Daniela Aparecida Rodrigueiro Peres Fonseca
“Não hei de pedir pedindo, senão protestando e argumentando; pois esta é a licença e a
liberdade que tem quem pede não favor, mas sim justiça !”
Pe. Antônio Vieira
A beleza do estudo jurídico funda-se, entre outras riquezas, na constante inovação do
Direito. Surgem as leis, seus interpretes e suas interpretações. Mas, a par do respeitado
tecnicismo e formalismo de grandes mestres, necessário se faz a busca da verdadeira
Justiça ante a nova visão que se põe, busca esta que deve ser traduzida nos reais anseios
da sociedade pautando-se na viga mestra do princípio da Ordem Jurídica Justa.
É imperioso perceber-se o verdadeiro sentido das leis, o que quis o legislador dizer nas
entrelinhas do Direito posto; neste diapasão, socorremo-nos do escólio da jurisprudência:
“A interpretação das leis é obra de raciocínio mas também de sabedoria e bom senso, não
podendo o julgador ater-se exclusivamente aos vocábulos, mas sim, aplicar os princípios que
informam as normas positivas”(RSTJ 19/461).
…
A muito se discute sobre os direitos do nascituro. Ensina Pontes de Miranda que “a
obrigação de alimentos pode começar antes do nascimento, depois da concepção (CC, arts.
397 e 4º.), pois, antes de nascer, existem despesas que tecnicamente se destinam à proteção
do concebido e o direito seria inferior à vida se acaso recusasse atendimento a tais relações
inter-humanas, solidamente fundadas em exigências pediátricas”. Inevitável que se
reconheça a polêmica que existe em referida questão, o pensamento de Pontes de
Miranda (retro) está inserido em obra do ilustre Mestre Yussef Said Cahali, que se
posiciona de maneira diversa, entendendo que a “eventualidade do exercício dos direitos
do nascituro apresenta-se condicionada ao seu nascimento com vida”. (*)
A divergência doutrinária é fato; todavia forte e atual corrente assegura tal direito. Dita o
artigo 4º. do Código Civil Brasileiro por “a lei a salvo os direitos do nascituro, desde a
concepção”. Anota Maria Helena Diniz que tal anseio se traduz no direito à vida, a uma
assistência pré-natal adequada etc… ( Revista dos Tribunais. 650/220)
Recentemente, atendendo brilhante doutrina, Juiz de 1ª. instância indeferiu ação de mãe
que pleiteava alimentos em nome do filho que carregava em seu ventre. Entendendo o
digno magistrado faltar à mãe interesse processual, extinguindo o processo sem
julgamento de mérito.
Sua decisão teve por escopo o fato de a mãe não ser casada com o réu da proposta ação,
tendo sido a criança concebida em relação extramatrimonial, sendo a mãe, solteira,
funcionária de empresa do indigitado pai. Ressaltou o culto magistrado que o autor, se
credor de alimentos, o seria apenas e tão somente após o nascimento.
Por via de apelação, o feito foi remetido à 2ª. Instância e, por maioria de votos, foi dado
provimento ao recurso determinando-se o processamento da ação. Em declaração de Voto
Vencido o relator da apelação discorreu sobre o fato de não ter o nascituro direito de
reclamar alimentos, ainda mais quando concebido por relações extramatrimonium,
citando Yussef Said Cahali. Encerra dizendo que a ilegitimidade ativa é manifesta.
Todavia, assegurando base ao petitório, além de o acórdão inegavelmente atribuir
direitos ao nascituro, inclusive no que tange a alimentos, vai além dizendo que
“poder-se-ia até mesmo afirmar que, na vida intra-uterina, tem o nascituro personalidade
jurídica formal, no que atina aos direitos personalíssimos e aos da personalidade, passando a
ter personalidade jurídica material, alcançando os direitos patrimoniais que permaneciam em
estado potencial após o nascimento com vida”. (Ap. C. 272.360-1/6-00 – Tribunal de Justiça
-SP).
No que tange à paternidade não reconhecida, “in casu”, dita o acórdão que não se pode
negar tal direito quando houver prova nos autos que leve a tal dedução. Bem
fundamentada tal afirmação, até porque em face da Constituição Federal, prevalece a
isonomia dos direitos entre os filhos havidos de qualquer natureza ( § 6º. do artigo 227).
Fato é que, seja em outra questão ou nesta mesma polêmica questão dos alimentos ao
nascituro, como meio hábil de se resguardar uma gestação saudável posto que se
preserva com isto o direito fundamental e indisponível da vida, necessário que se busque,
nos casos postos à Justiça, um novo direito apto a atender as necessidades mutáveis da
sociedade contemporânea.
A questão posta, analisada sob o prisma da ordem jurídica justa encontra perfeita guarida,
posto que esta principiologia justifica a concessão de benéficos aptos a assegurarem o
exercícios dos direitos fundamentais do homem. Desde a muito os ordenamentos
prescrevem tais direitos e, considerado como direito fundamental de 1ª geração, o direito
à vida, sob todas as formas, deve ser protegido. Não se trata de inovar, mas de aplicar os
princípios de justiça e dignidade da pessoa humana. Veja que a lei brasileira, desde há
muito pune severamente o crime de aborto e ai, nada mais faz do que preservar a vida
intra uterina, resguardar da forma mais contundente o direito do nascituro. Iguala-se a
esta norma o direitos a alimentos para o nascituro. No aborto não se permite que a vida
intra uterina seja extirpada, negando-se alimentos ao nascitura , em última análise é
negar a própria sobrevivência do feto. O silogismo pode então levar a conclusão lógica,
extraída das duas premissas postas: Negar alimentos ao nascituro é um ato criminoso, tal
qual o é o aborto.
Inevitável que concluamos então, quer no que tange ao direito ora enfocado, quer em
outras linhas de pensamento que a tendência mundial está voltada para a efetividade das
soluções relativas aos processos judiciais. Os Congressos Internacionais de Direitos
denunciam claramente a preocupação dos processualistas em não apenas assegurar o
direito de postular, mas sim de assegurar uma efetiva prestação jurisdicional, apta a
garantir e efetivar os anseios contemporâneos das sociedades. Vê-se um processo voltado
para o desenvolvimento cultural dos povos e, de outra maneira, não poderia ser. Em 1977,
sediado na Bélgica, realizou-se Congresso Internacional visando “Uma Justiça de
fisionomia humana”. 1987 – Na Holanda “Justiça e Eficiência”. Evidente que hoje o
que se busca, e é ótimo que assim o seja, é a existência de um Direito que se enquadre às
realidades vivas, um direito que busque a ordem jurídica justa, que assegure através do
próprio Direito, a Justiça!
Nota remissiva:
(*) CAHALI, Yussef Said; Dos Alimentos, RT, 2ª e., 2ª.t., SP, 1994, p.409.