (iii) proibição de contratar com o Poder Público e de obter subsídios, subvenções ou doações pelo prazo de até 10 anos; e (iv) prestação de serviços à comunidade, consistindo em custeio de programas e projetos ambientais; execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos; e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Além da existência das aludidas sanções, merece importante atenção a possibilidade criada pelo legislador de decretação da liquidação forçada de qualquer empresa que tenha sido constituída ou seja utilizada com o intuito de permitir, facilitar ou ocultar a prática de qualquer crime ambiental, pode ainda, impor a pena de perdimento de todo o patrimônio da sociedade em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
Considerações Finais
O meio ambiente é fator de preocupação de todos os povos, os quais buscam insistentemente mecanismos e instrumentos que possam coibir a degradação ambiental.
Tal conscientização forçou os governantes a adotarem uma conduta mais rigorosa na preservação ecológica e no combate àqueles causadores do dano ambiental.
Seguindo a tendência mundial, o Brasil não foi diferente. Desde o início da década de 80, a questão ambiental ganhou amplitude legislativa, tanto na esfera constitucional quanto na esfera ordinária, viabilizando a possibilidade de se responsabilizar civil e criminalmente todos aqueles, pessoa física ou jurídica, que infringirem as leis e normas aplicáveis à espécie.
Referida evolução não pode, nem deve, ser enfocada como uma ameaça à atividade laborativa, mas sim como sendo uma garantia de um mundo melhor para todos, ou, ao menos, naquilo pertinente à questão ambiental.
Àqueles cuja atividade se encontra em posição ambiental vulnerável, sugere-se a adoção de medidas emergenciais, a fim de que não sejam alcançados pelo crivo da responsabilidade objetiva e pelo rigor da responsabilização criminal e administrativa, o que poderá gerar, inclusive, o já chamado passivo ambiental.
Marcello de Camargo T. Panella
Advogado
Thiollier Pinheiro & Branco Advogados – SP