Vizinhanças da criminologia

Rubem Gomes Ferraz

Lecionou Roberto Lira que a Criminologia, o estudo do crime e dos criminosos, dentro de um recorte causal explicativo, informado de elementos naturalísticos (psicofísicos), é ciência social ou não será ciência (Criminologia, Rio de Janeiro: Forense, 1964). Nunca ciência social solta, gravitando no espaço infinito do conhecimento, mas presa à Sociologia, à apreciação científica da organização da sociedade humana. Por sinal, a Sociologia, íntegra e síntese, concomitantemente, das ciências ditas sociais, aflora escreve J.H Abraham (Sociology. London: The English University Press, 1966) na condição dupla e contrastante de uma das mais jovens e uma das mais velhas ciências. Jovem, depreende-se até da cunhagem relativamente recente do respectivo vocábulo, um termo híbrido, por Augusto Comte (1798-1857), do latim socius, amigo ou companheiro, e do grego logos, ciência. Velha, porquanto a análise da vida gregária dos seres humanos já era praticada de vários modos pela Antropologia, bem antes de sua aparição no cenário cultural. No entanto, não só do pensamento sociológico se nutre a Criminologia, que, pelo contrário, possui feição eminentemente multidisciplinar, sempre se enriquecendo com diferentes ciências posicionadas à sua volta e áreas do conhecimento afins ou tributárias. A maioria vai listada adiante: primus inter pares, o Direito Penal, ramo da Dogmática Jurídica que define quais as condutas tachadas de crimes ou de contravenções, estatuindo as respectivas penas; a Medicina Legal (aí compreendida a Psiquiatria Forense), aplicação específica das ciências médicas, paramédicas e biológicas ao Direito; Psicologia Criminal, cuja matriz é a Psicologia (comum), ciência ocupada com a mente humana, seus estados e processos: a Antropologia Criminal (Ferri, Lombroso e Garofalo), que avoca a si a responsabilidade de pesquisar e desenhar supostos perfis paradigmáticos dos infratores penais, a partir de disposições anatômicas e estigmas somáticos singulares, se bem que um pouco desprovida do crédito desfrutado antigamente; a Sociologia Criminal (subdivisão da Sociologia, filiada à Sociologia Jurídica), fundada pelo precitado Enrico Ferri, que visualiza o ilícito penal como fenômeno gerado no desenrolar do convívio, em escala ampla, dos homens, sopesando a importância direta ou indireta da ambiência social na formação da personalidade de cada um; a Psicossociologia Criminal, subordinada à Psicossociologia, suma psicológica dos fatos sociais; a Política Criminal, que rastreia e monitora os meios educativos, suasórios ou intimidativos de que dispõe ou deve dispor o Estado, inclusive no terreno da elaboração legislativa, para o melhor desempenho de dois dos seus papéis basilares, prevenir e reprimir a criminalidade, procurando ela, paralelamente, fornecer fórmulas para se achar a proporção ideal entre a gravidade da conduta de um determinado criminoso ou contraventor penal e o quantum da sanção a infligir-se-lhe, face a face com a situação concreta, desde que haja vantagem efetiva para a sociedade na punição; a Lógica Jurídica, no seu segmento que se dirige para a fenomenologia e a problemática do crime, lastreada na Lógica formal, pura (ciência da razão, em si mesma). Outrossim, conta a Criminologia com achegas de ciências auxiliares: a Genética, ciência da hereditariedade; a Demografia, levantamento numérico populacional (taxas de natalidade e de mortalidade, distribuição de faixas etárias, expectativa de vida, migrações etc.); a Etologia, investigação de natureza científica do comportamento humano, em derivação das leis gerais da Psicologia, referidas, porém, às múltiplas influências e acomodações que as circunstâncias ambientais exercem, de ordinário, sobre o comportamento da pessoa ou da grei, no que se aproxima, numa perspectiva ontológica, mutatis mutandis, da emergente Ecologia Criminal; a Penalogia (ou Penologia) que Francis Lieber, o criador da palavra (1834), conceituou como o ramo das ciências criminais que cuida do castigo do delinqüente (apud Marcó del Pont, in Penalogía y Sistemas Carcelarios. Buenos Aires: Ediciones Depalma, Tomo I, 1974); a Vitimologia, estudo do comportamento da vítima, com detida avaliação das causas e dos efeitos da ação delitiva, esquadrinhada sob o prisma e a interação da dupla penal criminoso/vítima, devendo-se o vocábulo ao advogado israelense B. Mendelsohn, pioneiro no assunto, e a continuação do desenvolvimento da matéria ao criminologista teutônico Hans von Hentig: a Estatística, conjunto de métodos matemáticos, centrada em dados reais, de que se serve para construir modelos probabilísticos relativos a indivíduos, grupos ou coisas (por exemplo, defasagem quantitativa ou qualitativa na oferta de empregos), quando, numa sua vertente especializada (Estatística Criminal) trate e retrate fatores ou indutores de criminalidade. Ora, toda ciência, proclamou Aristóteles, tem por objeto o necessário (Analytica Priora. Oxford: Ed. Ross, 1949). Não é tarefa fácil para a Criminologia lidar a contento com a delinqüência constantemente sofisticada, assim como com a violência, que hoje quase se banalizou. Para ficar melhor a par do itinerário, inclusive soturnos atalhos, da estrada larga, tortuosa, sinuosa que conduz ao delito, com suas miríades de micros e macromecanismos criminógenos (individuais e coletivos). sobretudo nos agregados sociais urbanos de densa população, a Criminologia precisa traçar uma estratégia. Logo, ciência aplicada, utilitária e teleológica que é, jamais poderá nem almejará abrir mão de seu entorno, que científico, quer simplesmente paracientífico.

Rubem Gomes Ferraz
Subprocurador-geral do Ministério Público da União e
ex-diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros

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