Celso Antonio Rossi
Mais uma lei !
Os estudiosos do Direito discutiam ainda a Lei 8.791 ( a chamada lei do companheirato) avaliando e analisando suas regras quando no dia 10 de maio um novo diploma legal veio aumentar a confusão então já reinante.
Trata-se da Lei 9.278.
Pode eventualmente até parecer prematura ou precipitada qualquer análise dessa Lei agora, tão poucos dias desde a sua edição, mas parece mesmo que o momento já é oportuno para se discuti-la.
E sem dúvida alguma que, a exemplo da 8.971, ela vai gerar (aliás, já está gerando) grandes discussões e dúvidas, mas ainda porque surge quando em vigor um diploma legal regulando em parte a matéria.
Mas, nesta avaliação de certa forma resumida, queremos apenas levantar alguns pontos.
A par da expressão “concubinato” já consagrada pelo nosso Direito e pela nossa sociedade (embora sempre encarada com restrições) e de “companheirato” introduzida pela Lei 8.971, surge agora a figura dos “conviventes” adotada pelo novo diploma legal.
Teria sido feliz o legislador ao adotar esta palavra?
Já que a expressão “concubinato” carregava dentro de si um forte estigma pelo que de negativo ela representou durante tanto tempo, por que não se ficar com “companheirato”, que já estava sendo devidamente assimilado (embora alguns preferissem “companheiragem” que, na verdade, parece não soar muito bem para o que se pretendia identificar)?
Mas, enfim, estamos agora diante da figura dos ”conviventes”.
Basta porém que se recorra ao Aurélio (e outros dicionaristas) para que se conclua desde logo que o significado da palavra “convivente” em algumas regiões do país, não é aquele que o legislador quis dar.
Pois dizem os dicionários:
“Convivente – Adj. 1. Que convive. 2. Bras. N.E. Dado a amores ilícitos. Femeeiro.”(Já “femeeiro” significa “mulherengo”).
Claro que o primeiro significado ( “que convive”) é o de âmbito nacional e quer dizer “viver em comum com outrem em intimidade, em familiaridade”.
Embora o segundo sentido “dado a amores ilícitos” seja regional, sem dúvida que no nordeste de nosso país, com o objetivo a que se destina, a expressão poderá não ser bem recebida.
Além disso, a mesma lei traz alguma impropriedade de redação.
Diz ela em seu art. 8º que “Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio.”
Desse dispositivo tiramos duas ilações:
Uma, curiosa: se os conviventes vão requerer alguma coisa só terá que ser mesmo através de requerimento, e não por ofício ou outro expediente. Assim, a vírgula depois de “casamento” e a expressão “por requerimento” são ociosas e denota má técnica legislativa.
A outra questão é mais de dúvida: bastará requerer a conversão da união estável em casamento ?
Como teria que ser feita a prova da união estável ?
Perante o Oficial de Registro Civil ? Ou o pedido de conversão teria de ser precedido de um processo judicial consensual em que os dois declarariam a existência dessa união estável ?
Esta última alternativa parece a mais plausível.
E até se justifica esta situação uma vez que podem os “conviventes” pretender assegurar não só direitos anteriores ao casamento (embora isto pudesse ser feito pela adoção de regime de comunhão universal no casamento) como também uma condição moral de sua união: não se encontravam casados até determinada data mas na verdade mantinham uma união estável.
Mas, como seria essa “conversão” ?
É claro que ela não poderá ser feita simplesmente com o pedido formulado pelos interessados mas através de processo regular de proclamas para oposição de impedimentos, se for o caso.
Mas, outra questão pode surgir daí: não poderia alguém, p. ex, já endividado e, consequentemente com possibilidades de comprometer seu patrimônio, procurar salvar metade dele com a “conversão” de uma união estável (eventualmente inexistente) para casamento ?
São questões que o tempo vai demonstrar se podem ou não ocorrer.
Por outro lado o legislador não define o que seja união estável, apenas dizendo que é aquela convivência duradoura, pública e contínua, deixando ao arbítrio do juiz decidir se esses três pressupostos se encontram presentes ou não, quando houver discussão a respeito. Sim, pois se existir consenso entre o homem e a mulher, bastará a simples homologação.
E aí então poderá ocorrer a hipótese que acima aventamos de realização de uma fraude (declarando a existência de uma união estável, na verdade inexistente) para salvar parte do patrimônio.
Outras dúvidas existem: esta lei revogou a 8.971 ?
Tenho para mim, que não.
Embora regule alguns direitos já previstos naquela lei 8.971 (alimentos) a lei 9.278 não revogou o direito à sucessão, por exemplo que continua a existir naquelas hipóteses da 8.971.
Outrossim, nesta análise muito rápida da nova lei, é importante destacar que ela põe fim a uma discussão que ainda perdurava: agora, toda matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família.
Com certeza dentro da Vara de Família estarão também as ações de meação e de alimentos previstas da Súm 380-STF e na Lei 8.971.
Por último, observe-se que o art. 8º da lei sob exame diz que as ações sobre união estável devem tramitar em segredo de justiça.
Diante do art. 155 do CPC poderia parecer desnecessária essa determinação mas como aquele dispositivo não incluía a situação dos “conviventes” talvez que não tenha sido de toda ociosa essa regra.
Enfim, mais uma lei quando na verdade as duas (8.971 e 9.278) deveriam ter sido fundidas em uma só, aprovadas sem tanta pressa e com redação e disposições mais adequadas com o que se evitaria tantas discussões e dúvidas que prolongarão por muito tempo perante nossos Tribunais.
*O autor é Professor de Direito de Família na Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (Jacarezinho-PR) e vice-presidente da OAB-Paraná.