Idéia de que volta do dinheiro é antiética prejudica o país

por Ricardo Tosto

No curso da história do mundo, muitos países, em diferentes momentos, adotaram táticas para recuperar recursos que foram se refugiar fora das suas fronteiras. O retorno obtido em todos os casos conhecidos é estimulante. A Espanha recuperou US$ 30 bilhões. A Itália teve de volta US$ 40 bilhões, enquanto o México recobrou US$ 50 bilhões.

A esperada arrancada do Brasil rumo ao crescimento, já se sabe, não será possível apenas com os meios tradicionais de investimento e financiamento. O país tem, e não é de hoje, grande necessidade de capitais. Segundo previsão do Banco Central, do exterior não virão mais que US$ 10 bilhões este ano.

Na esfera governamental, os recursos são virtualmente inexistentes. Basta lembrar que o Tesouro precisa sugar do mercado US$ 81,6 bilhões para se autofinanciar. Enquanto isso, repete-se a todos os ventos o que todo o mundo sabe: há bilhões de dólares de brasileiros no exterior, a grande maioria retirada do país ilegalmente. Estimativas conservadoras dão conta de que US$ 70 bilhões saíram do país sem pedir licença.

O governo deveria olhar para essa montanha de dinheiro cinzento que dorme em bancos internacionais e enxergá-la como uma fonte original de captação de recursos. Fala-se, aqui, de estimular o repatriamento, adocicando-o com anistia para os detentores do dinheiro.

Logo após o golpe militar de 64, o então presidente Castello Branco impôs anistia para trazer de volta ao país dólares que daqui fugiram. A medida não surtiu o efeito esperado. Vivia-se uma ditadura militar, cujos rumos não se conheciam. O momento, paradoxalmente, era de fuga de capitais.

Infelizmente, a roda da história recente do país movimentou-se no sentido de incentivar a evasão de divisas. Foram sete planos econômicos em oitos anos — proeza imbatível —, tendo um deles brindado os brasileiros com confisco de depósitos; moratória externa, em 1986; e a traumática morte de Tancredo Neves, para ficar nos exemplos mais evidentes. No ano passado, a evasão acentuou-se, à medida que se delineava a possibilidade de vitória do PT, estigmatizado como partido anticapitalista.

A posse do presidente Lula e o comportamento dos membros de seu governo, mostrando preocupação com a governabilidade, o cumprimento das regras — principalmente as de mercado —, o respeito aos contratos, estão trazendo de volta a confiança nos rumos do país. Somem-se a aprovação das reformas tributária e previdenciária, o rumo descendente dos juros, o rígido controle da inflação e se terá um quadro ideal para promover uma anistia que alcance aqueles que, praticando sonegação fiscal e evasão de divisas, enviaram recursos ilicitamente para o exterior.

Essa anistia não beneficiará, por óbvio, o dinheiro do crime organizado, do tráfico de drogas e de práticas semelhantes. O alvo é o dinheiro decorrente da sonegação fiscal, que transita pelo circuito caixa-dois exterior. Alguém dirá que a anistia é antiética e o governo deveria adotar as medidas necessárias para descobrir esse dinheiro, confiscá-lo e punir os responsáveis. Esse purismo ético, no entanto, apenas prejudica o país. São elevados os custos e as dificuldades de ações desse tipo no exterior, sem contar que muitos países não têm interesse em colaborar.

Sem contar, é claro, com os óbices e obstáculos dos direitos individuais que podem eternizar as disputas e impedir que as atuais gerações vejam a cor do dinheiro. Sonegação, é preciso que se diga, não é prática passível de repatriamento de dinheiro. Aliás, nem no Brasil o ato de sonegar está inscrito dentre as hipóteses da lavagem de dinheiro.

A anistia aqui proposta é de grande interesse para o país. Ainda que não se trate do interesse nacional celebrizado com cores heróicas e rufar de tambores por assemelhar-se a uma concessão menos nobre, essa iniciativa atende, sim, ao interesse do Brasil. Ao contrário da medida imposta por Castello Branco, em que a única exigência era que 70% dos recursos fossem repatriados, é preciso que os que remeteram os recursos paguem, pelo menos em parte, pelo ilícito cometido.

Assim, quem se beneficiar da anistia deverá declarar e identificar o montante depositado no exterior, pagando a título de Imposto sobre a Renda o equivalente a 4% do total declarado e repatriado. Poder-se-ia também permitir que os recursos, uma vez declarados, permanecessem no exterior, mas sujeitos a uma tributação maior que aquela incidente sobre os recursos repatriados.

Quem afastou daqui as riquezas que emprestaram a outros nacionais a qualidade de vida, o emprego e o bem-estar pertencentes ao país deve isso aos brasileiros. A anistia seria complementar ao Refis, que anistiou débitos fiscais no país para garantir a sobrevivência das empresas e alimentar o caixa do governo.

Já a ameaça de punição pelo crime de evasão de divisas impediu àqueles que praticaram a mesma sonegação, mas enviando os recursos ao exterior, regularizarem sua situação. Negar essa evidência é optar pelo benefício abstrato de um valor discutível em detrimento dos valores que podem socorrer a economia do Brasil e o bem-estar dos brasileiros.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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