Fabrini Muniz Galo
Advogado Cível e Tributarista no Rio de Janeiro
Advogado de FURNAS CENTRAIS ELÉTRICAS S/A.
Pós-Graduado em DIREITO DO ESTADO E ADMINISTRATIVO – UNESA/RJ
Os reflexos da Revolução Industrial na sociedade podem hoje ser equiparados aos da atual Revolução Digital, aonde a rapidez do desenvolvimento tecnológico, com aporte na rede mundial de computadores, veio aprimorar conceitos e atividades econômicas.
Houve, porém, uma alteração na plataforma utilizada, atuando o instrumento tecnológico como o meio de realização de diversas atividades.
É certo que as operações executadas através de recursos tecnológicos, nada mais são que clones daquelas já desenvolvidas na vida real, disfarçadas apenas em roupagem eletrônica.
Com o advento da globalização e o desenvolvimento e popularização crescente da informática, o computador passou a fazer parte do cotidiano da maioria dos cidadãos, pois seus recursos possibilitam múltiplas utilidades. Daí surgiram conceitos novos que se incorporaram ao nosso dia-a-dia, como CD-Rom, hardware, software, internet.
Buscamos aqui refletir sobre a questão dos livros, questionando inicialmente se quando fazemos a leitura de um livro ou jornal pela Internet ou por qualquer outro meio de gravação, perdem estes suas características? Deixam de ser considerados livro ou jornal?
Não se pode limitar seu conceito àqueles confeccionados somente em papel, sendo forçoso reconhecer que a mudança se operou apenas na forma de apresentação e não em seu conceito ou conteúdo.
Entretanto, a alerta lupa dos agentes tributários, sempre ligados e operosos às oportunidades de aporte de arrecadação, confunde alhos com bugalhos, se apressando a tributar tudo aquilo que consideram novidade tecnológica.
Ocorre que não é suficiente a discussão genérica de que incide tributação sobre produtos de informática. É preciso, antes, diferenciar o conteúdo da gravação por meio eletrônico, pois a incidência de tributação somente pode ser devida por seu conteúdo e não pela forma de sua apresentação.
A Constituição Federal (art. 150, VI, “d”) , concedeu imunidade tributária ao livro, jornais, periódicos, bem como ao papel destinado à sua impressão, protegidos como instrumentos de transmissão do pensamento, da liberdade de expressão, da informação e disseminação cultural.
Sabe-se perfeitamente que nenhuma legislação consegue acompanhar o desenvolvimento tecnológico. Tivesse o constituinte imaginado fosse possível existir outra forma de impressão que não fosse através do papel, teria sido excluída a imunidade? Pode-se afirmar negativamente com naturalidade, pois a norma constitucional pretendeu proteger a divulgação da cultura nacional, tornando acessível o custo da obra.
O suporte material à época era o papel. Hoje, porém existem outros meios para difusão do pensamento, inseridos em outras formas de apresentação, que em nada descaracteriza sua natureza. Cabe distinguir entre o principal e o acessório, sendo elementar a regra que o segundo segue o primeiro. A imunidade foi concedida ao principal, ao veículo, seja este confeccionado por qualquer tipo de material. Os insumos são acessórios.
É certo que o Direito Tributário é o ramo do direito que mais depende de interpretação semântica.
É inquestionável que o sentido das normas jurídicas em geral deve evoluir, mantendo-se compatível com a realidade. Em se tratando de norma da Constituição, isto é um imperativo para o intérprete, que não pode ver em seu texto um conjunto de palavras caduco apenas pelo amor ao sentido literal das palavras, ou pelo apego aos conceitos lógico formais.
Ora, se o texto ou o conteúdo da gravação é de um livro, não importa a forma como que se apresenta, o suporte físico onde se aloca. Este não perde suas características essenciais somente por ser oferecido em meio físico diverso daquele até então conhecido.
No direito brasileiro, as imunidades exteriorizam vedação absoluta ao poder de tributar nos limites traçados pela Constituição. Foram criadas baseadas em considerações extrajurídicas, atendendo à orientação do Poder Constituinte em função das idéias políticas vigentes, preservando determinados valores políticos, religiosos, educacionais, sociais, culturais e econômicos, todos estes fundamentais à sociedade brasileira.
A imunidade não deve ser considerada como um benefício, um favor fiscal, uma renúncia à competência tributária ou um privilégio, mas sim uma forma de resguardar e garantir os valores da comunidade e do indivíduo.
A relevância da imunidade chega a tal monta que a jurisprudência tem entendido ser impossível a adoção de interpretação restritiva a seus comandos legais, sendo, obrigatoriamente, a exegese de seus dispositivos ampla.
Ao se estudar uma norma de imunidade tributária, faz-se imprescindível o uso da interpretação teleológica, buscando o sentido da norma, o escopo do legislador ao instituir tal regra, o seu objetivo imediato e o bem jurídico a ser protegido.
Em relação à imunidade consagrada no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal existe forte divergência doutrinária e jurisprudencial acerca de seu alcance e aplicabilidade.
Em um ponto há consenso: A imunidade é objetiva e visa garantir a liberdade de expressão, a informação e formação cultural e os valores de uma nação democrática.
A concordância de idéias termina aí. O resto são só divergências.
A primeira e talvez mais importante é aquela relacionada ao alcance da palavra “livro” empregada no texto constitucional.
Pequena parte da doutrina, mas considerável, encabeçada por Torres, (2001, p. 245) define livro como “o resultado da impressão, em papel, de idéias, doutrinas ou informações com finalidade cultural”. Trata-se de interpretação restritiva do texto constitucional imunizante que vincula o papel como elemento material do seu fabrico.
Entendemos que a razão está com a maior parte da doutrina que sustenta ser livro, para efeitos de imunidade tributária, na clássica definição de Baleeiro (2001, p. 198),
“todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que tramitam idéias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos Braile destinados a cegos”
É construção baseada em interpretação extensiva e teleológica da norma constitucional imunizante visando alcançar seu sentido finalístico.
O douto Ministro José Augusto Delgado, em seu pronunciamento sobre o tema, entendeu que o conceito de livro posto na constituição não é de natureza vinculativa à sua forma de apresentação ao público. Ele tem conteúdo de expressar elemento material condutor de cultura, de informação, de transmissão de saber, instrumento caracterizador de uma obra literária ou artística.
Não pode se impor interpretação restritiva para a aplicação de determinada disposição constitucional quando ela, expressamente, não contém qualquer limitação. Há, também, de se considerar que o art. 150, VI, d, não tem vivência isolada no corpo da Carta Magna. Ele se comunica com princípios outros que tem função, primeiramente, de evitar que o poderio estatal interfira nas formas de manifestação de pensamento concebida como sendo exercida com liberdade, sendo vedado o anonimato, além de elevada a um direito e uma garantia de natureza fundamental.
O livro de qualquer espécie é, também, uma forma de educar gerações. A educação, em termos constitucionais, é um direito de todos e um dever do Estado e da família, que deverá incentivá-la por várias formas.
A visão sistêmica da imunidade do livro não pode acolher interpretação restritiva. Não é concebível que o livro eletrônico, na forma de CD-Rom, fita cassete, DVD, ou qualquer outro meio eletrônico, esteja ausente da imunidade tributária, o que ensejaria limitar os direitos e garantias individuais acima elencados.
Impedir a aplicação do art. 150, VI, d, às novas formas de difusão do pensamento, principalmente aos produtos de informática de cunho cultural é condená-los a uma esclerose precoce. Negar essa imunidade é negar a supremacia constitucional.
Admitindo-se o caráter teleológico da imunidade tributária, pouco importa o tipo de veículo que divulga as informações, a cultura e a educação. Incumbe à interpretação a difícil tarefa de transformar-se em um elemento de constante renovação da ordem jurídica, de forma a atender, dentro de certos limites oriundos da forma pela qual a norma está posta, às mudanças operadas na sociedade.
A jurisprudência atual confirma a tese dominante e aqui defendida.
Inclusive é do direito Norte-Americano, de um país que consagrou a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão na 1ª emenda constitucional da Bill of Rights, consagrando, ainda, o célebre princípio da “no taxation on knowledge” que faz com que todos os veículos utilizados para a transmissão de conhecimento e cultura não sofram tributação de qualquer espécie.
A par das considerações acima, podemos concluir que a sociedade, após o advento da Carta Constitucional de 1988, evoluiu, passando a utilizar tecnologias que não eram conhecidas pelo legislador constitucional.
A palavra livro há que ser entendida em sentido lato, sendo considerado livro não apenas os tradicionais, feitos de papel, mas também, os seus sucedâneos. Consideram-se “sucedâneos dos livros”, para fins de imunidade, todos os objetos da espécie, que contém os textos dos livros, em sua forma corriqueira.
Uma interpretação teleológica faz-se necessária, adequando a letra da Constituição com o seu sentido finalístico. A limitação ao poder de tributar que inexoravelmente protege o cidadão dos abusos de poder deverá ser concedida, através da imunidade do art. 150, VI, “d” da Constituição, aos meios de informação e difusão do conhecimento, sejam eles impressos em papel ou veiculados de forma eletrônica, pois somente desta forma estaremos respeitando e desvendando a verdadeira intentio contitutionis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
TORRES, Ricardo Lobo. Direitos Humanos e a Tributação: imunidade e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª edição, São Paulo: Forense, 2001.
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (NOVA). São Paulo: Atlas, 2001.