A partilha de bens na união estável

Patricia Leite Carvão

A PARTILHA DE BENS NA UNIÃO ESTÁVEL
Autor: *Patricia Leite Carvão

No que pertine à divisão de patrimônio quando da ruptura da união estável, a Lei 9278/96, em seu artigo 5º, materializou a existência de uma presunção de que os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes na constância da mesma e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
O referido artigo merece leitura atenta, com várias observações a serem feitas.
A primeira delas diz respeito à presunção estabelecida em lei acerca da partilha dos bens adquiridos, que, conforme se extrai pela leitura do texto supra citado, equipara, neste passo, os efeitos da união estável ao regime da comunhão parcial de bens, onde o patrimônio formado pelos nubentes durante a constância da sociedade conjugal, é partilhado, cabendo 50% a cada um dos consortes.
Para muitos doutrinadores, a presunção estabelecida em lei, uma vez reconhecida a união estável, é absoluta, não admitindo prova em contrário.
Entende-se, contudo, tratar-se de presunção iuris tantum, admitindo, assim, prova em contrário.
Salvo engano, parece ter sido esta a mens legislatoris, ao elaborar a redação do dispositivo ora em apreço. Para corroborar tal raciocínio, basta uma comparação entre a redação dos artigos 3º da Lei 8971/94 e artigo 5º da Lei 9278/96: o primeiro fala expressamente que a meação se daria quando provada a efetiva colaboração do (a) companheiro(a) na obtenção dos bens a partilhar, não parecendo ter o legislador alterado a ratio embasadora deste dispositivo legal a tal ponto que, mudando radicalmente toda a posição anteriormente disciplinada, passe a permitir a meação do patrimônio havido, sempre e, invariavelmente.
Repetindo, basta uma rápida análise na evolução de toda a construção jurisprudencial que regulava o concubinato, para que se verifique que a lei teve sempre, ao longo dos anos, como fim último, proteger o enriquecimento sem causa de uma das partes em detrimento de outra, ora reconhecendo a existência de sociedade de fato entre as partes ( ocasião em que deveria haver prova efetiva da contribuição de uma delas para a formação do patrimônio comum ), ora conferindo indenizações à esposa pela prestação de serviços domésticos.
A presunção em lei estabelecida, no que se refere à equiparação da união estável à entidade familiar, que está a merecer atenção do legislador, por si só, não autoriza qualquer presunção de natureza patrimonial, e, muito menos, presunção absoluta, que não admita qualquer prova em contrário. Entendimento diverso, implicaria em verdadeira intromissão estatal na autonomia da vontade das partes, fazendo com que as mesmas se sujeitassem à regime de bens que muitas das vezes pode não revelar a realidade da vida familiar constituída, regime este que só poderia ser alterado através da celebração de um contrato escrito entre as partes.
Melhor assim, entender-se que criou o legislador uma presunção legal no sentido de que os bens adquiridos o teriam sido com o esforço comum, presunção está que admitiria prova em contrário por um dos litigantes.
Até mesmo porque, ainda que tenha sido o bem adquirido durante a convivência, poderá o ter sido com produto da venda, por exemplo, de um bem pertencente ao patrimônio anteriormente constituído de um dos conviventes, a chamada sub-rogação real, o que também revela que a presunção estabelecida em lei não tem o caráter tão absoluto como pode parecer através de uma primeira leitura.
As leis editadas acerca da matéria, repita-se, são um reflexo da orientação jurisprudencial dominante acerca do tema, que nunca teve a intenção de reconhecer os mesmos direitos da mulher casada à companheira.
Esta posição parece razoável e condizente com a mens legis, que visa proteger a entidade familiar constituída pela união estável. Assim, melhor teria sido a manutenção dos critérios anteriormente estabelecidos para a partilha de bens na sociedade de fato, deixando ao prudente arbítrio do juiz, a análise da efetiva participação de cada um na formação do monte, participação esta que poderia dar-se de forma direta ou indireta, justificando-se, neste último caso, a fim de evitar um enriquecimento sem causa e de compensar o trabalho doméstico.
Há contudo, respeitáveis opiniões em contrário, acerca do alcance do artigo 5º da Lei 9278/96, como por exemplo a do Des. Sylvio Capanema de Souza, em palestra proferida na Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que entende não tratar-se de presunção relativa, mas sim absoluta.
O Prof. Álvaro Villaça Azevedo, autor do Anteprojeto que deu origem à lei 9278/96, em artigo publicado na Revista Literária de Direito, maio/junho de 1996 “Com a promulgação da Lei 9278 em 10 de maio de 1996, está em vigor o Estatuto dos Concubinos” , aduz expressamente, ao comentar o artigo 5º da Lei 9278/96 que a presunção estabelecida neste artigo é iuris tantum ( e não iuris et de iure ), pois admite prova em contrário.
A Lei 9278/96, em sua redação original, anteriormente aos vetos sancionados pelo Presidente da República, poderia ser concebida como tendo, efetivamente, estabelecido uma presunção absoluta para a partilha de bens adquiridos durante a convivência.
Contudo, em seu texto final, o mencionado diploma legal, no que se refere à partilha de bens entre os conviventes, salvo engano, não comporta entendimento no sentido de haver presunção absoluta de comunhão do monte havido. Entendimento diverso, pode, inclusive, levar à grande insegurança no mercado imobiliário.
Com efeito, como ficaria o terceiro de boa-fé que adquirisse um bem de um dos conviventes, caso, no futuro, um deles reivindicasse a meação sobre este mesmo bem? Para alguns autores, poderia o prejudicado ser indenizado pela parte que lhe caberia sobre o referido bem, indevidamente alienado. Tal caminho, porém, apenas confere uma solução à um problema já criado, quando o ideal seria a elaboração de mecanismos que evitassem com que o comprador de um bem imóvel nestas circunstâncias, viesse a ser surpreendido com eventual reclamo do mesmo.
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* A autora é Promotora de Justiça no Estado do Rio de Janeiro

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