A interpretação jurídica reclama, antes de mais nada, definir o instituto analisado. Sem essa cautela, corre-se o risco de conferir a uma espécie a regra geral, o que afronta o comando lógico norma specialis derogat generali. A prescrição visa a tornar estáveis situações jurídicas, muitas vezes, polêmicas, contestadas. Busca-se a paz social, consolidando-se relações que, com o passar do tempo, firmam-se em determinado sentido.
A classificação dos atos jurídicos registra a categoria ‘ato nulo’ não gera nenhum efeito. É repelido desde o nascedouro. Alguns autores chegam mesmo a equipará-lo aos atos inexistentes, embora a distinção se justifique. No primeiro, os elementos essenciais se fazem presentes, apesar do vício. No segundo, falta um deles. É nulo o casamento de pessoa casada, ao passo que inexistente, se contraído por pessoas do mesmo sexo.
O Código Penal, no art. 117, relaciona as causas interruptivas da prescrição. correspondem a decisões judiciais (recebimento da denúncia ou da queixa, pronúncia, decisão confirmatória da pronúncia e sentença condenatória recorrível) ou fato relevante (início ou continuação do cumprimento da pena e a reincidência).
A decisão judicial poderá ser confirmada, ou anulada. No segundo caso, repercutirá no curso da prescrição, aplicando-se a regra ‘ato nulo não produz efeito?’ Em conseqüência, afetará a interrupção?
Impõe-se definir a prescrição. Sem dúvida visa a favorecer o indiciado, réu, ou mesmo condenado com sentença transitada em julgado. Tem, evidente, a sua explicação. O correr do tempo vai deixando o fato delituoso no esquecimento, afrouxa-se, quando não desaparece, a reação social ao delito. Busca-se, com a extinção da punibilidade, a paz social, ficando sem sentido movimentar processo, ou aplicar a sanção, transcorrido o tempo que o estado fixou para fazer efetivo o seu poder de punir.
A prescrição é, portanto, sanção (sentido de conseqüência pela não-realização do preceito da norma). A lei estabelece o prazo para o Estado concluir o processo criminal, ou executar a sentença penal condenatória. Não observado, opera-se prescrição, respectivamente, da pretensão punitiva e da pretensão executória.
O pressuposto da prescrição, assim, é a inação, ou retardamento da prestação jurisdicional, desrespeitado o respectivo lapso temporal. Pune-se (sentido vulgar) porque tardia a decisão judicial. Interessa, portanto, a data da decisão do juiz. Não há preocupação com o conteúdo dessa decisão. Certa, ou equivocada, justa, ou injusta, nada conta. Interessa o marco cronológico e nada mais. Tanto assim, se decisão de uma das causas de interrupção for anulada, ou reformada, não traz nenhuma relevância para efeito de prescrição. Tome-se, ilustrativamente, a hipótese do inciso IV pela sentença condenatória recorrível. Interrompe o curso da prescrição apenas porque publicada. Não se examina, não se leva em consideração o conteúdo. Pouco importa, ademais, se vier a ser confirmada, reformada, ou mesmo anulada em 2ªinstância. Importa, insista-se, somente a data da publicação. A não ser assim, a sentença condenatória porque reformada, havendo o acórdão proclamando a inocência, retirando, pois, a sanção penal, passando a decisão absolutória, cancelaria o marco interruptivo. E assim seria porque a decisão absolutória cassa os efeitos da sentença condenatória. Resultaria o seguinte: em se fazendo o cálculo, considerando a pena cominada, se a sentença condenatória recorrível não continuasse a ser marco interruptivo, poderá acontecer de, antes do julgamento do recurso, restar configurada a prescrição, considerando a pena cominada.
As causas interruptivas da prescrição são tomadas como dados cronológicos. Não se tem em conta a legalidade, ou ilegalidade da decisão judicial. A relevância se restringe a policiar o desenvolvimento do ius persequendi, impedir que a instauração, ou transcorrer do processo se alonguem de modo intolerável. Sabido, a relação processual confere ao sujeito passivo direito a solução em prazo razoável. Insista-se, no caso da prescrição, não interessa o conteúdo da decisão, mas a sua tempestividade. E a enumeração das causas interruptivas é taxativa. Não admite ampliação.
A natureza jurídica e a teleologia do Instituto jurídico não podem ser desprezadas pelo intérprete. Somente assim, situar-se-á, com precisão, no sistema jurídico.
O tema merece reflexão mais atenta. Repercute, sem dúvida, no sistema de validade dos atos jurídicos; entretanto, cumpre levar em conta as suas características. Caso contrário, como dito, a norma especial será tratada como norma geral, deixando-se de considerar o quid distintivo, aliás, a nota característica. Em outras palavras, o próprio instituto analisando.
Em Direito Penal e Processual Penal não é absoluta a afirmação ‘o nulo não produz efeito’. Produz, sim. Aliás, com o abono da doutrina e da jurisprudência de todos os tribunais. A sentença condenatória, anulada por recurso do réu, não pode impor pena superior à anteriormente fixada. Nunca é demais relembrar: o Direito é uno; entretanto, cada setor dogmático tem seus princípios e normas específicas.
Luiz Vicente Cernicchiaro
O autor é Ministro do Superior Tribunal de Justiça e professor titular da Universidade de Brasília