MEDIDAS PREPARATÓRIAS DA AÇÃO FISCALIZADORA NO CAMPO DO ICMS

Autor: Carlos H. Peixoto

* Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Ipatinga, Turma 2003; formado em Ciências Contábeis pela PUC-MG, Fiscal de Tributos do Estado de Minas Gerais desde 1994.

1.0 Introdução

O Projeto de Lei 1.346/2003, encaminhado pelo Governo do Estado de Minas Gerais à Assembléia Legislativa em dezembro de 2003, institui as Carreiras de Auditor Fiscal da Receita Estadual e Especialista em Arrecadação e Tributação. A Lei de Carreira amplia a competência dos Especialistas em Tributação e Arrecadação, deferindo a estes, também, a execução de medidas preparatórias da ação fiscal, atualmente permitidas somente aos Fiscais e Agentes Fiscais de Tributos. A modificação, certamente, gerará conseqüências para o contribuinte em seu relacionamento com o Fisco. Esse pequeno trabalho objetiva analisar o alcance do termo “medidas preparatórias da ação fiscal”, tendo como fontes o Código Tributário Nacional e a Legislação Tributária Administrativa do Estado de Minas Gerais.

Por mais simples, de amplo conhecimento e cômodo que seja o sistema, de modo a facilitar o cumprimento voluntário das obrigações, a Administração Tributária necessita estar devidamente aparelhada, de forma a conhecer e controlar as informações acerca da ocorrência dos atos econômicos – base do fato gerador da obrigação. Daí a rotineira e incessante tarefa, no âmbito interno das repartições, seja conferindo dados, cobrando omissões, apontando distorções ou exigindo a complementação e validação de elementos cadastrais.

1.1 A fiscalização no âmbito da administração fazendária

O termo fiscalização, no sentido empregado pelo artigo 196 do Código Tributário Nacional, refere-se às formalidades a serem observadas pela autoridade administrativa na abertura do procedimento de investigação, no exercício do Poder de Polícia Fiscal. Contudo, em sentido amplo, a Administração Tributária pratica a fiscalização constante das informações prestadas pelos contribuintes. Desde o momento em que o administrado requer algum expediente, tais como Inscrição, alteração no cadastro, certidão negativa, emissão de nota fiscal avulsa, ou outros serviços, é dever da repartição de fazenda verificar se o particular está em dia com as obrigações tributárias. Portanto, as ações no âmbito interno, que tenham por objetivo o controle do cumprimento das obrigações, podem ser efetuadas tanto por fiscais, quanto por técnicos fazendários – estes últimos nos limites de sua competência legal, já que não são investidos do Poder de Polícia Fiscal.

Onofre Alves1 (Batista Júnior, 2001: 246) denomina como fiscalização cadastral os controles exercidos, internamente, pela Administração Tributária. Discorrendo sobre o tema, “Breves notas sobre Fiscalização Tributária”2 (Batista Júnior, 2002: 18-19), o ilustre Procurador da Fazenda Estadual identifica três subtipos de Fiscalização Cadastral:

· Atividades de mera constatação;

· Comprovações formais;

Verificação de omissos de recolhimentos.·

1.2 Atividades de mera constatação

Para Onofre Alves3, as atividades de mera constatação ”consistem em mera verificação do cumprimento, pelos sujeitos passivos, dos deveres de polícia de apresentar declarações, ou seja, dos deveres instrumentais de municiar o Fisco de informações”. (Batista Júnior, 2002: 19).

Tendo em vista o regime de recolhimento, o código de atividade econômica, ou as peculiaridades do tributo, a lei poderá instituir declarações ou demonstrativos diferenciados. De fato, é por meio das declarações prestadas pelos contribuintes que a Administração Fazendária, num primeiro momento, constata se o administrado cumpriu ou não com os seus deveres acessórios, se entregou, na forma e no prazo estipulado, os demonstrativos exigidos pelo Fisco. Nessa primeira fase, portanto, é que são apontados os contribuintes omissos de entrega de declarações.

1.3 Comprovações formais

Cumprida a primeira obrigação do contribuinte, qual seja, a de prestar as informações exigidas, a declaração ingressa na fase de comprovações formais. Nesse momento é que serão verificadas possíveis incorreções, erros materiais ou aritméticos no documento. Utilizando-se do aparato tecnológico, por meio de programas e de sistemas de informática, a Administração Tributária confere a consistência dos valores declarados e o seu “batimento” com os campos apropriados. Atualmente, com a transmissão de dados via Internet, os sistemas eletrônicos só recepcionam a declaração consistente, a inconsistente é rejeitada.

Recepcionada, a declaração ingressa na fase das comprovações formais. No âmbito da Secretaria da Receita Federal4, é o momento em que é feita a Revisão de declarações, também conhecida como “malha fiscal ou malha fina”, é o procedimento de revisão sistemática das declarações apresentadas pelos contribuintes, realizado internamente pelas repartições da Secretaria da Receita Federal. Na revisão de declarações, quando necessário, o Auditor-Fiscal da Receita Federal intima o contribuinte a apresentar, na SRF, documentos e informações. Eventualmente, com a finalidade de verificar a consistência das informações declaradas, o Auditor-Fiscal da Receita Federal pode realizar diligências junto a terceiros que tenham relação com os fatos a serem examinados. A Revisão de declarações diferencia-se da ação fiscal externa pelo seu escopo, delimitado a informações constantes na declaração que está sendo revista, e pela profundidade das análises que o Auditor-Fiscal deve realizar para a conclusão do trabalho. (Grifos nosso).

Em resumo: o trabalho pesado, na fase das comprovações formais, é realizado por meio do aparato de informática.

1.4 Verificação de omissos de recolhimentos

Por fim, na classificação adotada por Onofre Alves, op. cit., chega-se à fase da verificação de omissões de recolhimento de tributos. Nesse momento, a Administração confronta os valores a recolher, declarados pelo contribuinte, com o efetivo recolhimento do imposto.

No caminho interno percorrido pela declaração, não há que se falar em observância das formalidades exigidas para abertura do procedimento fiscal investigatório. Não há prazos para diligências, e o objeto é a própria declaração; tampouco existe a obrigatoriedade da lavratura de termos, já que a Administração Tributária, nesse momento, limita-se a trabalhar os dados remetidos pelos contribuintes através de declarações previamente instituídas. Portanto, o contato com o administrado, na fase de controle interno, pode se dar por meio de comunicados ou avisos; até mesmo por telefone os agentes podem exigir do contribuinte a entrega da declaração ou o pagamento do imposto omisso, bem como a complementação e o acerto de informações cadastrais. Afinal, é obrigação da Administração Tributária controlar, acompanhar e monitorar as informações prestadas pelos contribuintes, de forma impessoal, massiva e contínua, objetivando aumentar o nível de cumprimento voluntário das obrigações.

Ressalte-se que a Lei Complementar não definiu quem seria a “autoridade administrativa” (artigos 142 e 196 do CTN), competente para a emissão dos respectivos atos. Nem poderia, já que compete ao Ente Tributante organizar a forma como os seus tributos serão arrecadados, fiscalizados e lançados.

Em Minas Gerais, nos moldes da Receita Federal, a estrutura da Receita Estadual segue por duas vias, imprescindíveis uma à outra: a Administração Fazendária, gerenciada por técnicos de tributos estaduais, e a Delegacia Fiscal, gerenciada por funcionários-fiscais. O artigo 201 da lei 6.763/75, alterado pela lei 14.699/03, afasta qualquer dúvida quanto a quem compete fiscalizar os tributos estaduais:

Art. 201 – A fiscalização tributária compete à Secretaria de Estado de Fazenda, por intermédio dos seus funcionários fiscais e, supletivamente, em relação às taxas judiciárias, à autoridade judiciária expressamente nomeada em lei. (Grifos nosso).

E o parágrafo 1º, do mesmo artigo, arremata:

§ 1 – Compete exclusivamente aos Agentes Fiscais de Tributos Estaduais e aos Fiscais de Tributos Estaduais o exercício das atividades de fiscalização e de lançamento do crédito tributário. (Grifo nosso).

De volta ao controle dos omissos de recolhimento, se o contribuinte insiste em descumprir suas obrigações, principalmente após a entrega da declaração, negando-se a recolher o tributo devido, a via adotada pela Administração não será outra, senão o lançamento ex-officio. Em tais casos, a Consolidação da Legislação Tributária Administrativa do Estado de Minas Gerais, em seu § 3º, Art. 58 do Decreto 23.780/84, autoriza a emissão do Auto de Infração eletrônico, sem prejuízo do lançamento fiscal, em dúvida quanto à existência de lançamento administrativo, passível de emissão por agente desprovido do Poder de Polícia Fiscal.

Pelo mandamento da Consolidação da Legislação Tributária e Administrativa (CLTA/MG), o Auto de Infração por omisso de recolhimento, ou pela não entrega de documento prescinde de assinatura e independe da abertura de procedimento fiscal. À primeira vista, nota-se a falta de um dos elementos essenciais do ato administrativo, a competência, visto que não há identificação nem assinatura da autoridade lançadora. Contudo, a emissão do Auto de Infração por omisso de recolhimento não se constitui, tecnicamente, em lançamento, já que este é privativo da autoridade fiscal. Mais adiante veremos, que, nos tributos lançados por homologação, a autoridade fiscal só efetua o lançamento na hipótese do contribuinte não ter cumprido a obrigação, integral ou parcialmente, ou tê-la cumprido de forma incorreta. Quando da emissão do Auto de Infração, por omisso de recolhimento, o crédito tributário já foi constituído pelo contribuinte, que é a pessoa competente para se autolançar.

A Administração Fazendária, por meio de servidores administrativos, que não são investidos do Poder de Polícia Fiscal, frisamos, nas hipóteses de omissões de recolhimento, só faz por demarcar a mora, além de interromper a prescrição, ao exigir o tributo declarado e não pago por meio do Auto de Infração. Portanto, o ato não demanda diligências de fiscalização. A aplicação de multa, bem como a cobrança dos juros moratórios, são computados automaticamente pelo sistema. Não se delega ao funcionário administrativo o Poder de Polícia Fiscal, já que não há, por parte desse servidor, a possibilidade de valoração da conduta do contribuinte, com a imputação de penalidades, por exemplo, pelo descumprimento de intimação que tenha solicitado livros e documentos fiscais, ou seja, não podem ser aplicadas outras penalidades, ou ampliado o objeto, que é limitado eletronicamente pelo Sistema, alcançando somente à exigência do omisso de recolhimento.

Portanto, entendemos que não há nenhuma invasão de competência, no fato dos Autos de Infração referentes às declarações entregues pelos próprios administrados, denominados de “Crédito Tributário Não Contencioso”, serem emitidos pelos Técnicos Fazendários em tratamento de massa dos contribuintes omissos. E mais, não fica trancado ao administrado a possibilidade de impugnar a exigência, em que pese a Consolidação da Legislação Tributária Administrativa do Estado de Minas Gerais, Decreto 23.780/84, em seu artigo 64, § 3º dispor o contrário, o que constitui atentado ao contraditório e à ampla defesa, já que as informações prestadas pelo contribuinte, por ele podem ser corrigidas, seja pela substituição, devidamente justificada, da primeira declaração, seja simplesmente pela discordância dos valores ou das penalidades imputadas.

Na atividade de controle interno, atuando sobre eventos que antecedem a abertura do Procedimento Administrativo Tributário, onde se verificam declarações, dados e demonstrativos por meio de programas e rotinas de conferências, previamente instituídas pela Administração Tributária, anteriores e independentes de quaisquer “diligências de fiscalização” (art. 196 do CTN), não há necessidade dos poderes investigatórios, próprios do Poder de Polícia Fiscal, conforme leciona Onofre Alves Batista Júnior5 (Batista Júnior, 2001: 246-248). Assim sendo, não vislumbramos impedimento para que os Técnicos Fazendários, atuando de forma preventiva, exerçam atividades de administração e controle do comportamento tributário dos contribuintes. Porém, constatada a irregularidade, somente a autoridade fiscal poderá iniciar o procedimento administrativo, de natureza investigatória, diligenciando e expedindo-se as medidas apropriadas, até a emissão do ato de lançamento.

1.5 Cruzamento de registros magnéticos de notas fiscais

Não cabe aqui nenhuma pretensão de promover ampla abordagem sobre a Administração Tributária. Tomamos emprestado, do ilustre Procurador, os subtipos acima, visando delimitar o assunto – sabedores que somos da existência de inúmeras outras atividades, no âmbito da Administração Fazendária, realizadas pelos Técnicos de Tributos Estaduais. Tendo em vista a relevância dos trabalhos de conferência de notas fiscais, em confronto com o lançamento nos livros, abordaremos também a ferramenta de controle fiscal, denominada Cruzamento de Informações.

No âmbito dos Estados, por força de Convênio, as empresas que praticam operações cujo ICMS deva ser retido por substituição tributária, bem como operações interestaduais e outras elencadas na legislação do tributo, obrigam-se a transmitir os dados das notas fiscais, via Internet, para a Secretaria de Fazenda do seu Estado de origem. Por sua vez, as informações recebidas pelo Fisco Estadual são disponibilizadas para as Secretaria de Fazenda das demais Unidades da Federação, com as quais o remetente praticou operações (destino). Dessa forma, as Fazendas Estaduais contam com precioso instrumento que lhes possibilita verificar inúmeras situações, dentre as quais:

§ Se o destinatário mineiro registrou corretamente a nota fiscal de entrada;

§ Se o destinatário mineiro, em se tratando da aquisição de mercadorias de outro Estado, e destinadas ao seu uso e consumo, registrou corretamente a nota fiscal e recolheu o ICMS sobre a diferença de alíquota;

§ Se o remetente mineiro registrou a nota fiscal de saída e debitou-se corretamente do imposto;

§ Se o remetente mineiro, na emissão de nota fiscal de saída, utilizou-se de documento não autorizado pela Secretaria da Fazenda;

§ Se o remetente mineiro declarou, corretamente, ao Fisco Estadual, os valores de débito e crédito das notas fiscais de saídas e entradas escrituradas no período;

A constatação, verbi gratia, da falta de registro de notas fiscais de entrada, além do descumprimento de obrigação acessória, pode indicar vendas de mercadorias sem nota fiscal, com a conseqüente redução do recolhimento do ICMS.

Sabemos que os elementos obtidos no cruzamento de notas fiscais constituem-se, inicialmente, de registros existentes em bancos de dados, disponibilizados em meios magnéticos. Nesse primeiro momento não configuram prova inequívoca, não passando da constatação de indícios. Portanto, enquanto não materializados, após as conclusões do procedimento fiscal investigatório, e quantificados por meio de demonstrativo próprio, que o contribuinte efetivamente adquiriu mercadorias e não registrou as notas fiscais, resultando a conduta em recolhimento a menor, ou em falta de recolhimento do ICMS pela omissão de saídas, encontra-se aberto ao contribuinte o direito à denúncia espontânea da infração.

Baseando-se tão somente nos registros constantes em arquivos magnéticos, confrontados com os escritos apresentados pelo contribuinte, não se pode presumir a entrada e saída de mercadorias sem nota fiscal. Como ensina Aurélio Pitanga, a presunção deve ser provada. Para tanto, cabe ao agente colher provas da emissão do documento junto ao emitente, demonstrando, por meio de procedimento tecnicamente idôneo (artigo 194 do RICMS/MG: análise da escrita contábil, Levantamento de Caixa, do Passivo, Levantamento Quantitativo de Mercadorias e Valores, Conclusão Fiscal e outros), os valores omitidos, para que se possa afirmar, com algum grau de certeza, a ocorrência de entrada e saída de mercadoria sem nota fiscal. Dentre as várias hipóteses de resultado, ao contrário da presunção extraída a partir da apuração de saldo credor na conta-caixa, uma delas é a falta de registro da nota fiscal na entrada de mercadoria, com emissão de nota fiscal na saída – o que afetaria o cálculo do imposto a ser exigido, bem como a penalidade a ser aplicada.

2.0 O lançamento

Sem adentrar na polêmica, se seria o lançamento ato ou procedimento administrativo, podemos afirmar que o lançamento não é emitido instantaneamente. Só podemos falar em lançamento depois de identificados todos os elementos indispensáveis para sua emissão. O procedimento não é da essência do lançamento e com ele não se confunde, afirma o Professor Paulo de Barros, mas o lançamento, por sua vez, depende do resultado do procedimento administrativo tributário. Se a adoção de determinado procedimento de fiscalização não logra demonstrar, com certeza, quem é o sujeito passivo da obrigação, a ocorrência do fato gerador, a base de cálculo, a alíquota e o montante do tributo devido, tendo em vista a aplicação errônea da legislação pelo agente, cabe à autoridade hierarquicamente superior a revisão do trabalho fiscal, antes da intimação regular ao sujeito passivo. Não sendo aprovado o procedimento, por vício de legalidade, o lançamento não surtirá efeitos.

2.1 Lançamento por declaração

Nem sempre o lançamento, ato privativo da autoridade fiscal, será indispensável. Para Aurélio Pitanga,6

o lançamento tributário só é imprescindível, e insuprimível, quando o único dever imposto pela lei que deve ser cumprido pelo contribuinte após a ocorrência do fato gerador é o de informar (declarar) à autoridade fiscal como se produziu o fato gerador e suas condições fáticas. (Seixas Filho, 2001: 100).

Nota-se que o trecho acima se refere ao lançamento por declaração, que é efetuado pelo Fisco com base nas informações do sujeito passivo, no qual o tributo somente se tornará exigível após o contribuinte ser intimado e notificado do seu valor. Assim, a notificação ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento, a que se refere o parágrafo único do artigo 173 do CTN, antecipa o início da contagem do prazo para se constituir o crédito tributário nos lançamentos por declaração, e não nos tributos lançados por homologação, que independe de prévia notificação-intimação, como leciona Aurélio Pitanga7:

cabe à autoridade fiscal o poder discricionário de escolher o momento oportuno e conveniente para conferir se o pagamento correspondente aos ditames legais e produzir o lançamento tributário se descobrir irregularidades no pagamento. (Seixas Filho, 2001: 101).

2.2 Lançamento por homologação

Nos tributos onde existe a previsão legal do “lançamento por homologação”, a autoridade fiscal só efetua o lançamento na hipótese do contribuinte não ter cumprido a obrigação, integral ou parcialmente, ou tê-la cumprido de forma incorreta.

O lançamento por homologação, convergindo em direção à missão da Administração Tributária, brilhantemente enunciado por Mauro Sérgio Bogéa, tem como fundamento o cumprimento voluntário das obrigações. Em tal modalidade de acertamento, pela diversidade e complexidade das operações, não interessa ao Fisco – e ele nem tem condições para tanto – lançar todos os fatos que se enquadrarem na hipótese de incidência. Daí, a transferência do auto-acertamento ao contribuinte.

Para Aurélio Pitanga8:

A autoridade fiscal tem o dever-poder de criar um título jurídico formal, escrito, o lançamento tributário, para tornar líquido e certo o dever tributário do contribuinte quando em investigação oficial descubra a sua existência. (Seixas Filho, 2001: 102).

Nas palavras do Professor Seixas Filho9, o lançamento, ato privativo da autoridade fiscal, pode ser dispensado quando não for oportuno e conveniente fiscalizar o contribuinte, satisfazendo-se a autoridade fiscal com o pagamento espontaneamente realizado, e/ou com o valor do tributo formalizado em um documento pelo devedor, passível, portanto, de cobrança executiva. (Seixas Filho, 2001: 102).

Evidentemente, o autor refere-se ao dever que tem o contribuinte de declarar os fatos e recolher o tributo, voluntariamente, antes de qualquer procedimento administrativo. Portanto, em se tratando de lançamento por homologação, o ato, que pode ser efetuado pela autoridade fiscal, fica dispensado quando o contribuinte, adiantando-se ao Fisco, declara, espontaneamente, o montante dos fatos geradores praticados, formalizando o crédito tributário por meio da Autodenúncia, ou por meio de documento de apuração, providenciando o recolhimento do tributo devido.

Assim, no lançamento por homologação, normalmente, não há necessidade da prévia notificação-intimação ao contribuinte, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento, já que todos os elementos (artigo 142 do CTN: a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, a matéria tributável e o montante do tributo devido), são identificados e fornecidos pelo próprio contribuinte. A inexistência do autolançamento e do respectivo pagamento do tributo enseja o lançamento de ofício. É nesse contexto que se insere a medida preparatória, no curso de procedimento investigatório de fiscalização, com vistas a identificar elemento indispensável ao lançamento.

3.0 Medidas preparatórias da ação fiscalizadora

Mas afinal, o que seriam medidas preparatórias da ação fiscalizadora? Os Técnicos de Tributos, que não são investidos do Poder de Polícia Fiscal, podem implementar medidas preparatórias ao lançamento?

Compulsando-se os acórdãos exarados pelo Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais extraímos as seguintes afirmativas:

§ As medidas preparatórias (parágrafo único do artigo 173 do Código Tributário Nacional), implementadas nos tributos onde existe a necessidade de prévia notificação ao sujeito passivo, antecipam o termo inicial de contagem do prazo decadencial (caput do artigo 173) para a data em que ocorrer a mencionada notificação10;

§ O Termo de Início de Ação Fiscal, o Termo de Ocorrência e o Termo de Apreensão e Depósito podem ser consideradas medidas preparatórias do lançamento, no âmbito da legislação do ICMS/MG11;

§ Não se deve confundir termo inicial de contagem com termo final de contagem. O TIAF, TO e TADO, enquanto medidas preparatórias são, desde que lavrados e notificados antes do primeiro dia do exercício subsequente ao da ocorrência do F.G. e desde que tenha ocorrido dolo, fraude ou simulação no que se refere a ICMS, marco inicial para contagem do prazo decadencial, não marco-final. Quando o TIAF for lavrado após o marco inicial do artigo 173, prevalecerá a regra geral, ou seja: extingue-se o direito da Fazenda Pública, após cinco anos, contados do primeiro dia do exercício subsequente12;

§ A emissão do Termo de Início da Ação Fiscal, antes de decorrido o prazo previsto no artigo 173 do CTN, não é fato suficiente para impedir/interromper a decadência do direito de lançar. Se assim o fosse, o Fisco poderia manobrar o prazo decadencial, esticando-o de acordo com seu interesse, em detrimento do contribuinte13;

§ O Termo de Início de Ação Fiscal, previsto na Consolidação da Legislação Tributária Administrativa do Estado de Minas Gerais (Decreto 23.780/84) é instrumento capaz de excluir a possibilidade de denúncia espontânea da infração, mas não contém qualquer dos elementos elencados no artigo 142 do CTN14;

§ O legislador estadual estabeleceu o Auto de Infração como forma oficial do lançamento, atividade privativa da autoridade fiscal.

A partir dos acórdãos citados, podemos afirmar que o Termo de Ocorrência, atualmente extinto, o Termo de Início de Ação Fiscal e o Termo de Apreensão de Mercadorias e Ocorrência (substituído pelo Termo de Apreensão), observando-se o período em vigor, são formalidades exigidas no procedimento de fiscalização do ICMS no Estado de Minas Gerais, e não medidas indispensáveis ao lançamento. Contudo, para determinados efeitos, seja para antecipar a contagem do prazo decadencial ou para impedir a possibilidade da denúncia espontânea, os referidos termos preparam o caminho para o lançamento, no curso da investigação fiscal.

Tecnicamente, a medida preparatória, indispensável ao lançamento, nos termos do artigo 142 do CTN, refere-se ao ato que tenha por objetivo verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação, a matéria tributária, o montante do tributo devido ou a identificação do sujeito passivo. Os referidos termos (TIAF, TO, TADO) são formalidades exigidas pela legislação do tributo, mas não podem ser considerados indispensáveis, no sentido de que sem eles o agente não teria elementos para efetuar o lançamento. Constituem-se, tais termos, em garantias, tanto para o administrado, quanto para o administrador, de que o lançamento será efetuado observando-se o devido procedimento legal.

Nesse diapasão, a medida preparatória, devidamente notificada ao sujeito passivo antes do primeiro dia do exercício subsequente ao da ocorrência do fato gerador, antecipando o início da contagem do prazo decadencial, tem como objetivo identificar os elementos indispensáveis ao lançamento, nos termos do artigo 142 do CTN, quais sejam: a ocorrência do fato gerador, a matéria tributável, o montante do tributo devido e o sujeito passivo da obrigação, e só pode ser expedida pelo agente competente para proceder ao lançamento.

Se o lançamento é ato privativo da autoridade administrativa, os atos preparatórios, indispensáveis ao lançamento, também o são. Portanto, tais atos, somente surtirão os efeitos que lhes são reservados pelo Código Tributário Nacional desde que emanados de agente competente. Ainda que seja criado um termo identificando todos os elementos indispensáveis ao lançamento, com notificação prévia ao contribuinte (nos moldes do Termo de Ocorrência, que precedia a lavratura do Auto de Infração), se o mesmo for emitido por autoridade incompetente, desprovida do Poder de Polícia Fiscal nos termos do artigo 142 c/c artigo 196 do CTN, a medida não terá o condão de antecipar a contagem do prazo decadencial (o que beneficiaria o administrado), tampouco o de impedir a denúncia espontânea da infração, não se prestando, muito menos, como documento a partir do qual poderá ser exigido o crédito tributário. E mais: na legislação tributária do Estado de Minas Gerais o título que formaliza o lançamento denomina-se Auto de Infração. Sendo ato privativo da autoridade administrativa, há de concluir que o lançamento nascido a partir de medidas emanadas de agente incompetente estará inquinado de vícios – passível de declaração de nulidade, seja pela via administrativa, através do Conselho de Contribuintes, ou na esfera judicial.

Conclui-se, sem muito esforço, que as atividades de mera constatação, as comprovações formais, as verificações de omissos de recolhimentos e os trabalhos de conferência de notas fiscais (cruzamento de dados), normalmente realizadas por técnicos de tributos, no âmbito da Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais, não podem ser consideradas à luz do Código Tributário Nacional medidas preparatórias da ação fiscal.

A Lei delega Autoridade para que se possa cobrar Responsabilidades. Quem responde pessoalmente pelo lançamento (parágrafo único do artigo 142 do CTN) é a autoridade fiscal. O objetivo do Legislador Complementar, ao estabelecer o lançamento como atividade vinculada e obrigatória foi o de impedir a discricionariedade, punindo a omissão, a negligência ao dever e a prevaricação. O lançamento não é um Poder do Fiscal, e sim do cargo, meio para dar cumprimento aos fins que justificam a existência do próprio Estado; representa uma salvaguarda para a sociedade e um ônus para o agente, que, ao ser aprovado em concurso público, nomeado e empossado, investe-se do poder-dever15 de lançar. Nesse sentido, constatada a infração, e tendo em vista o Interesse Público, obriga-se a autoridade fiscal a envidar todos os esforços, utilizando-se de todos os meios lícitos para fazer carrear ao Erário o tributo que pertence à coletividade. O descumprimento desse dever legal sujeita-se às sanções administrativas e criminais, desde que comprovado que o fiscal constatou e apurou, pessoalmente, a infração.

Quem almeja o bônus deve se sujeitar ao ônus. Em assim não ocorrendo, ficará muito cômodo para o que não tem responsabilidade de apurar o crédito tributário apontar mil e uma ações para aquele que tem o dever funcional de lançar. Desde que mudem o Código Tributário Nacional, o que não parece ser o caso do Projeto de Lei 1.346/03.

* Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Ipatinga, Turma 2003; formado em Ciências Contábeis pela PUC-MG, Fiscal de Tributos do Estado de Minas Gerais desde 1994.

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________. Aurélio Pitanga. Procedimento Administrativo Fiscal. 1. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000.

Notas

1 Onofre Alves Batista Júnior. O Poder de Polícia Fiscal. 1. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001.

2 Onofre Alves Batista Júnior. Breves notas sobre Fiscalização Tributária. Revista Fazenda em Pauta. Publicação Quadrimestral da SEF/MG. n. 01. Belo Horizonte, janeiro/abril de 2002.

3 ___________. Breves notas sobre Fiscalização Tributária. Revista Fazenda em Pauta. Publicação Quadrimestral da SEF/MG. n 01. Belo Horizonte, janeiro/abril de 2002.

4 Ações Fiscais no Âmbito da Secretaria da Receita Federal. Disponível em: . Acesso em 03 de outubro de 2003.

5 Onofre Alves Batista Júnior. O Poder de Polícia Fiscal. 1. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001.

6 Aurélio Pitanga Seixas Filho. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo Tributário: A Função Fiscal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

7 _________. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo Tributário: A Função Fiscal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

8 Aurélio Pitanga Seixas Filho. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo Tributário: A Função Fiscal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

9 ____________. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo Tributário: A Função Fiscal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

10 Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais. Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais. Câmara Especial de Julgamento. Acórdão 2.411/01/CE. 18 de julho de 2001. Disponível em: < http://www.sef.mg.gov.br/ccmg/acordaos>. Acesso em: 18 de março de 2004.

11 Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais. Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais. Câmara Especial de Julgamento. Acórdão 2.208/00/CE. 23 de outubro de 2000. Disponível em: < http://www.sef.mg.gov.br/ccmg/acordaos>. Acesso em: 18 de março de 2004.

12 Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais. Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais. Câmara Especial de Julgamento. Acórdão 2.350/01/CE. 01 de junho de 2001. Disponível em: < http://www.sef.mg.gov.br/ccmg/acordaos>. Acesso em: 18 de março de 2004.

13 Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais. Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais. Câmara Especial de Julgamento. Acórdão 2.282/01/CE. 16 de abril de 2001. Disponível em: < http://www.sef.mg.gov.br/ccmg/acordaos>. Acesso em: 18 de março de 2004.

14 Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais. Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais. Câmara Especial de Julgamento. Acórdão 2.413/01/CE. 20 de julho de 2001. Disponível em: < http://www.sef.mg.gov.br/ccmg/acordaos>. Acesso em: 18 de março de 2004.

15 “Assim, os órgãos do Estado são o próprio Estado compartimentado em centros de competência, destinados ao melhor desempenho das funções estatais. Por sua vez, a vontade psíquica do agente (pessoa física) expressa a vontade do órgão, que é a vontade do Estado, do Governo e da Administração.” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2002, p. 68).

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