Alysson Silva dos Santos
As regras de tributação conhecidas como Preços de Transferência definem, de forma geral, os valores máximos dos custos, despesas e encargos dos bens, serviços e direitos, importados das pessoas vinculadas ou localizadas em paraísos fiscais, que podem ser considerados nas apurações do imposto de renda e da contribuição social sobre os lucros, e os valores mínimos das receitas de exportações dos bens, serviços e direitos, para as pessoas vinculadas ou localizadas em paraísos fiscais, que devem ser considerados como receitas nas apurações dos mesmos tributos.
A legislação sobre Preços de Transferência não determina os valores que devem constar nos documentos correspondentes às operações comerciais entre as empresas vinculadas, ou seja, não determina os preços das operações de compra e venda, entretanto as empresas vinculadas podem utilizar, como preço de transferência, com o objetivo de reduzir ou evitar ajustes futuros nos livros fiscais de apuração do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre lucros.
As diferenças entre os preços considerados na operação comercial e os preços apurados por um dos métodos permitidos pela legislação tributária de Preços de Transferência, que representam o custo máximo de importação (evitando o superfaturamento) ou a receita mínima de exportação (evitando o subfaturamento), serão adicionadas na apuração do lucro líquido do Lucro Real, presumido ou arbitrado que a base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ e na base de cálculo da Contribuição Social sobre os Lucros – CSL.
A Lei 9.430, DE 27.12.1996, cuidou, entre outras coisas, da disciplina dos preços de transferência, cujo conceito é usualmente adotado em vários países, com a finalidade de evitar a transferência indireta de lucros entre empresas de diferentes países, de forma a que tais lucros sejam tributados de maneira menos gravosa que a vigente no país em que originalmente produzidos.
Segundo a exposição de motivos da supra mencionada Lei, as normas sobre Preço de Transferência representam um significativo avanço da legislação nacional, em face do enorme processo de globalização experimentado pelas economias contemporâneas.
Neste sentido, as autoridades tributárias brasileiras, após um longo período relacionando-se com o mercado internacional, recebendo e remetendo mercadorias, bens e serviços e convivendo com pessoas e empresas estrangeiras, observaram que é realizada uma quantidade significativa de operações, que movimentam expressivo volume de recursos financeiros diariamente, via grandes empresas, com e entre pessoas a elas vinculadas, bem como com empresas localizadas nos chamados paraísos ficais, os quais nossa legislação tributária definiu como sendo aqueles territórios estrangeiros que tributam os lucros com alíquotas inferiores a 20% (vinte por cento).
Os países mais desenvolvidos adotaram suas regras para definir e controlar os Preços de Transferência de bens, mercadorias e serviços nas operações entre as empresas vinculadas localizadas no exterior. Como principal exemplo temos os Estados Unidos. que possui, se não a mais antiga legislação sobre o assunto, certamente a mais completa e complexa. A legislação sobre Preços de Transferência norte-americana tem mais de 30 anos.
Entre os países que possuem legislação própria sobre Preços de Transferência, estão:
Alemanha, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, França, Holanda, Japão, México, Nova Zelândia e Polônia.
No caso específico da Legislação Brasileira, as normas adotadas estão alicerçadas nas normas da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), estas possibilitam o controle dos denominados Preços de Transferência, de forma a evitar a prática de transferência de resultados para o exterior, mediante a manipulação dos preços pactuados nas importações ou exportações de bens, serviços ou direitos, em operações com pessoas vinculadas, residentes ou domiciliadas no exterior, que é lesiva aos interesses nacionais.
Os métodos definidos na legislação tributária brasileira para cálculo dos Preços de Transferência, que passaram a viger a partir de janeiro de 1997, são flexíveis e permitem às empresas domiciliadas no Brasil subordinadas realizar planejamentos tributários, como também força essas empresas que não definirem adequadamente os preços das suas operações de importação ou exportação com empresas e pessoas vinculadas, a custos tributáveis elevados, com a tributação em duplicidade dessas operações e, como conseqüência, a desperdícios de recursos financeiros.
A IN SRF n. º 38/97 determina, no seu art. 40, que as verificações dos Preços de Transferências serão anuais, exceto nas hipóteses de início ou encerramento de atividades e de suspeita de fraudes, e devem ser feitas pelas autoridades fiscais no exercício da fiscalização.
Já a Lei n. º 9.430/96 determina que as diferenças entre os preços praticados nos documentos de importação e exportação e os preços apurados com base na legislação sobre Preços de Transferência devem ser apuradas e adicionadas às bases de cálculo do IRPJ e CSL, no encerramento do período-base de apuração de imposto de imposto de renda inclusive nos casos de cisão, fusão incorporação ou encerramento de atividades.
A IN SRF n. º 38, de 27.06.96, dispõe no § 3º do seu art. 1º que os lucros auferidos no exterior serão adicionados ao lucro líquido, para a determinação do lucro real da pessoa jurídica no Brasil, integralmente, quando se tratar de filial ou sucursal, ou proporcionalmente à sua participação no capital social, quando se tratar de controlada ou coligada. Com isso, no caso de investimento avaliado pela equivalência patrimonial, a contrapartida do ajuste por aumento do valor patrimonial será excluída do lucro líquido enquanto a contrapartida do ajuste por diminuição será adicionada. O lucro auferido no exterior será tributado no Brasil quando disponibilizado, mediante adição ao lucro líquido.
A lei que versa sobre Preço de Transferência apresenta dois sérios problemas:
a) Adoção da presunção absoluta de que todas as transações envolvendo pessoas ligadas implicam transferência indireta de lucro;
b) A contrariedade a tratado internacional, de que o Brasil e signatário. Fernando Matos aborda como questões que poderão levar os contribuintes a um contencioso tributário sobre a legislação de Preços de Transferência compreendem a presunção da renda pelas diversas margens de lucro que variam de 15% a 30%, como também a inversão do ônus da prova, método pelo qual o contribuinte passa a ter que provar que os preços praticados são compatíveis com a legislação vigente, o que antes era tarefa das autoridades fiscais fazer a comprovação.
Nos casos de importação ou aquisição de bens, serviços e direitos, a importadora, adquirente ou tomadora não poderá deduzir como custo ou despesa valor superior ao limite decorrente das normas para o estabelecimento dos preços de transferência. Portanto, ainda que o valor dos bens ou serviços importados seja o efetivamente declarado nos documentos de importação, a Lei 9.430/96 presume a existência de transferência indireta de lucros e limita, para o importador brasileiro, a dedutibilidade das despesas ou custos.
Os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa vinculada, residente ou domiciliada no exterior, somente poderão ser dedutíveis na determinação do lucro real até o valor que não ao preço determinado por um dos três métodos previstos nos incisos I, II e III do artigo 18 da Lei 9.430/96.
As receitas auferidas nas operações efetuadas com pessoas físicas ou jurídicas vinculadas, residentes ou domiciliadas no exterior, ficam, sujeitas a arbitramento quando o preço médio de vendas dos bens, serviços ou direitos, nas exportações efetuadas durante o respectivo período de apuração da base de cálculo do imposto de renda, for inferior a 90% do preço médio praticado na venda dos mesmos bens, serviços ou direitos, no mercado brasileiro durante o mesmo período,
Para efeito de comparação, o preço de venda: a) no mercado brasileiro deverá ser considerado líquido dos descontos incondicionais concedidos, do ICMS, do ISS, do Confins e do PIS/Pasep; b) nas exportações, será tomado pelo valor depois de diminuído dos encargos de frete e seguro, cujo ônus tenha sido da empresa exportadora.
Verificado que o preço de venda nas exportações é inferior ao do limite de 90% acima do referido, as receitas das vendas nas exportações serão arbitradas, tomando-se por base o valor apurado segundo um dos quatro métodos previstos nos incisos I a IV do § 3º do artigo 19 da Lei.
Se o valor apurado segundo os métodos acima for inferior aos preços de venda constantes dos documentos de exportação, prevalecerá o montante da receita reconhecida conforme documentos.
Os custos e preços médios deverão ser apurados com base em: a) publicações ou relatórios oficiais do governo do país do comprador ou vendedor o declaração da autoridade fiscal desse mesmo país, quando com ele o Brasil mantiver acordo para evitar a dupla tributação ou para intercâmbio de informações; b) pesquisas efetuadas por empresa ou instituição de notório conhecimento técnico ou publicações técnicas em que se especifiquem o setor, o período, as empresas pesquisadas e a margem encontrada, bem como identifiquem, por empresa, os dados coletados e trabalhados.
Admitir-se-ão margens de lucro diversas, desde que o contribuinte as comprove, com base em publicações, pesquisas ou relatórios elaborados de acordo com o artigo 21 da Lei. As publicações técnicas, pesquisas e relatórios poderão ser desqualificados mediante ato do Secretário da receita Federal quando considerados inidôneos ou inconsistentes.
Os artigos 18 e 19 da Lei 9.430 / 96 estabelecem presunção absoluta de transferência de lucros, do Brasil para o exterior, em importações, aquisições e exportações de mercadorias, serviços e direitos, entre empresas ligadas, ou em transações realizadas com país cujo volume de tributação dos lucros na seja superior a 20%. Estabelecem também presunção relativa quanto ás margens de lucro ali adotadas, mas atribuem ao contribuinte o ônus da prova em contrário.
Nesses casos, portanto, a Lei desconsidera, pura e simplesmente, o valor efetivo das transações efetuadas, a pretexto de que tal valor teria sido estabelecido de forma a provocar a transferência indireta de lucros para o exterior. Por isso, a Lei também presume que não fosse a vinculação entre as pessoas, o valor da transação seria um dos indicados em seus artigos 18 (para a importação) e 19 (para a exportação).
As presunções, mesmo as absolutas têm sido admitidas em Direito Tributário. Mas, quando se referirem ao próprio conteúdo da obrigação, precisam respeitar os princípios constitucionais e os de lei complementar. Entre tais princípios figuram:
a) Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem lei (CF, artigo 150, I);
b) Prevalência dos tratados internacionais (artigo 5º, § 2º da C.F; artigo 98 do CTN) sobre a legislação interna;
c) Ocorrência específica do fato descrito em lei (CTN, artigo 114);
d) Inalterabilidade dos institutos, conceitos e formas de direito privado (CTN, artigo 110), utilizados na Constituição Federal e em leis complementares;
e) Definição do fato gerador do IR como a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda (CTN, artigo 43);
f) Exigência de processo regular e contraditório, para o arbitramento do valor de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, sempre que forem omissos ou não merecerem fé os documentos do contribuinte (CTN, artigo 148).
Em matéria tributária, as presunções como as indicadas, estabelecidas em caráter absoluto, acabam contrariando os princípios acima enumerados.
Ao presumir-se que os documentos do contribuinte não refletem o preço real da operação, faz-se letra morta do artigo 148 do CTN, que garante o processo regular do contraditório, para arbitramento do valor de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, apenas nos casos em que fossem omissos ou não merecerem fé os documentos do contribuinte. Ao determinar-se o ajuste no lucro líquido, pela redução dos custos e encargos e pelo aumento das receitas, faz-se, também letra morta do conceito de renda do artigo 43 do CTN.
As presunções absolutas de lucro em exportações, em montante maior e de custos e despesas, em importações, em montante menor que o decorrente do valor das transações efetivamente realizadas, faz também letra morta do artigo 148 do CTN, pois não é permitido ao contribuinte a possibilidade de demonstrar que as transações foram conduzidas por valor que não podia ser diferente.
BIBLIOGRAFIA
HIGUCHI, Fábio Hiroshi; HIGUCHI, Hiromi, Imposto de Renda das Empresas, Interpretação e Prática, Ed. Atlas, São Paulo, 1997.
MATOS, Fernando: Preços de Transferência no Brasil, Interpretação e Prática da Legislação, Ed. Atlas, São Paulo, 1999.
PISANI, José Roberto; GALHARDO, Luciana Rosanova: Preços de Transferência – Presunções Tributárias – Acordos Internacionais – Valorização Aduaneira, Revista Dialética de Direito Tributário n.º 21, págs. de 66 a 70.
ALYSSON S. DOS SANTOS É BACHAREL EM CIÊNCIAS JURÍDICAS / UNICAP E PÓS-GRADUANDO EM BUSINESS: EMPREENDEDORISMO E GESTÃO EMPRESARIAL / UFRPE