André de Sá Braga
O Código Civil Brasileiro é precedido pela chamada Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657/42), que tem como objetivo, de uma forma geral, facilitar a aplicação das demais leis. Muito embora a definição utilizada neste momento seja a mais simples possível, a chamada Lei de Introdução trata-se de uma verdadeira bússola para fazer valer as regras jurídicas de nosso país, mostrando, também, como elas devem ser entendidas e utilizadas.
Segundo o art. 5º da Lei de Introdução, na aplicação de qualquer lei ‘‘o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’’. Em resumo, a lei que orienta as demais leis determina que os juízes devem se certificar de que, quando dão uma sentença, tendem, ainda, às conveniências e possibilidades de autor, réu e comunidade.
Entretanto, quando o tema é pensão alimentícia, parece que alguma coisa não anda de acordo com o aviso dado pela própria lei.
Apenas com o fim de simplificar, passaremos a denominar de agora em diante alimentante como a pessoa a quem cabe pagar a pensão e alimentado a pessoa a quem se dirige a prestação alimentícia. Para que se consiga a pensão alimentícia é necessário, primeiramente, que se demonstre que existe entre alimentante e alimentado grau de parentesco, relação matrimonial ou de companheiro (aquele que convive com outro como se marido e mulher fossem). O art. 399 do Código Civil determina que ‘‘são devidos os alimentos quando o parente, que os pretende, não tem bens, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença (sobrevivência), e o de quem se reclamam pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento’’. O art. 400 do mesmo Código, de forma mais clara traduz assim o art. 399: ‘‘Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada’’.
Dessa forma, não basta o parentesco. O interessado em receber a pensão deve demonstrar que está sem condições de conseguir, pelas suas próprias forças, o mínimo para viver, e mais, que aquele seu parente, cônjuge ou companheiro(a) possui sobras de dinheiro para lhe ajudar. E é sobre isso que se quer falar, sobre aquele que possui as sobras e, por lei, tem o dever de alimentar seu semelhante.
O que se tem visto hoje em nossos tribunais é que todas as atenções são dirigidas a suprir as necessidades do alimentado, principalmente quando filhos, com pouca preocupação em saber se está, apenas e tão-somente, se atingindo as sobras de dinheiro do alimentante. Tomemos como base o caso de sustento de filhos, mais comum no caso de pensões alimentícias. É certo que toda criança tem o direito de estudar, de ter lazer, de vestir-se e tudo mais que a Constituição assegura. Essa mesma Constituição garante que apenas um salário mínimo deve ser capaz de atender às necessidadeos básicas vitais do trabalhador e de sua família, com moradia, alimentação, educação… Era de se supor, pela simples leitura da Constituição, que um salário mínimo seria mais do que suficiente para se alimentar uma criança, o que não é verdade. Assim como também não é verdade que retirar 30% dos rendimentos brutos de um simples funcionário público ou de um comerciário, hoje, seja estar retirando-lhe sobras de dinheiro. Todos têm o direito de, além de também ter o mínimo para sua existência, poder, ainda, aumentar um pouco o seu patrimônio que, na verdade, pertencerá um dia ao próprio alimentado. O Judiciário, na atual situação econômica (recessiva) de nosso país, deve estar atento, mais do que nunca, à possibilidade do alimentante. Como pode ser visto e revisto nos jornais de nosso país, filhos em famílias ainda estruturadas têm deixado de ir à escola, comprar material escolar e passear porque os pais não possuem mais recursos. Não é a separação que enriquece o homem ou a mulher, muito pelo contrário, as necessidades crescentes são de todos.
Nesse ponto é que a decisão do juiz, a lei em sua forma mais pura, deve estar atenta às suas próprias determinações, condições e objetivos, não permitindo que alguém se torne necessitado ou miserável para salvar alguém. Diz o professor Antunes Varela que nunca se pode ‘‘sacrificar o mínimo necessário à vida normal do cônjuge devedor (alimentante)… até para que não se mate, em prejuízo definitivo do próprio credor (alimentado), a galinha dos ovos de ouro!
André de Sá Braga
Advogado em Brasília