Chantagem judicial

A propósito do editorial “Chantagem Judicial”, publicado neste jornal, edição do dia 12 de maio de 2005, e das discussões que se sucederam, cumpre serem feitas algumas observações importantes.

Inicialmente, é imperativo asseverar que o Ministério Público Federal ajuizou, em janeiro de 2004, Ação Civil Pública em face da União Federal e do Município de Campo Grande/MS, visando à tutela do patrimônio público e do meio ambiente, na medida em que almejava impedir a construção de presídio federal ao lado de lixão, assim como garantir a regularização da permuta de terrenos efetuada entre a União e o Município de Campo Grande/MS, realizada em flagrante violação aos dispositivos do ordenamento jurídico, uma vez que fora desprovida de autorização legislativa e rigorosa avaliação, causando, consequentemente, prejuízo ao patrimônio público federal.

Em sede liminar, o Ministério Público Federal requereu a concessão de ordem à União para que suspendesse imediatamente a realização de despesas, gastos ou desembolsos de qualquer natureza, bem como qualquer atividade, destinados, direta ou indiretamente, à efetivação da permuta de imóveis com o Município de Campo Grande, à realização da licitação e à condução do projeto de construção da unidade penitenciária no terreno em comento. Pugnou também pela concessão de ordem ao Município para que suspendesse imediatamente qualquer atividade destinada à efetivação da permuta de imóveis e à expedição da Licença de Instalação e de Operação (ou de eventuais outras licenças com denominações diversas) para a construção da unidade penitenciária no imóvel em comento.

O pedido liminar, contudo, foi indeferido pelo Juiz Federal da 3ª Vara de Campo Grande, em 20 de fevereiro de 2004. Irresignado com essa decisão, o Ministério Público Federal interpôs, em 17 março de 2004, recurso de Agravo de Instrumento perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, pleiteando a reforma da decisão de primeiro grau, com a concessão do pedido liminar antes referido, o qual foi distribuído à Desembargadora Federal Relatora, Dra. Marli Ferreira que, com fundamento no art. 527, III, Código de Processo Civil, proferiu, em 29/03/2004, monocraticamente, decisão determinando a suspensão da permuta dos imóveis de propriedade da União e do Município de Campo Grande/MS e do procedimento licitatório destinado à construção do presídio federal.

Posteriormente, em 15/04/2004, atendendo a pedido da União, a Desembargadora Federal Relatora reconsiderou a decisão anterior, apenas para permitir a abertura dos envelopes de habilitação da licitação para construção do presídio federal, não revendo a determinação anterior na parte em que ordenava a suspensão da permuta.

Já em 11 maio de 2004, foi realizada inspeção judicial in loco, que teve como objetivo o deslinde da controvérsia que se instalou nos autos do Agravo de Instrumento quanto à adequação da instalação do Presídio de Campo Grande/MS na área cedida pelo Município à União Federal, sendo que a Desembargadora Federal exarou decisão nos seguintes termos: “À vista disso, (…), esta Relatora decide fixar o prazo de 06 meses para a realização do procedimento licitatório visando a solução técnica mais adequada e menos impactante no resguardo do meio ambiente do Município (…) Assim, fixo o prazo de 30 de julho para a retomada do procedimento licitatório visando o recebimento das propostas para a construção do presídio, sem prejuízo da comprovação do andamento da licitação procedida pela Prefeitura de Campo Grande.”

Atendendo à determinação judicial, o Ministério Público Federal prestou informações ao e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em 28 de julho de 2004, pugnando pela manutenção da ordem judicial que suspendeu os procedimentos licitatórios destinados à construção do presídio federal, até que a licitação promovida pelo Poder Público Municipal fosse concretizada, dando-se o mínimo de condições de tratamento ao lixão desta Capital, providência que não foi acatada pela Magistrada.

Por derradeiro, em fevereiro de 2005, diante da revogação, pelo Município de Campo Grande, do Edital de Concorrência n.º 021/2004, o Ministério Público Federal, ao mesmo tempo em que informou o ocorrido à Desembargadora Relatora, requereu a paralisação das obras do presídio federal, as quais, muito embora não autorizadas (a autorização fora para o processo licitatório, e não para a construção) já se encontravam em estágio bastante avançado de construção.

Em 18 de abril de 2005, atendendo ao requerimento ministerial, a Desembargadora Federal Relatora determinou a suspensão dos trabalhos de construção do presídio federal desta Capital, até que o Município de Campo Grande/MS apresente elementos técnicos definitivos da solução do lixão.

De tudo o que foi narrado, o Ministério Público Federal envidou todos os esforços a fim de que a permuta entre a União e o município de Campo Grande não fosse concluída, ao mesmo tempo em que almejou fosse a penitenciária federal construída na área pertencente originariamente à União.

A construção do presídio federal é, sim, do interesse do Ministério Público Federal, mas essa instituição, como defensora dos interesses coletivos, sociais e difusos, não pode admitir a instalação de um estabelecimento prisional, onde pessoas cumprirão pena e também terão que trabalhar, em local manifestamente inadequado, em face da proximidade do lixão que, infelizmente ainda se encontra a céu aberto, com cheiro fétido, enxames de moscas e fumaça oriunda da combustão espontânea do lixo ali depositado.

A decisão de suspensão das obras, portanto, muito embora possa acarretar prejuízos momentâneos ao erário, evita, sem dúvida, prejuízos maiores no futuro, não apenas aos cofres públicos, mas à saúde e à segurança dos detentos, agentes penitenciários, funcionários e visitantes do presídio federal.

Jerusa Burmann Viecili
Procuradora da República em Campo Grande/MS

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